Opinião

Manifesto pelo fim do subjetivismo dos agentes públicos

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9 de julho de 2020, 12h05

Tive a oportunidade de escrever recentemente ("Os órgãos públicos não deveriam viver em bolhas") [1] que o isolacionismo dos órgãos e entes públicos, em uma visão corporativista e de castas, acaba por atuar em detrimento da sociedade.

Complementando o escrito anterior, gostaria de realizar outra análise, que julgo inclusive mais perniciosa para os administrados, que se refere à subjetividade dos agentes públicos.

Essa temática costuma ser trabalhada com mais atenção quando se estuda a atuação de magistrados, podendo-se citar, entre vários, os inúmeros escritos de Lênio Streck, aqui na ConJur, que questiona as constantes decisões judiciais que se valem de valores morais e subjetivos, utilizando-se de critérios metajurídicos para "escolher".

Essa problemática, contudo, não é exclusiva da função jurisdicional, sendo encontrada aos montes no exercício da função administrativa. É frequente verificar, sem nenhum constrangimento, agentes públicos dos mesmos órgãos que decidem com uma "liberdade" inexistente. Uma análise de liberação de Certidão Negativa de Débito por um órgão fazendário, por exemplo, por vezes encontra respostas diversas, a depender do agente público que realiza a resposta ao requerimento. Há uma "esquizofrenia institucional". Ou seja, não há uma posição jurídica, mas, sim, uma decisão subjetiva dos agentes.

Quantas vezes já não fomos surpreendidos com a exigência de documentos, feita por agentes públicos para a análise de alguma solicitação, sem que houvesse nenhum embasamento legal para tanto? E com certeza já se deve ter ouvido que para resolver tal questão é preciso tentar falar com o agente público Fulano, que confere decisões mais favoráveis aos pleitos dos administrados, contrariamente às decisões de Beltrano.

A esse respeito, recordo-me quando ingressei no serviço público, há aproximadamente dez anos, e me foi perguntado, no exercício das minhas funções, qual minha posição sobre determinada questão. Já à época, lembro que respondi que a posição institucional daquele órgão em que eu trabalhava era em determinado sentido. Em outras palavras, pouco importava minha posição pessoal.

Todo e qualquer agente público, independentemente da forma de provimento, dos requisitos para ingresso no cargo, da espécie de remuneração, da relevância das atribuições exercidas ou qualquer outro elemento característico, ao desempenhar suas atribuições públicas, exerce uma função.

Deve-se compreender e ter como norte que se verifica a existência de uma função quando alguém está investido no dever de satisfazer determinadas finalidades em prol dos interesses de outrem, ou seja, os representantes no exercício de uma função que lhes foi conferida pelos representados estão adstritos àqueles interesses [2], sendo certo que há, em igual medida, o direito dos representados em exigir o seu irrepreensível cumprimento.

Os representados, acima mencionados, ademais da relação direta existente com os ocupantes de cargos eletivos, também se referem, em um sentido amplo, a todo e qualquer cidadão em Estados democráticos de Direito, relacionados a todo e qualquer agente público.

É, portanto, na concepção de que em um Estado os que mandam também obedecem, estando sujeitos ao império das leis (República), e que nesse Estado os agentes públicos representam a coletividade, no sentido de exercerem uma função em nome alheio (representação), que se pode desenvolver minimamente um ideal de controle estatal [3].

No exercício de uma função pública, os agentes estatais atuam conforme as determinações do sistema jurídico que os informa. Não há lugar para decisões pautadas em opiniões estritamente pessoais e subjetivismos. Critérios abstratos de justiça se mostram sempre os mais "injustos". As condutas públicas são limitadas pelo Direito. Não nos esqueçamos disso.

 


[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.72.

[3] CABRAL, Flávio Garcia. Os fundamentos políticos da prestação de contas estatal. Revista de Direito Administrativo – RDA, Rio de Janeiro, v.270, p.147-169, set./dez. 2015, p.166.

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