Opinião

Limitação às pequenas empresas pode ser cavalo de Troia de PL

Autor

  • Adiel Ferreira da Silva Júnior

    é sócio-proprietário do escritório Adiel Ferreira Jr Sociedade de Advocacia especialista em Direito Administrativo (PUC-MG) professor universitário e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB-PE.

11 de julho de 2020, 7h04

O Projeto de Lei nº 1.292/95, que aguarda votação no Senado Federal, se aprovado, substituirá a atual Lei nº 8.666/93, Lei Geral de Licitações e Contratos e outros dispositivos como a Lei do Pregão e do Regime Diferenciado de Contratações.

O texto não parece, à primeira vista, um ato de mudanças radicais; todavia, chama a atenção uma limitação às prerrogativas das pessoas jurídicas protegidas pela Lei Complementar nº 123/06, isto é, microempreendedores, startups, médias empresas e as de pequeno porte.

Na legislação atual, os preços das propostas dos pequenos negócios são considerados como “empatados” mesmo quando estão um pouco acima da primeira colocada (entre dez a cinco por cento, a depender da modalidade), ensejando a preferência para contratar a empresa que, de alguma forma, estiver enquadrada pela Lei Complementar nº 123/06.

O projeto mantém o status quo no caput do art. 4º, todavia, afasta  — no parágrafo primeiro — tais prerrogativas, caso o valor da licitação ou do item seja superior ao dobro da receita bruta do enquadramento como empresa de pequeno porte, conforme o caso, o que equivale à quase dez milhões de reais:

Projeto de Lei nº 1.292/95, Art. 4º Aplicam-se às licitações e contratos disciplinados por esta Lei as disposições constantes dos arts. 42 a 49 da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006.

§ 1º As disposições a que se refere o caput não serão aplicadas:

I – no caso de licitação para aquisição de bens ou contratação de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior ao dobro da receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte;

II – no caso de contratação de obras e serviços de engenharia, às licitações cujo valor estimado for superior ao dobro da receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte.

Recentemente, o plenário do Tribunal de Contas da União, Acórdão nº 2437/2019 de relatoria do Ministro Bruno Dantas, considerou ilegal o empate fictício para licitantes que, ao tempo da licitação, ultrapassaram mais de 20% (vinte por cento) do teto estabelecido, baseando-se no art. 3º, §§9º e 9º-A da LC nº 123/06.

O curioso é que, na licitação enfrentada naquele julgado, três licitantes se declararam como beneficiárias do regime da LC nº 123/06, quando, na prática, as três atuavam em conjunto, como um grupo econômico informal, ultrapassando, significativamente, o teto estabelecido; o Tribunal, por sua vez, declarou a fraude à licitação, pouco importando se alguma das empresas sagrou-se vencedora no procedimento.

Portanto, nota-se que a legislação atual e a interpretação da corte de contas são capazes de reprimir os abusos e os crimes cometidos por pessoas jurídicas, prescindindo de qualquer prejuízo às prerrogativas que promovem a isonomia e o desenvolvimento das pequenas empresas no país.

Aliás, no §2º (do mesmo) art. 4º, o projeto traz uma evolução ao artigo citado pelo TCU, vedando o benefício do empate fictício a empresas de pequeno porte cujos contratos com a Administração Pública tenham, porventura, excedido o dobro do limite legal. Somente esse posicionamento seria o suficiente. Explico.

O projeto estabelece o "desenvolvimento nacional sustentável" tanto como objetivo do procedimento licitatório como “princípio”, o que eleva essa diretriz em relação à legislação atual. Assim, o objetivo da LC 123 não é, simplesmente, distribuir prerrogativas à determinadas empresas, mas atender uma demanda constitucional para que elas, obviamente, deixem de ser pequenas, de modo sustentável.

Pode-se ter a falsa impressão de que empresas pequenas podem sempre apresentar um produto mais barato, entretanto, não é assim que funciona. A realidade é que empresas pequenas trabalham, em geral, com contratos de baixo vulto, de modo que se tornam inteiramente dependentes deles.

Uma empresa maior — que tem um bom equity — pode abrir mão de grande parcela de componentes específicos da proposta, à exemplo da margem de lucro ou até mesmo da porcentagem de administração, sendo essa uma boa estratégia comercial. Sem contar com a discrepante disputa entre fornecedoras que fabricam, e as que revendem, ficando as empresas em franca desvantagem.

Naturalmente, numa licitação que fará a vencedora superar o teto das empresas de pequeno porte, a proposta deve considerar a tributação ordinária (real ou presumida), devendo este quesito ser objeto de análise específica por parte da Administração.

Portanto, o texto que está prestes a ser aprovado, com a promessa de digitalizar o procedimento, auxiliar o accountability e trazer uma linguagem mais moderna, paradoxalmente, pode trazer consigo um "Cavalo de Tróia", ao forçar, entre licitantes com condições antagônicas, uma concorrência "de igual para igual".

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    é sócio-proprietário do escritório Adiel Ferreira Jr Sociedade de Advocacia, especialista em Direito Administrativo (PUC-MG), professor universitário e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB-PE.

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