Opinião

A dosimetria na reparação dos danos morais em tempos de Covid-19

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10 de julho de 2020, 7h13

A pandemia mundial ocasionada pela proliferação do coronavírus, que passou a atingir o Brasil em meados do mês de março, trouxe para os profissionais do Direito novos desafios.

Alterações e inovações legislativas se fizeram necessárias, como por exemplo a edição da Lei nº 14.010/2020, que trouxe regime emergencial e transitório às relações de Direito privado durante o período da pandemia.

No que se refere à responsabilidade civil, destacamos a importância da Lei nº 14.015/20020, que alterou as regras sobre eventual interrupção de serviços públicos (água, energia, telefonia, gás) em virtude de inadimplência do consumidor.

Ainda, no campo processual, destacamos a edição da Lei nº 13.994/2020, que positivou a possibilidade de conciliações não presenciais no âmbito do microssistema dos Juizados Especiais Cíveis.

Nesse caminhar, trazemos aqui uma reflexão acerca de relações jurídicas ocorridas durante o período de pandemia que possam acarretar o ilícito civil ou consumerista, ensejador à reparação por danos morais.

Em artigo recentemente publicado [1], defendemos que para ilícitos praticados durante o período de calamidade pública o quantum arbitrado para fins de reparação deva ser agravado, por aplicação analógica das normas contidas no Código Penal e no Código do Consumidor, este último no que se refere aos crimes nas relações de consumo.

"Como é cediço, as condutas ilícitas praticadas em períodos de calamidade pública sofrem maior reprovação, quando sancionadas pelas diversas normas brasileiras.

No Direito Penal, por exemplo, a pena sempre é agravada quando o fato típico é praticado 'em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido' (CPB, artigo 61, II, letra 'j').

De igual forma, o agravamento da pena conforme o §2º do artigo 266 do mesmo diploma, que trata do crime de interrupção ou perturbação de serviço telefônico, quando praticado em vigência de estado de calamidade pública.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.089/90), igualmente, acerca dos crimes contra as relações de consumo, prevê em seu artigo 76, inciso I, que: 'São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste Código: I – serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade'".

Sob essa ótica, compete registrar que por si só a ocorrência do ilícito e o reconhecimento da existência do dano moral não ensejará automaticamente a agravação do valor de reparação em patamares excessivamente superiores aos que vinham sendo aplicados nos precedentes dos tribunais.

Será preciso um esforço argumentativo das partes envolvidas, trazendo para o seio do processo a questão, porquanto o due process of law exige que a questão seja trazida na causa de pedir e debatida no curso do procedimento.

Na avaliação individualizada do caso concreto, o magistrado, após reconhecer a existência do dano moral indenizável [2], para realizar a dosimetria da reparação e fixar por arbitramento o valor monetário que julga ser o adequado, utilizará o método bifásico.

Nesse método, na sua primeira fase observa o magistrado qual fora o interesse jurídico lesado e o grupo de precedentes jurisprudenciais referentes a casos semelhantes, fixando aí um valor-base provisório para a dose da condenação monetária do ofensor.

Na segunda fase, já com um valor-base provisório em mente, o juiz analisará as circunstâncias do caso concreto sob julgamento, aplicando, se necessário, uma majoração sobre o valor inicialmente encontrado, encontrando ao final o valor que reputa adequado, razoável, justo e sobretudo individualizado para o caso que está a julgar.

Para essa fase, chamo a atenção para os critérios sinalizados pela CLT em seu artigo 223-G, incisos I a XII, que em muito tem auxiliado os juízes na difícil tarefa da dosimetria da reparação por danos morais.

Nesse passo, não é incomum se ouvirem críticas de cidadãos que acionaram a Justiça por não compreenderem como é que para fatos aparentemente semelhantes aos que sofreu um terceiro tenha eventualmente sido reparado em valores monetários mais expressivos que o seu.

Esquecem que na humanidade cada indivíduo é único. Nunca existiu uma pessoa igual à outra e nunca existirá. Quando o magistrado arbitra o quantum reparatório para a vítima, isso é levado em consideração.

Nesse pervagar, então, resta claro que a avaliação das circunstâncias (segunda fase do método bifásico) ganha enorme relevo e importância, principalmente para os advogados, que são os autores das petições iniciais nas ações de responsabilidade civil, com a descrição pormenorizada dos fatos, das suas consequências, da extensão do dano alegado e sobretudo, das condições pessoais do autor-vítima.

Assim, é essencial que as considerações sobre os fatos precisam ser cotejadas com o momento e o ambiente hoje vivido pela eventual vítima na pandemia.

Como avaliará o magistrado com maior precisão as circunstâncias que envolvem o dano moral sofrido se na petição inicial e nas provas produzidas não há informações mais detalhadas sobre a extensão e as consequências do fato ilícito ou sobre a própria vítima (idade, sexo, questões psicológicas pessoais, questões físicas, condição cultural, social, econômica etc), entre outros aspectos igualmente importantes e que podemos observar no disposto no artigo 223-G, incisos I a XII, da Consolidação das Leis do Trabalho, que por analogia se aplica perfeitamente à dosimetria do dano moral reparável?

Concluindo, percebemos que nas relações jurídicas ocorridas em tempos de calamidade pública, como o que hoje vivenciamos, que possam ensejar o reconhecimento de danos à personalidade, é de bom alvitre que um maior grau de detalhamento das circunstâncias sejam trazidos à discussão na fase conciliatória e pré-processual e também na fase judicial, para que a entrega da prestação jurisdicional seja a mais próxima possível do senso ou sentimento de justiça para a vítima.

 


[1] SILVA, Geilton Costa Cardoso da. A reparação dos danos morais sofridos em tempos de coronavírus. ConJur, 12 de maio de 2020.

[2] Prefiro a expressão "reparável", para diferenciar da indenização ao dano material. Este sim quantificável objetivamente para gerar a indenização. Para nós o dano moral só poder ser reparado, pois o valor monetário aplicado apenas "repara" o dano, sendo apenas um substitutivo diverso à humilhação ou dor sofrida. Diverso da indenização no dano material, que é complete e totalmente satisfativa.

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