Prática Trabalhista

Questão da cláusula penal e salvaguardas patrimoniais para cumprimento da avença

Autores

  • Rafael Guimarães

    é juiz do Trabalho coordenador do Programa SOS EXECUÇÃO no TRT da 2ª Região professor convidado em Escolas Judiciais e em cursos jurídicos especialista em Direito e Processo do Trabalho e coautor da obra Execução Trabalhista na Prática.

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

9 de julho de 2020, 8h05

A execução trabalhista pode ser dividida em duas grandes etapas. A primeira relacionada à liquidação da sentença (art. 879 da CLT[3]) e a segunda etapa definida como execução forçada que se inicia após a ausência de cumprimento voluntário pelo devedor da obrigação fixada no título judicial exequendo, nos termos dos arts. 880[4], 882[5] e 883[6] da CLT.

Segundo Araken de Assis, “por meio da execução forçada, o órgão judiciário privará o executado imediata ou progressivamente da garantia constitucional de gozar do que é seu (e do que se encontra na sua esfera jurídica), imputando bens à satisfação do crédito do exequente[7].

A execução forçada implica avanço da tutela executiva no patrimônio do devedor e dos corresponsáveis patrimoniais, o que, de igual modo, constitui matéria-prima para uma série de conflitos e incidentes no decorrer do processo trabalhista.

É justamente quando a tutela executiva adentra, por exemplo, no campo das impenhorabilidades dos bens ou atinge a esfera patrimonial dos corresponsáveis do executado, mostra-se oportuna a designação de audiência de conciliação com grandes chances de as partes chegarem a um bom termo.

Diante do estado de incerteza sobre qual será o posicionamento definitivo do juiz ou do Tribunal em grau recursal acerca da licitude dessas constrições judiciais, pode haver confluência de interesses do credor e do devedor em prol do desenlace da execução, equilibrando bens jurídicos aparentemente em conflito: celeridade e modo menos gravoso ao executado.

É oportuno ressaltar que o caput do art. 764[8] da CLT exorta que a todo momento o processo do trabalho seja submetido à resolução consensual do litígio, sendo ainda mais enfático o §3º ao dispor que “é lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório”.

A conciliação na execução é bastante salutar mormente quando o processo tramita por tempo considerável. Conforme observa Mauro Schiavi, “em muitos casos, o executado não pode pagar o crédito numa única parcela, mas pode quitar o montante da dívida em algumas parcelas e tal parcelamento ser interessante ao exequente[9].

Em várias oportunidades relacionadas a casos concretos similares aos apresentados, tem-se notícia de experiências exitosas na designação de audiência de conciliação no decorrer da execução forçada.

Percebe-se, no dia a dia forense, que os advogados das partes comparecem à audiência muito focados no tema central da transação, que sem sombra de dúvidas é a melhor de forma de solver o débito trabalhista.

Contudo, a conciliação em execução exige do advogado, em especial do credor trabalhista, atenção não só com a obrigação principal objeto da conciliação, mas também com a construção da cláusula penal e das salvaguardas patrimoniais que constituem verdadeiros alicerces de sustentação à efetividade do cumprimento da transação judicial, possuindo amparo no art. 846, §1º, da CLT c/c art. 408 do Código Civil.

Não adianta as cláusulas que integram a obrigação principal estarem muito bem definidas, e a parte credora negligenciar justamente na salvaguarda patrimonial do acordo.

No desenvolvimento da cláusula penal existem elementos básicos que merecem atenção, a saber:

  • Fixação da multa penal. Costumeiramente o percentual da multa penal oscila entre 50% até o limite de 100%, em atenção ao art. 412 do CC, que prevê que “o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”.
  • Forma de incidência. As partes precisam estabelecer se a multa penal incidirá somente sobre as parcelas em atraso; ou, se com a mora no cumprimento do acordo, ensejará o vencimento antecipado das parcelas vincendas, com incidência da multa sobre todo o saldo devedor do acordo.
  • Previsão de correção monetária e juros de mora. É importante que haja previsão expressa da incidência de juros e correção monetária sobre as parcelas em atraso, para evitar incidentes infundados na execução e dar maior clareza aos termos avençados. Deve-se ter em mente que não existe condição implícita em matéria de acordo judicial.
  • Superação da formalidade do art. 880 da CLT. Dispõe o art. 880, caput, da CLT, que, uma vez requerida a execução de acordo descumprido, haverá expedição de mandado de citação do devedor para pagamento. Para dar verdadeiro salto de celeridade, é recomendável que se contemple no termo do acordo que “na eventual execução, a reclamada sai citada, desde já, na forma do artigo 880 da CLT”. Desse modo, com a denúncia pelo credor do acordo descumprido, torna-se possível dar prosseguimento imediato à execução com a rápida constrição patrimonial do executado inadimplente.

A seguir, enfatiza-se o seguinte elemento específico que pode compor a cláusula penal, sendo capaz de conferir grande efetividade e celeridade em caso de descumprimento do acordo e consequente resgate do crédito exequendo:

  • Autorização da reclamada para desconsiderar a sua personalidade jurídica. É possível constar na cláusula penal que a reclamada concorda com a desconsideração de sua personalidade jurídica, para que haja cobrança solidária dos seus sócios. Com esta previsão na transação, em caso de descumprimento do acordo, a execução pode ser deflagrada já incluindo os sócios no polo passivo, sem que haja a necessidade de submissão à instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Ao lado da cláusula penal, o advogado da parte autora precisa estar atento para a possibilidade de contemplar salvaguardas patrimoniais na cláusula penal, tais como:

  • autorização do sócio, que eventualmente já esteja no polo passivo da execução, para que haja penhora, por exemplo, dos seguintes bens que são objeto de muitos embates em torno da temática das impenhorabilidades: (a) de seus proventos, com averbação em folha de pagamento de determinado percentual mensal a ser definido em audiência; ou (b) de bem imóvel residencial em garantia de adimplemento de eventual saldo devedor do acordo.
  • concordância da empresa devedora, que se encontra em plena atividade empresarial, para que haja penhora de seu faturamento nos termos do art. 866 do CPC, em percentual a ser definido pelas partes.

Em tais hipóteses, não se pode olvidar que, no termo de conciliação, deve-se constar que o executado renuncia a toda e qualquer impugnação, recurso ou incidente contra as salvaguardas patrimoniais.

De mais a mais, as salvaguardas patrimoniais podem ser diligenciadas previamente pelo advogado do credor através do sistema extrajudicial de busca patrimonial, perante os cartórios registradores de bens, especialmente nas conciliações ainda na fase de liquidação de sentença, quando ainda não deflagrada a pesquisa patrimonial na execução.

Destarte, é bem de ver que o cuidado no desenvolvimento da cláusula penal e das salvaguardas patrimoniais podem ser verdadeiros divisores de água entre o sucesso e o fracasso no resgate do crédito trabalhista.

Por todo o exposto, torna-se imprescindível que o advogado tenha conhecimento, em detalhes, de todas as ferramentas de pesquisa patrimonial disponíveis para a solução da execução trabalhista, como medida a efetivar a satisfação dos acordos por ele celebrados em fase executória, se resguardando de patrimônios dos devedores em caso de eventual inadimplemento de suas avenças e, em particular, da cláusula penal.  

[3] CLT. Art. 879, caput. Sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos.

[4] CLT. Art. 880, caput. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora. 

[5] CLT. Art. 882, caput. O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da quantia correspondente, atualizada e acrescida das despesas processuais, apresentação de seguro-garantia judicial ou nomeação de bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 835 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.

[6] CLT. Art. 883, caput. Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação (…).

[7] DE ASSIS, Araken. Manual da execução, 20ª ed. São Paulo: RT, 2018 (E-book).

[8] CLT. Art. 764, caput. Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação.

[9] SCHIAVI, Mauro. Execução no processo do trabalho, 11ª ed. São Paulo: LTr, 2019, p. 109.

Autores

  • Brave

    é juiz do Trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp e palestrante em cursos jurídicos sobre execução trabalhista.

  • Brave

    é mestre em Direito pela PUC-SP; professor de Direito do Trabalho da FMU; especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais; organizador do e-book digital "Coronavírus e os Impactos Trabalhista" (Editora JH Mizuno); coordenador do e-book "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020); organizador das obras coletivas "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr, 2019) e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (Editora JH Mizuno, 2019); coordenador do livro digital "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb, 2018); palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!