Opinião

Publicidade institucional: vedação eleitoral e nuances permissivas

Autor

  • Pedro Rezende de Magalhães

    é advogado especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC Minas (pós-graduação lato sensu) coautor da obra Direito Ambiental em Desenvolvimento (Editora D'Plácido) e ex-procurador-geral da Câmara Municipal de Guaxupé (MG) no biênio 2019-2020.

6 de julho de 2020, 13h14

Recentemente, à luz da pandemia provocada pelo SARS-Cov-2 e das discussões acerca da operacionalização das eleições de 2020, a realidade dos órgãos públicos municipais tem evidenciado compreensível preocupação com a questão da publicidade institucional no período defeso, ou seja, nos três meses de antecedência do pleito, vedação capitulada no artigo 73, VI, "b", da Lei nº 9.504/97 [1].

É considerável — e até há pouco crescente o número de municípios que vinham submetendo, por intermédio de suas procuradorias, pedidos à Justiça Eleitoral pleiteando, por exemplo, autorização para que pudessem realizar campanhas de combate e prevenção à Covid-19 [2] e até mesmo divulgar os boletins epidemiológicos elaborados por suas respectivas autoridades sanitárias nas redes sociais oficiais, como Facebook, Instagram e Twitter, como noticiado pela ConJur aqui e aqui.

À primeira vista, tal fato pode causar estranheza. Ora, se a saúde é dever do Estado, que a promoverá mediante políticas que visem à redução do risco de doença e outros agravos (artigo 196, CFRB), seria mesmo necessária permissão para que o agente público levasse a cabo aquilo que a Constituição já lhe comanda, ainda que em época eleitoral?

No entanto, sói ocorrer que os gestores e seus órgãos de controle, ao se depararem com a jurisprudência dominante do Tribunal Superior Eleitoral no tocante, por precaução, geralmente acabem por optar entre dois caminhos: suspender drasticamente sua comunicação institucional em sítios oficiais próprios, lançando mão apenas do Diário Oficial e/ou da imprensa local; ou aumentar o número de suas demandas junto à jurisdição especializada, consubstanciadas em requerimentos de reconhecimento prévio da exceção de ato não vedado.

Com todo respeito e no fomento ao debate construtivo, talvez nenhuma das duas vias seja a mais apropriada.

Certamente, quem nada faz somente pode ser acusado de nada fazer. Ocorre que, não se deve olvidar, a depender do caso mormente no âmbito da Administração Pública —, a omissão tem o condão de ensejar responsabilização, razão pela qual o primeiro caminho pode se revelar, futuramente, sério revés ao gestor. Além disso, indene de dúvidas que a proibição em questão, por ter o escopo de garantir a igualdade entre os candidatos ao coibir o uso da máquina pública em benefício dos mandatários, relaciona-se precipuamente com o patrocínio da publicidade pelo erário. Assim, mesmo que o Diário Oficial não gere despesa extraordinária aos cofres, decerto a veiculação na imprensa o fará [3]. Ou seja, cambia-se o meio, mas o fim indesejado continua assente.

Por sua vez, a judicialização da questão mediante protestos autorizativos muito embora perfeitamente aplicáveis à espécie é remédio que, se mal ministrado, torna-se atraente abrigo à indolência. Inobstante, em última análise, pode ainda se mostrar deveras ineficiente, posto que um deu seus efeitos imediatos, inelutavelmente, é a sobrecarga do Poder Judiciário, que também se vê refém de toda sorte de restrições impostas pelo atual cenário de calamidade pública, aí somado o fato de que o número de candidatos nas disputas municipais é significativamente maior que nas demais e, ipso facto, também o é o encargo fiscalizatório dos responsáveis.

Entrementes, o ponto fulcral, ao que parece, é que existe certa confusão semântica entre o que a doutrina considera ato da administração e ato administrativo propriamente dito. Dessarte, nunca é demais recobrar que a restrição em tela recai sobre àquele, ao passo que, sobre este, o próprio TSE assentou que sua publicação não caracteriza publicidade institucional [4].

Bandeira de Mello, com seu brilhantismo ímpar, recorda que "(…) a noção de ato administrativo não deve depender, isto é, não deve ser tributária, da noção de Administração Pública (…) porque, de um lado, nem todo ato da Administração é ato administrativo e, de outro lado, nem todo ato administrativo provém da Administração Pública" [5]. É dele também a preciosa lição no sentido de que os atos políticos ou de governo, bem como os atos materiais, estão abrangidos pelo conceito de atos da administração (gênero do qual são espécies), os quais, estes, sim, se qualificam como os reais e subsumíveis objetos do tipo in comento. Nessa ordem de ideias, contrario sensu, os atos administrativos per se seriam aqueles tipicamente formais, tais como os contratos, regulamentos, editais, informes públicos de utilidade social etc.

Portanto, note-se que a legislação veda a "(…) publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas (atos de governo ou atos materiais em sentido amplo) dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta (Administração Pública) (…)", visto que são estes os que detém potencial propagandístico, de interesse ao marketing eleitoral, e que, consequentemente, em prol da coesão eleitoral, somente se justificam em hipóteses excepcionais.

Em outras palavras, considerando os desdobramentos lógicos do raciocínio acima exposto, é dizer que a alínea "b", inciso VI, artigo 73 da Lei da Eleições veda a publicidade dos atos da administração, mas não de atos administrativos propriamente ditos, cuja publicidade é da própria substância da coisa, verdadeiro imperativo de sua essencialidade, porquanto medida de ordem a conferir-lhes validade e eficácia. Afinal, a administração da coisa pública e a realização das eleições (campanha eleitoral idem) são realidades concomitantes, de coexistência obrigatória no plano fático-jurídico, de modo que uma jamais deve demandar, pela própria obviedade da assertiva, a paralisação ainda que virtual da outra.

Sendo assim, em que pese a notável maioria de decisões militando por acepções opostas, não sê vê razão para que a construção jurisprudencial não seja informada também pela ótica ora esposada e, quem sabe, que tais considerações possam servir inclusive de reforço argumentativo às reflexões dos gestores públicos bem-intencionados.

 


[1] "Artigo 73  São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

VI – nos três meses que antecedem o pleito:

(…)

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral".

[2] No tocante, agiu bem o legislador ao incluir a pacificação da questão no texto da PEC 18/2020, dissipando assim todas as possíveis incongruências interpretativas supervenientes.

[3] Segundo prudente recordação de Frederico Franco Alvim, citando Karl Loewenstein, na ordem social capitalista: "(…) los medios de comunicación se consideran como un dominio legítimo de la economia privada; las empresas privadas buscan, en primera línea, obtener beneficios económicos y, sólo en segundo lugar, llevar a cabo un servicio a la comunidad, o, en el mejor de los casos, camuflan su deseo de obtener beneficios em forma de 'servicio público'" (cf. Abuso de poder nas competições eleitorais, p. 229).

[4] Cf. Agravo Regimental no Recurso Eleitoral nº 25.748/SP (DJ – Diário de justiça, Data 30/11/2006, Página 96).

[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 34ª ed. Pg. 393. São Paulo: Malheiros, 2019.

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