Opinião

Sentenças parciais são uma ferramenta da qual o Judiciário não pode abrir mão

Autores

  • Francisco de Assis Barbosa Junior

    é juiz do Trabalho do TRT da 13ª Região pós-graduado em Direito do Trabalho mestre em História pela UFCG doutor em Direito pela Universidade do Minho — Portugal professor de graduação da Unifacisa e de pós-graduação do Unipe da Esmat 13 e da Unifacisa e autor de artigos capítulos e livros como "Gig Economy e Contrato de Emprego" "Contrato de Teletrabalho" e "Teletrabalho Transnacional: Normatização e Jurisdição".

  • George Falcão Coelho Paiva

    é juiz do Trabalho e especialista em Direito Processual Civil.

  • André Machado Cavalcanti

    é juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB) membro da Comissão LGBTQIAP+ da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) membro do Comitê Gestor da Equidade de Gênero Raça e Diversidade do TRT da 13ª Região e diretor de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região (PB).

5 de julho de 2020, 11h16

O andamento processual no âmbito da Justiça do Trabalho (assim como nos demais ramos judiciais) restou prejudicado em decorrência da calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19, reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 06/20. No esteio dessa norma houve a edição de diversos atos administrativos, a exemplo do Ato CGJT nº 11/2020, o qual regulamentou, entre outras coisas, a suspensão de prazos e atos processuais.

Mostrou-se naturalmente correto o procedimento da Corregedoria-Geral do Judiciário laboral no particular, pois as dificuldades impostas à correta tramitação dos autos são amplas e se espraiam por todas as suas fases, indo da citação inicial (por conta da restrição dos serviços prestados pelos Correios e oficiais de Justiça) até atos executórios constritivos, incidindo também na realização de audiências e, por consequência, a produção de provas orais. Nesse contexto, a marcha processual teve o seu ritmo reduzido, em prejuízo do princípio constitucional da duração razoável do processo estatuído no artigo 5º, LXXVIII, da Carta Magna, e assim devendo permanecer até a retomada das atividades presenciais, o que possivelmente não ocorrerá em curto prazo de tempo.

Este cenário acabou sendo também influenciado por meio de decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, relator na Ação Declaratória de Constitucionalidade 58, que determinou a suspensão de todos os processos em que se discutem aplicação de TR ou IPCA em débitos trabalhistas. In verbis: "a suspensão do julgamento de todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação dos artigos 879, §7º, e 899, §4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, e o artigo 39, caput e §1º, da Lei 8.177/91".

Não restam dúvidas quanto à ótima fundamentação da respeitável decisão em análise, contudo, na prática, considerando que um percentual altíssimo de processos trabalhistas contempla discussões sobre o tema, poderá ela ensejar a suspensão de seus trâmites num momento no qual a atividade judiciária já se encontra, como dito, bastante afetada.

Se havia julgamentos represados em decorrência da pandemia, a tendência é que, com a decisão sob estudo, tal represamento aumente.

Julgamento parcial no Processo do Trabalho
No contexto acima descrito, uma tentativa de solução para os problemas com os quais nos deparamos atualmente seria, em contraposição ao princípio da unicidade do julgamento vigorante no CPC de 1973 (e a necessidade de que a sentença fosse proferida em único ato), o uso mais corriqueiro das sentenças parciais de mérito (o chamado "fracionamento de mérito"), instituto jurídico trazido pelo artigo 356 do Código de Processo Civil atual, segundo o qual "o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I
mostrar-se incontroverso; II estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 355".

O referido artigo 355 do CPC traz justamente as hipóteses em que se poderão realizar julgamentos antecipados dos pedidos, quando "não houver necessidade de produção de outras provas" (inciso I) e quando o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no artigo 344 (presunção de veracidade das alegações de fato formuladas pelo autor) e não houver requerimento de prova, na forma do artigo 349 (que, por sua vez, prevê que "ao réu revel será lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção".

A priori, não constatamos qualquer impedimento legal para a utilização plena desse julgamento parcial no Processo do Trabalho, sendo ela, em sentido oposto, até mesmo recomendável.

O caminho ora exposto parte inicialmente dos termos autorizadores impostos no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), in verbis: "Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título".

No dispositivo transcrito encontram-se consignados dois requisitos para a adoção de institutos processuais civis no universo instrumental laboral, quais sejam: haver silêncio na sistemática processual trabalhista quanto a um instituto e este não ser contrário aos seus princípios.

Pois bem. Inexiste qualquer norma processual trabalhista versando sobre o julgamento parcial de mérito, seja prevendo-o, seja afastando-o, não havendo, dessa arte, qualquer obstáculo para a aplicação do instituto no processo do trabalho em razão de suposta ausência de omissão da CLT ou de legislação extravagante aplicável.

Já acerca do respeito aos princípios do Processo do Trabalho, temos essa exigência igualmente satisfeita no particular, pois as normas em estudo vêm diretamente ao encontro daqueles, notadamente em relação à celeridade na prestação jurisdicional garantidora do bem da vida, em consonância com o já citado princípio constitucional da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII, da CF).

A práxis dos feitos trabalhistas foge à regra dos ajuizados nos demais ramos judiciais pátrios quanto aos seus objetos, pois, diferentemente do que ocorre nestes, a cumulação de pedidos apresenta-se como regra nas ações submetidas à apreciação da Justiça do Trabalho. Não raro no bojo de uma única ação laboral há mais de 30 pedidos distintos, demandando naturalmente cada um deles alguma instrução probatória.

As provas a serem produzidas muitas vezes apresentam-se de forma completamente díspares, mesmo nos feitos onde há menos pedidos, alguns deles demandando, por exemplo, realização de perícias judiciais para aferição da ocorrência, ou não, de um acidente de trabalho ou de labor insalubre, a oitiva de uma testemunha por carta precatória ou outras diligências judiciais. Tais procedimentos demandam tempo, o qual impacta na resolução final da lide.

Por outro lado, pleitos há cujas provas respectivas encerram-se com as próprias documentações juntadas com a inicial e contestação, não necessitando, para o seu julgamento, de qualquer outra, seja de caráter documental, seja oral. No caso, estes pedidos poderiam ser julgados imediatamente, sem necessidade de qualquer dilação probatória. Impor à parte autora a espera pela dilação probatória necessária para outros pedidos soa, no mínimo, como uma mácula ao princípio da celeridade processual, indo de encontro à demanda por rápida solução quando da discussão judicial sobre verbas de natureza alimentar, característica inerente direta ou indiretamente a praticamente todos os títulos vindicados no universo do trabalho.

Não à toa, o TST, por meio da Instrução Normativa 39/2016, admitiu, em seu artigo 5º, a compatibilidade dos julgamentos parciais de mérito com o Processo do Trabalho, desde que promovidas as adequações necessárias. Segundo o indigitado artigo 5º, "aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do artigo 356, §§ 1º a 4º, do CPC que regem o julgamento antecipado parcial de mérito, cabendo recurso ordinário de imediato da sentença".

Em síntese, estariam aptas ao julgamento parcial de mérito as questões "maduras" para julgamento ou seja, aquelas onde não se demanda produção de provas além daquelas já constantes dos autos e os casos de revelia e confissão, desde que não haja requerimento de prova por parte do réu.

Não podemos olvidar, todavia, as dificuldades que eventuais sentenças parciais de mérito podem trazer ao processo, a exemplo das discussões sobre eventual desorganização do processo, ocasionada pelo fato de que o julgamento parcial de mérito ensejaria possível duplicidade de recursos e execuções relacionadas a cada parte dos itens julgados, vale dizer, poderia haver um recurso imediato da parte julgada inicialmente e um posterior atacando a sentença dos pontos que demandaram instrução maior, repetindo-se a mesma lógica na execução. Tais fatos trariam, em vez de uma maior celeridade, entraves capazes de retardar a rápida resolução da lide.

Não obstante, não vislumbramos a existência desses entraves para a organização e celeridade processuais. Com exceção dos mais antigos, não há mais autos físicos da Justiça do Trabalho, pois o processo eletrônico é hoje adotado por 100% dos tribunais trabalhistas pátrios. Dentro desse formato digital não há absolutamente nenhum entrave técnico ou burocrático para se replicar os autos, criando-se, por exemplo, um novo tombamento processual para a parte não julgada imediatamente, o qual poderia ter, inclusive, o mesmo número que o original, diferindo deste apenas pelo dígito identificador.

A duplicação dos autos proposta afastaria qualquer tumulto processual, pois ambos correriam em apartado, a partir do primeiro julgamento (parcial) proferido, ficando cada um deles com todas as peças processuais produzidas até aquele momento, de forma duplicada, e, a partir de então, sendo instrumentalizados com peças pertinentes às respectivas fases de tramitação.

Assim se procedendo, ter-se-iam autos escorreitos e aptos para corretamente seguir e serem decididos com aplicação plena do princípio da celeridade processual, especialmente porque haveria a prestação jurisdicional bem mais rápida quanto aos itens que não demandariam mais provas, os quais estariam fadados a aguardar desnecessariamente uma produção probatória alheia aos seus objetos para só então haver sua sentença, isso na hipótese de não adoção do julgamento parcial.

Acerca dos processos físicos ainda existentes, destacamos que, caso eventual decisão apartada possa causar algum tumulto ao bom andamento processual, com consequente mácula à celeridade buscada, o próprio juiz condutor dos autos pode optar pela não adoção do julgamento parcial em referência, preservando, assim, aquele princípio.

Ressalte-se que a não adoção desse procedimento pode, na realidade, ter lugar em qualquer feito, seja ele eletrônico ou não, pois consubstancia-se ela numa opção do magistrado, sendo certo que a prudência judicial deverá reinar no caso concreto quando da opção de uso, ou não, do instituto em estudo em qualquer hipótese, tudo consoante preceito contido no artigo 765 da CLT que atribui ao magistrado a presidência do processo.

Liminar na Ação Declaratória de Constitucionalidade 58
A discussão sobre a aplicação de TR ou IPCA em débitos trabalhistas é meramente acessória, inexistindo, por conseguinte, maiores dificuldades quanto ao uso do instituto das sentenças parciais acima exposto.

No caso, julgar-se-iam as questões de mérito do processo, pois este já estaria maduro em face das provas já produzidas, ficando para momento posterior o enfrentamento da forma de atualização dos débitos, qual seja, o da liquidação da sentença, nos moldes do artigo 879 da CLT.

A adoção deste procedimento no particular vem plenamente ao encontro do princípio da celeridade processual, evitando qualquer atraso desnecessário no trâmite dos autos em face da douta decisão do ministro Gilmar Mendes, e tornando-os, inclusive, passíveis de execução parcial quanto ao débito principal até que o Supremo Tribunal Federal decida definitivamente sobre qual índice de atualização deve ser utilizado pela Justiça do Trabalho.

Considerações finais
É fato que o uso das sentenças parciais de mérito demandará atenção especial nos processos por parte de advogados, juízes e servidores. Todavia, especialmente no momento pelo qual passamos, não poderá o Judiciário abrir mão dessa tão útil ferramenta.

Pontue-se que a moderna processualística demanda que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva", consoante dispõe o artigo 6º do CPC, de inequívoca aplicação, no particular, no processo do trabalho, seja em função do artigo 769 da CLT, seja em decorrência dos artigos 8º e 15 do digesto processual civil.

Em arremate, pondera-se que situações de crise, como a atualmente vivenciada, têm o condão de nos impelir a adotar soluções inovadoras e, por vezes, revolucionárias, sendo o momento certo para quebrar paradigmas e romper com tradições que, em maior ou menor medida, não colaboram para uma prestação jurisdicional mais célere, justa e efetiva, em atenção ao objetivo fundamental de que trata o artigo 3º, I, da Constituição da República.

Assim, caberia ao julgador valer-se de todos os instrumentos processuais que lhe foram disponibilizados pela legislação em vigor para equacionar os litígios postos à sua apreciação, desde que respeitados os princípios consubstanciados na Carta Magna e na legislação processual, entre os quais o da isonomia (artigos 5º, caput, da CF, e 7º do CPC), o que nos afigura plenamente concretizado com a solução que se sugere.

 

Referências bibliográficas
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452/1943. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 29/6/2020.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105/2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 29/6/2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acesso em <http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=446480>. Acesso em 1º/7°/2020

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em < http://www.tst.jus.br/documents/10157/63416/Ato+CGJT+11-2020.pdf/5f1f5520-c2d0-38e8-79ef-aa3c7e1f18db?t=1587684511843>. Acesso em 1º/7/2020.

Autores

  • é juiz do Trabalho do TRT da 13ª Região, pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Potiguar, mestre em História pela Universidade Federal de Campina Grande (PB), doutor em Direito pela Universidade do Minho (Portugal), professor do curso de Direito da UNIFACISA, professor de Pós-Graduação do UNIPE, da ESMAT 13 e da UNIFACISA, autor de artigos, capítulos de livros e de livros como Gig Economy e Contrato de Emprego, Contrato de Teletrabalho e Teletrabalho Transnacional: Normatização e Jurisdição.

  • é juiz do Trabalho e especialista em Direito Processual Civil.

  • é juiz do Trabalho, especialista em Direito do Trabalho e membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (PTS) do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).

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