Serviço público defeituoso

Homem inocentado impedido de votar por omissão do estado ganha reparação moral

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11 de julho de 2020, 8h11

A Administração Pública responde objetivamente pelos danos causados por seus agentes, como prevê o parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição. Assim, a parte lesada não precisa provar a culpa do poder público para que ocorra a reparação, bastando a relação de causalidade entre a ação danosa ou omissão administrativa e o dano sofrido.

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Por isso, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça estadual  (TJ-RS) confirmou os termos da sentença que condenou o Estado do Rio Grande do Sul a pagar danos morais a um homem que, mesmo inocentado, foi impedido de votar em três eleições. É que a Vara das Execuções Penais não informou à Justiça Eleitoral que o autor havia sido absolvido do crime que lhe foi imputado em sede de revisão criminal – o que o impossibilitou de exercer seus direitos políticos.

"A baixa de Ação de Revisão Criminal sem a devida comunicação à Justiça Eleitoral configura falha na prestação do serviço judiciário, sendo notório o nexo de causalidade entre a omissão estatal em notificar a Justiça Eleitoral e o dano, consubstanciado na impossibilidade de o autor exercer o direito de voto", registrou a relatora da apelação cível, desembargadora Thais Coutinho de Oliveira.

Com a manutenção da sentença, o autor da ação indenizatória por responsabilidade civil irá receber do Estado, a título de danos morais, a quantia de R$ 1,5 mil – R$ 500 para cada eleição em que foi impedido de votar. O quantum indenizatório, segundo o parecer do representante do Ministério Público no colegiado, é "razoável e satisfatório" ao demandante e "punitivo" ao demandado, já que não causa "enriquecimento ilícito". O acórdão foi lavrado na sessão virtual de 21 de maio.

Reparação cível
O autor narrou na inicial da ação indenizatória que foi condenado pelo crime de estelionato em 29 de novembro de 2004, o que suspendeu os seus direitos políticos, como prevê o artigo 15, inciso III, da Constituição. A sentença da 2ª Vara Criminal da Comarca de Erechim transitou em julgado em 3 de julho de 2007.

Para desconstituir esta condenação, ele interpôs revisão criminal no 3º Grupo Criminal do TJ-RS. Em julgamento realizado em 13 de dezembro de 2007, ampla maioria dos desembargadores deu provimento ao recurso, por entender que a decisão condenatória contrariou a prova dos autos. Como consequência, a Corte desconstituiu a coisa julgada e absolveu o réu. A decisão proferida no acórdão da revisão criminal transitou em julgado em 22 de setembro de 2009.

Embora inocentado pela Justiça, o autor foi impedido de votar nos pleitos de 2008, 2010 e 2012. Motivo: o Estado do RS deixou de informar sobre a sua absolvição à Justiça Eleitoral. Por esta omissão, que feriu seus direitos de cidadania, ele pediu a regularização do cadastro de eleitor e o pagamento de danos morais no valor equivalente a 150 salários mínimos.

A defesa do Estado
Citado pela 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública da Comarca de Passo Fundo, o Estado apresentou contestação. Em preliminares, arguiu a incompetência absoluta do juízo e a ilegitimidade passiva, pois a suspensão indevida dos direitos políticos deve ser atribuída ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS). Logo, deveria integrar o polo passivo a União, e não o Estado do Rio Grande do Sul.

No mérito, a defesa do Estado discorreu acerca da natureza subjetiva da responsabilidade civil por omissão, do exercício regular do direito e da inocorrência de dano moral. Requereu o acolhimento das preliminares, com a extinção do feito sem julgamento do mérito ou, alternativamente, o julgamento de improcedência da ação indenizatória.

Sentença parcialmente procedente
Em sentença proferida no dia 17 de setembro de 2018, a juíza Rossana Gelain julgou parcialmente extinta, sem analisar o mérito, a parte da ação que pede a regularização do cadastro de eleitor, por ser competência exclusiva da Justiça Eleitoral. E deu total procedência à parte que pleiteia a indenização por danos morais, por reconhecer a responsabilidade civil do Estado por ato de omissão, impedindo o exercício de um direito fundamental. Ela arbitrou o valor de R$ 1 mil, pelo impedimento nas eleições de 2010 e 2012. E, em sede de embargos declaratórios, corrigiu a sentença para acrescer mais R$ 500 pela eleição de 2008, totalizando uma indenização de R$ 1,5 mil.

A julgadora apurou que a decisão final sobre o processo do autor, quando de seu retorno ao juízo de primeiro grau, foi comunicada apenas à Vara das Execuções Criminais, para fins de direito. E, após as anotações de praxe, os autos foram remetidos ao arquivo. Ou seja, não houve, em nenhum momento, ordem de comunicação do juízo estadual à Justiça Eleitoral para levantamento da suspensão dos direitos políticos.

"No caso dos autos, não se está a analisar erro emanado de decisão judicial, no exercício da função jurisdicional, mas, sim, eventual falha na prestação do serviço pelo Poder Judiciário, que, por culpa de seus agentes públicos, deixou de determinar a comunicação ao TRE acerca da absolvição do réu, o que o impossibilitou de exercer seus direitos políticos", escreveu na sentença.

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021/1.12.0016058-6 (Comarca de Passo Fundo)

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