Liberdade tangenciada

Frágil e vago, projeto contra fake news pode gerar aplicações arbitrárias

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8 de julho de 2020, 9h32

O Projeto de Lei 2.630/2020, que busca combater as fake news nas redes sociais, é frágil e vago. Se aprovado da forma como está, na avaliação da advogada Sandra Krieger, conselheira federal da OAB e do CNMP, pode levar a aplicações arbitrárias. 

OAB
Sandra Krieger apresentou parecer ao Conselho Federal da OABOAB

A conclusão da advogada consta de parecer apresentado nesta terça-feira (7/7) em sessão do Conselho Federal da OAB. Nele, a advogada diz que o PL foi pensado para alvejar as grandes plataformas pelo temor do uso político e de ataque pessoal, como aconteceu nas eleições de 2018. 

Aprovado às pressas na última semana pelo Senado, o texto seguirá para a Câmara dos Deputados e pode estimular a censura, segundo reportagem da ConJur. Krieger concorda. Para ela, o texto trata de forma superficial do problema da desinformação e desenvolveu mecanismos de vigilância em excesso, que podem violar a privacidade dos cidadãos, além de serem difíceis de fiscalizar.

O efeito colateral, diz, "será o acesso desmedido às informações privadas, facilitando, tecnicamente, o vazamento de dados pessoais, a censura e o controle/vigilância dos cidadãos; enquanto aqueles que pretendem difundir a desinformação encontrarão várias formas de fazê-lo, codificando informações para que os sistemas não consigam verificá-las como repetidas e utilizando meios como a deep web"

Logo no início do relatório, Krieger relembra que não há direito absoluto acerca da liberdade de expressão. No entanto, ressalva que o texto do legislativo tem objeto mal delineado, já que há um "vácuo na distinção entre público e privado".

"A solução do PL é insatisfatória, pois classifica os serviços como privados ou públicos, quando cada uma dessas plataformas tem funcionalidades de natureza pública e privada (envio de mensagem privada, postagens, etc)", explica.

A conselheira também criticou que o projeto não define o alcance do termo desinformação e do que é notícia falsa, o que dificulta sua aplicação e interpretação. Além disso, Krieger entende que adotar a expressão "rede social de mensagem privada" abrange muitos serviços, como o e-mail, que não tem relação nenhuma com a discussão de fake news. 

Outro ponto rechaçados pela advogada trata do mecanismo de identificação por documento original e número de celular, que, para ela, poderia gerar riscos ao usuário, "além de estabelecer uma obrigação ultrapassada que anuvia o desenvolvimento na internet".

Já sobre o sistema de rastreamento de mensagem privada que promove o registro em massa de conteúdo, Krieger entende que "viola garantias constitucionais de sigilo de comunicações e fragiliza a presunção de inocência". 

Por fim, a advogada também destaca que as regras do texto prejudicam a liberdade de expressão e os trechos que sugerem a retirada imediata de conteúdo das plataformas geram incentivo econômico para tal remoção.

Fábricas de desinformação
Sandra Krieger também enfrenta o tema da fabricação em massa de desinformação e o discurso de ódio. Ela aponta que, embora haja grande impulso para criminalizar condutas, não há qualquer evidência de que os tipos penais propostos sejam eficazes para isso. 

Afirma ainda que não se pode ignorar que há empresas especializadas nas etapas da cadeia de impulsionamento, que criam ferramentas de disparo, ou buscam a compra e venda de bases de dados. Outro tópico importante é que muitos desses serviços são contratados de empresas do exterior, o que dificulta a investigação no Brasil.

"Todos esses atores participam de uma cadeia maior de desinformação e não serão enquadrados por um tipo penal singular, nem por uma solução simplista e genérica sobre desinformação", explica.

A votação do parecer na OAB deve ser retomada no dia 20, depois que a relatora receber as manifestações dos demais conselheiros. A proposta de Krieger é enviar a manifestação à Câmara para subsidiar os trabalhos.

Clique aqui para ler o voto
49.0000.2020.00438-0

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