Opinião

A videoconferência no tribunal do júri: por uma dialética mais fidedigna

Autores

  • Fabrício Castagna Lunardi

    é juiz de Direito no TJ-DFT titular do Tribunal do Júri de Samambaia integrante do Grupo de Trabalho para Otimização de Julgamentos no Tribunal do Júri (CNJ) e doutor em Direito pela UnB.

  • Orlando Faccini Neto

    é juiz de Direito do TJ-RS titular da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre ex-juiz auxiliar do STJ membro do Grupo de Trabalho para Otimização de Julgamentos no Tribunal do Júri (CNJ) doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Lisboa e professor do mestrado no IDP-Brasília.

8 de julho de 2020, 16h15

Está em discussão no Conselho Nacional de Justiça proposta de resolução para permitir a retomada dos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida em tempos de pandemia. No entanto, o apoio da videoconferência em alguns atos da sessão de julgamento, explicitado em texto publicado neste periódico, gerou algumas reações que aparentam não haver partido das ideias propostas.

Em recente matéria publicada pela ConJur, houve uma série de manifestações de juristas contrários à retomada das sessões de julgamento. Até aí, tudo certo. Porém, houve afirmações de que haveria o "afastamento da presença física do juiz" e a "realização de júris virtuais". Outra opinião, em formato de questionamento, veio assim: "Qual a garantia de que um jurado em casa, durante julgamento que, em alguns casos, pode durar mais de dia, não irá se aconselhar com seu cônjuge ou com os filhos, não sofrerá influência dos vizinhos ou até mesmo de notícias publicadas na internet?".

A dúvida que emerge dessas opiniões é se elas decorrem de falta de prévia leitura do texto ou apenas de sua equivocada interpretação.

Em primeiro lugar, a proposta não institui o júri virtual. A sessão do júri se realiza presencialmente, tendo o uso da videoconferência simplesmente como um apoio, e para alguns dos inúmeros atos que compõem um julgamento.

Além disso, de acordo com a proposta que tramita no CNJ, o juiz e os jurados deverão obrigatoriamente estar presentes fisicamente na sala de sessões durante o julgamento da causa. Os representantes da acusação e da defesa poderão estar física ou virtualmente presentes, conforme optarem (artigo 4º, §§1º e 2º, da proposta).

O apoio da videoconferência somente ocorreria para aqueles atos cuja presença física não seria imprescindível. Por exemplo, na instrução em plenário, as oitivas de vítima e testemunhas ocorreriam com uso dessa tecnologia (artigo 12 da proposta). Além disso, para garantir e até potencializar a publicidade do ato, todo o julgamento seria filmado, de modo que o público em geral poderia acompanhá-lo pela plataforma de videoconferência, mediante link disponibilizado pela vara (artigo 5º da proposta) [1].

A proposta de resolução também admite o início da sessão em meio virtual, apenas para a realização do sorteio dos jurados, visto que esse ato ainda não está relacionado diretamente à apreciação e julgamento da causa. Além disso, de acordo com o seu artigo 4º, §§1º e 2º, "após o sorteio, o ato deve ser suspenso, para que o magistrado, os jurados sorteados, o secretário de audiência e os oficiais de justiça, no mesmo dia, se façam presentes à sala de sessões plenárias do tribunal do júri", onde também deverão comparecer "os representantes do Ministério Público, da Defesa e o réu, se solto", se assim estes desejarem.

Com isso, haveria a redução do quantitativo de jurados que teriam de comparecem ao fórum, de cerca de 25 (precisa haver o mínimo de 15 jurados, sob pena de não ser instalada a sessão artigo 463, CPP) para nove jurados (sete titulares e dois suplentes). Ademais, como vítima e testemunhas seriam ouvidas por videoconferência, e o público em geral assistiria ao julgamento pela plataforma, se reduziria bastante o quantitativo de pessoas na sala das sessões plenárias do júri.

Além de não haver qualquer afronta à legalidade, tampouco prejuízo às partes, a proposta do CNJ evita aglomerações e minimiza as possibilidades de contágio da Covid-19. Essas medidas viabilizariam a retomada dos julgamentos pelo tribunal do júri em tempos de pandemia.

Portanto, as críticas construtivas à proposta de resolução do CNJ são bem-vindas, desde que amparadas em uma dialética fidedigna ao conteúdo dos argumentos contrários, sob pena de desperdiçarmos a oportunidade de construção coletiva de uma nova práxis, que sirva a um momento excepcional de nossa história, em que, dentro de certos limites éticos e epistemológicos, alternativas devem ser pensadas e concretizadas para a continuidade de um serviço essencial como é a jurisdição criminal.

 


[1] Sobre a utilização de videoconferência no Tribunal do Júri, vide: CRUZ, Rogerio Schietti. LUNARDI, Fabrício Castagna; GUERREIRO, Mário Augusto Figueiredo de Lacerda. "Tribunal do júri com apoio de videoconferência: pela ética do discurso". ConJur, 29/6/2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jun-29/opiniao-tribunal-juri-apoio-videoconferencia>.  Acesso em: 6/7/2020.

Autores

  • Brave

    é juiz de Direito da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).

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    é juiz de Direito, doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e professor no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Escola da Magistratura do Rio Grande do Sul.

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