Opinião

Falência insolvência x falência remédio

Autor

  • Carlos Henrique Abrão

    é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo doutor em Direito Comercial pela USP com especialização em Paris professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg e autor de obras e artigos.

11 de julho de 2020, 11h14

A completa paralisação da atividade econômica, fruto da pandemia, fez com que a recessão batesse forte às portas do Brasil, com depressão e queda vertiginosa do poder aquisitivo da população. Entretanto, não podemos deixar de emprestar a máxima atenção ao quadro geral das empresas, muitas fechando, despedindo ou colocando placa de aluga-se ou passa-se o ponto. Enquanto alguns sonhos mostram a vertente de uma nova Lei de Recuperação, o que pretendemos demonstrar é que o instituto da insolvência, tanto de pessoa física, mas, principalmente, de pessoa jurídica, recebe um acanhado tratamento legal.

Perdemos milhões de postos de trabalho, mais de 500 mil empresas serão extintas regular ou irregularmente, dissolvidas, e tudo isso representa o "risco Brasil". Contudo, a falência insolvência sempre foi objeto de crítica e tratamento com desconfiança para com sua realidade, mas a falência remédio é uma alternativa, a possível solução viável para a reorganização do modelo societário e recuperação da crise empresarial.

O que propomos, nada mais, nada menos, é uma legislação composta por 25 artigos disciplinando a autofalência com o viés da boa-fé e uma espécie de Refis da empresa abrangendo a universalidade dos credores. E como funcionaria o sistema disciplinado pela lei? Bem simples, após sua entrada em vigor todos os empresários com pelo menos dois anos de atividade e que atendessem aos requisitos poderiam requerer sua autofalência de forma extrajudicial. O tratamento dispensado seria para micro, pequenas e EPP, as quais teriam entre cinco e 500 empregados, faturamento de R$ 500 mil até R$ 10 milhões anuais, comprovando que a pandemia exterminou a força produtiva, obtendo um desconto de 30% da dívida pré e 50% naquele do fechamento do negócio, com pagamento em até cinco anos, sem juros, mais correção monetária.

E a principal perspectiva seria, no prazo de 60 dias após a morte súbita homologada, propiciar a abertura de um novo negócio com outro CNPJ e sem qualquer sucessão trabalhista, tributária ou societária. Temos, assim, que a falência funcionaria como poderoso remédio para efeito de estimular o encerramento imediato de atividades empresariais inviáveis e, ao mesmo tempo, não jogar o devedor numa situação de culpado, mas, sim, lhe permitir, em 60 dias, gerar outro negócio com os sócios anteriores ou novos que compusessem o retrato do objeto social identificado.

A falência remédio evita o emperramento da máquina judiciária, possibilita rápida solução extrajudicial, cria a oportunidade de nova atividade empresarial livre de sucessão e destina o pagamento de todos os credores trabalhistas, tributários e extraconcursais em até cinco anos com o decote proveniente do desconto, por meio de balanço e o nexo causal comprobatório do maior endividamento e perda completa de receita no período da pandemia. Seria uma injeção de ânimo para combatermos de frente os trilhões de dólares sugados da economia com a paralisação e o aumento preocupante do número de desempregados.

É lógico pressupor que alguns setores, aéreo, turismo e hoteleiro, foram mais prejudicados, porém em geral, salvo raras exceções, farmácias e supermercados, o efeito pandemia resvalou como boliche derrubando um a um todos os setores de serviços, comércio e principalmente industrial. Vemos com a possibilidade do projeto substitutivo uma chance, alternativa e melhor enraizamento da falência remédio, que poderia destravar o passivo de milhares de pequenos empresários, com a salvaguarda de continuação sem sucessão.

O Diploma atual, nº 11.101/05, em vigor há 15 anos, não previu a continuação do negócio, ao contrário do Decreto revogado de 45. Seria, então, uma rara e importante oportunidade para que o legislador se debruçasse sobre o que realmente pode ser salvo e aquilo que deve ser, definitivamente, enterrado sob a rubrica de autofalência.

Recentemente uma companhia aérea internacional pediu sua própria quebra ao perceber que a recuperação seria inviável, já que sua capacidade de soerguimento está atrelada ao nível de atividade do transporte aéreo, hoje completamente abalado pela pandemia. Bem assim, é pelo caminho da falência remédio que teremos salvaguardas capazes de ao mesmo tempo permitir o distanciamento do passivo com descontos expressivos, autorizar uma nova atividade, desafogar o judiciário, capacitar ferramentas de apoiamento de recursos financeiros e liberar projetos surrealistas de recuperações judiciais natimortas, com passivo estrondoso e menor plausibilidade de retorno, além do que, planos de uma e até duas décadas somente favorecem aqueles que pretendem enriquecer as custas da maioria dos credores.

Enxergamos com bons olhos um projeto substitutivo apresentado pelo Senado Federal que amplie o remédio falimentar e dose a concessão do benefício, o que levará ao impacto sem precedentes na órbita legal. E como ficaria o Direito intertemporal simples, pois que todos os que estiverem em recuperação poderão requerer a imediata convolação para a quebra remédio e assim se beneficiar com o progressivo custo benefício? A realidade conjuntural do país e os escassos recursos de capital de giro, notadamente para pequenas e micro empresas, autorizam dizer que sem a falência remédio teremos debacle generalizada e o surto do endividamento em cadeia, com a quebra sistêmica de vários setores. Lança-se a semente que, se germinar, será um poderoso remédio para combater os malefícios da pandemia, não colapsar o Judiciário e externar o desejo que nosso empreendedorismo renasça com esperança, mais forte e sólido, capacitado a enterrar as dívidas do passado, comprometimento total com o presente e o gradual sol a brilhar no futuro, pondo fim ao desemprego e arrumando a casa.

Precisamos com urgência de um freio de arrumação de todos os setores e a falência remédio surge como tal, dispensando um tratamento isonômico, envolvendo todos os credores e dando ao novo modelo a sensação de que a recuperação não posterga a obrigação e abre novos horizontes para o empresário sério, voltado para o bom negócio e revestido da boa-fé.

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    é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, doutor pela USP com especialização em Paris, professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg e autor de obras e artigos.

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