ANIMUS DEFENDENDI

Infraero não viola direitos ao combater ex-servidora advogada em peça processual

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6 de julho de 2020, 16h50

Para que o ato do advogado gere o dever de indenizar, é exigível a configuração de erro grave e inescusável ou conduta enquadrável como calúnia ou desacato — artigos 138 e 331 do Código Penal. Ou, ainda, excesso que ultrapasse os limites da discussão da causa e da defesa dos direitos do constituinte, como o uso de expressões exageradas e ofensivas, dissociadas da controvérsia jurídica.

Com a prevalência deste fundamento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou apelação à advogada Adriana Aparecida Lopes de Souza, que queria danos morais por se sentir ofendida nas peças de defesa em resposta a reclamatórias trabalhistas movidas contra a Infraero, sua ex-empregadora. Ela vinha atuando nos processos, defendendo ex-servidores da estatal, por meio do sócio de seu escritório.

A desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, que redigiu o acórdão por ser o voto vencedor neste julgamento, lembrou que o advogado goza de imunidade por atos e manifestações no exercício da profissão, como reza o artigo 133 da Constituição. E que esta inviolabilidade alcança também o advogado público – no caso, os procuradores da estatal, que subscreveram a peça reputada como ofensiva.

Além da previsão constitucional, Vivian citou a regra prescrita no artigo 28 do Decreto-Lei 4.657/1942, na redação dada pela Lei 13.655/2018: "O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro."

Como a pá de cal, citou precedente do Supremo Tribunal Federal. Registra, no ponto, a ementa do acórdão do HC 98.237/SP: "Os atos praticados pelo Advogado no patrocínio técnico da causa, respeitados os limites deontológicos que regem a sua atuação como profissional do Direito e que guardem relação de estrita pertinência com o objeto do litígio, ainda que expressem críticas duras, veementes e severas, mesmo se dirigidas ao Magistrado, não podem ser qualificados como transgressões ao patrimônio moral de qualquer dos sujeitos processuais, eis que o animus defendendi importa em descaracterização do elemento subjetivo inerente aos crimes contra a honra".

O acórdão do TRF-4 foi lavrado na sessão telepresencial do dia 24 de junho, por maioria, concluindo o julgamento da apelação que começou na sessão de julgamento ordinária de 30 de outubro de 2019.

Informações privilegiadas
A autora, que agora patrocina ações trabalhistas contra a Infraero, onde trabalhou por 13 anos, alegou que foi atacada na sua honra pelo teor das peças de defesa e nas petições de contestação de reclamatórias que tramitam na Justiça do Trabalho do Paraná. Nestas, os advogados da Infraero "criaram propositalmente" um capítulo específico — denominado "Do impedimento" — para arguir a suspensão da ex-servidora, por motivos éticos. É que Adriana, além dos cargos de confiança, atuava como preposta da Infraero em demandas trabalhistas. Logo, detinha informações estratégicas da empresa.

Adriana disse que foi acusada de promover a captação irregular de clientela — ex-servidores da estatal, potenciais clientes para ações reclamatórias —, uso de informações e documentos sigilosos, de acesso contínuo a pessoas e instalações da ex-empregadora, dentre outras. Sustentou que os ataques à sua honra perduraram até o ano de 2014, quando o assunto chegou a ser debatido em audiência pública trabalhista. Por fim, afirmou que a ré ingressou com representação disciplinar junto à OAB local, arguindo questões éticas.

Mero aborrecimento
A juíza Ana Carolina Morozowski, da 3ª Vara Federal de Curitiba, julgou improcedente a ação indenizatória por responsabilidade civil. A seu ver, o aborrecimento e a irritação com tal situação não são suficientes para evidenciar a violação de direitos de personalidade assegurados no artigo 5º, inciso X, da Constituição (honra, imagem e intimidade).

"A parte autora não comprovou o abalo sofrido, na medida em que a Infraero apresentou defesa nas reclamatórias trabalhistas, pontuando as divergências que entendia naqueles casos. Dessarte, não cabe indenização a título de dano moral. Ante o exposto, julgo improcedente o pedido nos termos do art. 487, I, do CPC", anotou na sucinta sentença.

Manifestação padronizada da Infraero
Os autos do processo trazem excerto da manifestação da Infraero inserida em vários processos trabalhista onde figura como parte ré. A manifestação era padronizada, segundo a autora. Confira, ipsis literis:

"D – Do impedimento do procurador do autor.

"Cabe explicitar que o procurador da autora tenta mascarar a atuação de ex-empregada da Infraero, a Dra. Adriana Aparecida Lopes de Souza, OAB/PR 49.044. A referida advogada e o procurador da autora são sócios em um escritório localizado em São José dos Pinhais [região metropolitana de Curitiba], conforme demonstra os documentos em anexo, ambos possuem o mesmo endereço comercial, nas folhas utilizadas em petição com o pedido idêntico ao do presente caso, formulado pela Sra. Adriana, a mesma utiliza folha com a nomenclatura do escritório, qual seja, ‘Malucelli & Lopes Advogados’, ou seja, resta claro que os advogados associados são o procurador da autora, Leandro Luiz Salgado Malucelli, e a Sra. Adriana Aparecida Lopes de Souza.

"Desta forma tem-se por incabível a atuação de referido procurador, considerando a intenção de esconder a atuação da ex-empregada da Infraero.

"A Sra. Adriana Aparecida Lopes de Souza foi admitida em 02AGO2000, exerceu inúmeros cargos de confiança, entre os quais Coordenadora de Recursos Humanos, Gerente de Administração e Finanças (ainda que temporariamente), além de representar judicialmente a empresa, na condição de preposta, em demandas trabalhistas. Além disso, foi designada para executar procedimentos inerentes à tramitação, arquivo, pesquisa, guarda e desfazimento de documentos e materiais sigilosos no âmbito do Aeroporto Internacional Afonso Pena – SBCT, consoante Atos Administrativos nºs 103/SBCT/2011 e 40/SBCT/2012.

"No dia 30MAR2013, a referida profissional pediu demissão e, nem passados três meses de seu desligamento, passou a patrocinar causas de funcionários de sua ex-empregadora.

"Desta forma, tem-se por impedida a advogada de continuar a patrocinar demandas trabalhistas contra a Infraero, sendo que a mesma, ainda, possui livre acesso às dependências da Infraero no Aeroporto.

"A despeito de receber informações privilegiadas, por conta da função exercida na Infraero, a advogada, logo após sua saída da empresa, passou a patrocinar diversas demandas trabalhistas contra esta, o que caracteriza de forma potencial, senão manifesta, violação ao sigilo imposto pelo CED [Código de Ética e Disciplina] e ao EAOAB [Estatuto da Advocacia], seja em relação a segredos seja a potencial captação privilegiada de clientela.

"Torna-se imperiosa que a mesma encontra-se impedida de patrocinar causas trabalhistas contra a sua ex-empregadora, Infraero, tendo-se em vista a nulidade dos atos por ela praticados na presente demanda.

(…)

"Desta forma, requer seja a profissional impedida de patrocinar a presente demanda, ainda que por interposta pessoa, como faz no presente caso, ao valer-se de seu sócio, considerando que o faz contra sua ex-empregadora, declarando seu impedimento".

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5018122-80.2017.4.04.7000/PR

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