Opinião

Decisão do TJ do Rio de Janeiro sobre prerrogativa de foro é incoerente

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7 de julho de 2020, 13h12

O conceito básico de foro privilegiado, ou, como a doutrina prefere chamar, prerrogativa de foro, é o direito que um rol de legitimados tem para serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal nos casos infração penal comum durante o exercício/mandato do cargo. Os legitimados estão dispostos no artigo 102 da CF, mas vamos atentar nosso foco para os membros do Congresso Nacional. A prerrogativa de foro é irrenunciável porque não é um direito da pessoa, mas, como o nome diz, é uma prerrogativa do cargo de membro do Congresso.

Como exemplo prático vamos usar o atual caso do senador Flavio Bolsonaro, que é investigado por ter cometido supostos crimes enquanto deputado estadual. Nesse caso, a prerrogativa seria para o julgamento perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, porém, a inclusão dele na investigação se deu agora em que ele é senador e, por isso, detém a prerrogativa para ser julgado perante o STF.

A discussão é a seguinte: vamos supor que de fato tenha ocorrido o crime enquanto ele era deputado estadual. Por agora ser senador, ele deve ser julgado pelo STF ou pelo TJ? Segundo o Tribunal de Justiça do Rio, ele deve ser julgado pelo STF, conforme decisão proferida.

Contudo, temos a seguinte situação: o atual entendimento da corte, consolidado na Ação Penal 937, nos diz que, para que haja a prerrogativa de foro, o crime deve ser cometido durante o mandato do membro do Congresso Nacional e que após o final da instrução processual, mesmo que o deputado ou senador venha a renunciar ao cargo ou tenha acabado o mandato, a competência ainda será do STF.

A jurisprudência consolidada pela Corte Suprema, infelizmente, não é totalmente confiável, já que tivemos diversas reviravoltas jurisprudenciais. Em um primeiro momento, tem-se a AP 333, em que determinado deputado federal era investigado pelo crime de homicídio qualificado contra ex-governador da Paraíba. Quando oferecida a denúncia, por ser na época governador do Estado, a denúncia foi encaminhada ao STJ, em conformidade com o artigo 105, I, "a", da Carta Magna; em momento seguinte, por vir a se tornar membro do Congresso Nacional, o processo foi encaminhado para a Corte Suprema e, em seguida, por ter renunciado a seu mandato poucos dias antes do julgamento, os autos foram remetidos ao Juízo Criminal de João Pessoa, caso esse que ficou conhecido como o "caso Gulliver".

Ressalte-se que diversas outras viradas de entendimento já aconteceram, inclusive sobre esse mesmo tema "caso Gulliver", por ter o deputado renunciado poucos dias antes. Em outro momento, o STF adotou como entendimento que, nesse tipo de situação, se constatada a finalidade de obstrução do inquérito e do julgamento, a competência ainda seria do STF, mesmo este não portando mais a prerrogativa de foro.

Com base no atual entendimento da corte sobre o tema, até que haja nova reviravolta, para os crimes cometidos anteriormente ao mandato federal, no caso de deputado estadual, a competência para julgar é do TJ, e, após o mandato, caso não seja reeleito, e não tenha mais nenhuma prerrogativa, o juízo deve ser de primeiro grau.

Em consonância com a atual interpretação da Corte Suprema, tem-se outro julgado do STF, além da AP 937, no Inquérito 3.026, em que um deputado federal era investigado por crime cometido enquanto era vereador, por isso o processo foi declinado para o juízo de primeiro grau. O STJ também já concedeu o mesmo entendimento na AP 866/2018, em que determinado governador teria cometido crime de responsabilidade enquanto prefeito, por isso, os autos foram remetidos ao juízo de primeiro grau.

Assim sendo, constata-se a desconformidade da decisão do TJ-RJ em relação ao entendimento do STF, que deveria servir de guia para a referida decisão.

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