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TJ-SP mantém prisões porque condições de moradia dos presos devem ser ruins

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7 de julho de 2020, 14h12

Não saber as exatas condições de moradia do preso é impeditivo para concessão de cautelar, seja para conversão em prisão domiciliar ou concessão de liberdade provisória. O entendimento é do desembargador Zorzi Rocha, da 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, em uma série de decisões proferidas entre abril e julho deste ano. 

Divulgação/Defensoria Pública de SP
Divulgação/Defensoria Pública de SPPresídio de Potim 2 tem capacidade para 844 presos, mas abriga mais de 1.600

Foram 56 pedidos negados pelo magistrado com base no mesmo entendimento: por um lado, as penitenciárias podem fornecer tratamento adequado à pessoa presa; por outro, não se sabe se a casa do paciente tem rede de água ou esgoto. A primeira decisão com tal teor foi proferida em 13 de abril. A última, em 1º de julho. 

As solicitações foram feitas com base na Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, que orienta o desencarceramento como forma de conter o avanço do novo coronavírus nos presídios. 

"Ignoradas são as exatas condições de domicílio do paciente (existência de rede de abastecimento de água e esgoto, número de cômodos e espaço de cada um, total de moradores, suas idades, bem como suas condições de saúde), o que impossibilita ainda mais aferir se a medida [conversão de prisão para o regime domiciliar] implicará mesmo em redução dos riscos epidemiológicos, ou se, ao contrário, contribuirá para seu aumento e para sobrecarregar a já insuficiente rede de saúde pública", afirmam as decisões. 

"Também não há comprovação", prossegue o desembargador, "de que, dentro do estabelecimento prisional, não terá o paciente atendimento e proteção adequadas, sabido que doença não é motivo de soltura quando cabível ao Estado o dever de cuidado e saúde ao preso". 

Parte das decisões foi tomada em Habeas Corpus individuais ajuizados pela Defensoria Pública de São Paulo para presos da Penitenciária de Potim 2. O defensor Saulo Dutra de Oliveira foi o responsável por algumas das solicitações, entre elas a de um homem condenado por tráfico de drogas.

"Não bastasse o cárcere perverso, o jurisdicionado foi submetido a uma análise superficial presumida de sua condição de pobreza e marginalização social, pelo Judiciário, justamente para mantê-lo segregado: a seletividade oficial do Direito Penal não tem mais receio de mostrar sua face dura e inumana, por quem deveria justamente garantir e efetivar direitos", afirmou Saulo à ConJur.

Parte dos assistidos por Saulo, entre eles o homem acusado de tráfico, foi contemplada por HC coletivo do Superior Tribunal de Justiça, que concedeu domiciliar a 180 detentos de Potim 2. Segundo dados da SAP, o presídio tem capacidade para 844 presos, mas atualmente abriga o quase o dobro disso: 1.675

Recomendação 62
A Recomendação 62, usada nos pedidos de domiciliar, visa a diminuir o ingresso de pessoas no sistema prisional e socioeducativo, orientando que os magistrados reavaliem prisões em que o crime foi cometido sem violência ou grave ameaça.

No caso de adolescentes, sugere a aplicação preferencial de medidas socioeducativas em meio aberto e revisão das decisões que determinam internação provisória. 

A iniciativa foi tomada levando em conta a epidemia do novo coronavírus e busca proteger a saúde dos presos e demais agentes públicos do sistema prisional, em especial daqueles que se enquadram no grupo de risco, como idosos, gestantes e pessoas com problemas respiratórios.

Isso porque a superlotação, somada aos espaços sem ventilação e às péssimas condições sanitárias, torna mais fácil o avanço da Covid-19 nas unidades prisionais. Um estudo do Depen, por exemplo, mostrou que a falta de condições básicas de alimentação, higiene, assim como a baixa testagem, está impulsionando o número de casos de coronavírus na prisão. Para além disso, aponta o levantamento, a letalidade nas unidades prisionais já é cinco vezes maior quando comparada com a população que se encontra livre. 

Nas decisões, o desembargador do TJ-SP critica a medida. "O Conselho Nacional de Justiça não tem mínima atribuição jurisdicional de impor comando decisório, sabido que seus atos — na grande maioria das vezes — que pretendem vincular a atuação dos juízes, extrapolam seus limites de atuação, nem mesmo sob rubrica de 'recomendação', eufemismo que sugere temor reverencial inadequado que nunca pode suplantar a lei e a livre convicção do juiz", diz

O magistrado também comemorou o fato de o Supremo Tribunal Federal ter derrubado decisão do ministro Marco Aurélio que conclamou juízes a analisarem a possibilidade de concessão de domiciliares a pessoas que fazem parte do grupo de risco caso contraiam o novo coronavírus. 

"A decisão monocrática, lançada na Tutela Provisória Incidental na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 foi — felizmente — revogada pelo Plenário do STF", afirma. 

3%
As negativas de Zorzi estão em conformidade com uma tendência da magistratura paulista. Segundo levantamento feito pela Defensoria Pública de SP, entre março e junho deste ano, apenas 3% dos pedidos de soltura com base na orientação do CNJ foram deferidos. 

Dos 25,8 mil solicitações feitas desde que a recomendação foi editada, em 17 de março, 756 presos tiveram alvará de soltura expedido. A maior parte dos casos envolve prisões preventivas. 

Uma das dificuldades enfrentadas por advogados e defensores é comprovar que seus assistidos fazem parte do grupo de risco, estando, assim, aptos a terem alvará de soltura expedido ou domiciliar decretada.

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2088863-97.2020.8.26.0000

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