Justiça Tributária

Não podemos aceitar nova tributação sobre operações financeiras

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

6 de julho de 2020, 8h02

"O direito à saúde, assegurado a todos os cidadãos pela Constituição, pode e deve ser financiado pelos  impostos já existentes. A criação de novo tributo para isso acabaria de vez com a nossa economia" ("Justiça Tributária", Ed. Outras Palavras, 2014, Página 101).

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Notícia deste sábado (4/7), veiculada pelo repórter Bernardo Caram, na Folha de São Paulo, informa que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende promover a volta de um imposto sobre transações financeiras, similar à CPMF.

Essa ideia vem sendo defendida por outros setores do serviço público. Segundo a mesma notícia, o presidente Jair Bolsonaro é contra, o que teria sido a razão da demissão do então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, em setembro do ano passado. Como se vê, o presidente acerta em alguma coisa…

A tão esperada reforma tributária ainda está no Congresso, onde as questões dessa natureza devem ser discutidas. Como já registramos neste espaço, não nos parece razoável que o Brasil possa suportar uma carga tributária além de quase 40% sobre o PIB, que já é aproximadamente o que pagamos.

Mesmo que o destino da cobrança seja suportar a relevante queda de arrecadação e gerar recursos necessários para os programas de saúde e demais necessidades do Tesouro Nacional, devemos recusar a criação de novo tributo.

Por outro lado, há um imposto que em tese pode gerar novos recursos, Em 8 de junho, com o título "A Constituição, o imposto sobre grandes fortunas e a reforma tributária", apontamos para esse imposto, já previsto no artigo 153 da Constituição, cuja regulamentação pode ser feita com boas possibilidades de geração de recursos e sem viabilizar incidências múltiplas ou em cascata.

Examinando-se o artigo 153 da Constituição, verificamos que os impostos de competência da União assim estão especificados.

"Artigo 153  Compete à União instituir impostos sobre:

I importação de produtos estrangeiros;

II exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III renda e proventos de qualquer natureza;

IV produtos industrializados;

V operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou      valores mobiliários;

VI propriedade territorial rural;

VII grandes fortunas, nos termos de lei complementar".

Logo após a aprovação do texto constitucional, ocorreu manifestação de algumas entidades sindicais, inclusive a CUT (Central Única dos Trabalhadores), propondo que toda a arrecadação desse imposto ficasse vinculada ao financiamento da saúde. Estudiosos do assunto, porém, lembraram que os impostos são tributos que devem servir para atender a todas as necessidades do erário.

Veja-se que o artigo 16 do Código Tributário Nacional é muito claro:

"Artigo 16  Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte".

Portanto, o imposto (qualquer ele) deve ser utilizado no interesse dos contribuintes, sim, mas não de forma específica ou vinculada.

Por sua vez, o conceito de taxa é que alcança o tributo criado para remunerar um serviço prestado ou colocado à disposição do contribuinte. Veja-se o artigo 77do CTN:

"Artigo 77  As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas".

Uma das razões pelas quais o imposto sobre grandes fortunas não teria ainda sido regulamentado seria, como alguns dizem, a possibilidade de que grandes fortunas fossem desviadas para outros países. Contudo, isso já existe na prática, pois valores expressivos são depositados em instituições financeiras no exterior, especialmente quando sua origem é de origem duvidosa.

As chamadas "grandes fortunas" podem ser em bens de qualquer espécie. Certamente não podem ser desviadas as propriedades imóveis. O dono da grande fazenda em determinado local, do belo apartamento em aprazível local, pode mudar sua titularidade no Registro de Imóveis, mas não fisicamente desaparecer com o seu bem.

Uma tributação sobre as operações financeiras provavelmente seria mais fácil. Mas o artigo 153, inciso V, acima citado já prevê o imposto sobre "operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários". Assim, pretender cobrar outro imposto seria bastante discutível, para dizermos o mínimo. Nova incidência causaria um custo maior e o resultado seria, certamente, a procura por mecanismos que viabilizassem a ocultação da incidência.

Em síntese: o Brasil não aguenta mais pagar tanto imposto. O governo que corte seus gastos, que promova a venda de ativos, que reduza os gastos com servidores etc. O que precisamos é de centrar o foco na reforma tributária. A de que necessitamos tem de atingir três objetivos fundamentais: redução da carga tributária, redução da burocracia fiscal e segurança jurídica. Sem tudo isso não alcançaremos Justiça Tributária.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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