Opinião

PSA: Quem está disposto a pagar o preço da preservação ambiental?

Autor

  • Fabio Monteiro Ferreira

    é advogado sócio no escritório Ferraz Advogados Associados especialista em Direito Ambiental (UFPR) e mestrando em Políticas Públicas Estado e Desenvolvimento (UniCeub).

3 de julho de 2020, 18h51

A lógica na nossa legislação ambiental se assemelha à que é utilizada no Direito Penal a lei determina o que não pode ser feito, e, caso haja transgressão dessa norma, pune-se o infrator. A inovação do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) reside na inversão dessa lógica, uma vez que troca-se o viés punitivo da norma pelo estímulo positivo à proteção ambiental.

Os serviços ambientais são aqueles prestados pela natureza, por meio de seus ecossistemas, que acabam beneficiando a sociedade. É o caso de determinada vegetação que gera oxigênio, de uma planta que purifica a água e auxilia no controle da poluição de um rio, de uma abelha que poliniza uma lavoura ou de uma floresta que regula o clima.

O PSA, dessa forma, é a recompensa econômica a quem conserva ou recupera a natureza, em área capaz de fornecer serviços ambientais. É compensar aquele que mantenha sua floresta em pé, adote práticas responsáveis de manejo florestal, realize sequestro de carbono, recupere recursos hídricos ou mitigue as mudanças climáticas. Esse sujeito recompensado pode ser pessoa jurídica, produtor rural, índio, membro de comunidade tradicional, enfim, qualquer um, uma vez que o benefício ambiental não distingue quem o promoveu.

No Brasil já existem alguns exemplos regionais de como o PSA pode funcionar, como o Projeto Reflorestar, no Espírito Santo, e o programa Conservador das Águas, em Minas Gerais. O desafio do parlamento agora é promulgar uma lei que forneça as balizas jurídicas necessárias para que programas possam ser implementados em todo o país, sem excesso de custos ou de burocracia.

Independentemente dos detalhes da lei que venha a ser aprovada, a maior dificuldade do PSA é sua fonte de custeio. Afinal, compensar economicamente quem promove serviços ambientais atrai o debate de onde sairá esse dinheiro. Não basta criar um fundo, há que se pensar em como esse fundo será abastecido.

Ventila-se a ideia de, para arcar com o PSA, utilizar-se de fundo abastecido pelo pagamento de multas ambientais. Apesar do potencial bilionário desse fundo, a verdade é que o adimplemento de multas ambientais no Brasil é historicamente baixo. Além disso, utilizar-se apenas desse fundo seria pautar o PSA exclusivamente no princípio do "poluidor-pagador", quando a lógica deveria ser a do "usuário-pagador"  todos que se utilizam dos serviços ambientais devem pagar por ele.

Hoje, ao contrário, temos um cenário onde apenas quem fornece os serviços ambientais acaba pagando por eles. Explico. Um produtor rural na Amazônia pode ter até 80% de sua propriedade limitada administrativamente como forma de preservação ambiental (reserva legal). Sua propriedade, por vezes, é sua renda. Se em cem hectares ele só pode produzir em 20, está arcando sozinho com o custo de manter 80 hectares preservados, enquanto toda a sociedade colhe esse benefício (pois sua vegetação, em pé, regula o clima, fornece oxigênio e purifica os rios). Existe uma espécie de confisco nesse cenário, que tenta se justificar pela preservação ambiental.

Certamente se houvesse proposta de que 80% dos salários dos trabalhadores dos grandes centros urbanos fossem confiscados, ainda que com intuito de serem aplicados na preservação ambiental, todos ficariam chocados e a rechaçariam rapidamente. Mas é isso o que ocorre hoje com o produtor rural, e ninguém se espanta.

O cenário perfeito, portanto, seria exigir de países mais desenvolvidos, que geralmente são grandes poluidores e possuem dívida história com o meio ambiente, que estes arquem com o custo da preservação ambiental no Brasil. Vale lembrar novamente que o meio ambiente e os benefícios que ele provê não conhecem fronteiras politicamente estabelecidas, e não há dúvidas de que o benefício advindo da Amazônia, por exemplo, é capaz de alcançar os rincões mais distantes do mundo.

Além disso, os países mais desenvolvidos vêm postergando suas dívidas relativas ao Acordo de Paris e ao Protocolo de Kyoto. Não bastasse isso, ainda ameaçam economicamente o Brasil por nossas pretensas falhas na fiscalização ambiental, enquanto já desmataram muito mais, atualmente poluem muito mais e preservam muito menos.

Mas a realidade é que a coercitividade no Direito Internacional é frágil, não sendo certo que poderemos ver esses países honrando com sua parte no pacto ambiental. Especialmente quando nos atentamos que alguns deles também são produtores rurais, competidores do Brasil, e poderiam se sentir minando a produção e a competitividade de seus cidadãos.

Por fim, outra alternativa para o custeio do PSA é a mais plausível e, ao mesmo tempo, controversa. Em meio ao que pode ser uma ampla reforma tributária, não seria o momento de se discutir a implementação de tributo destinado à preservação ambiental? Preferencialmente destinado a medidas positivas e preventivas, como o PSA, e não punitivas e corretivas, já que é incontroverso que o incentivo econômico é indutor de mudança de comportamento.

Em decorrência da reforma tributária, sequer haveria que se falar em aumento da carga tributária, uma vez que pode se compensar a implementação de contribuição ou empréstimo compulsório destinado especificamente ao PSA com a diminuição do percentual de qualquer outro tributo.

O meio ambiente encontra-se definitivamente sob os holofotes da sociedade, o que se comprova por haver cada vez mais artistas e celebridades abordando o tema, pelo escrutínio que passa qualquer ato de governo que o impacte, pelas manchetes da mídia e até pelo aumento no número de vegetarianos e veganos que citam o meio ambiente como motivo pela mudança de seus hábitos.

Assim, se o meio ambiente se tornou tão caro à sociedade, impõe-se o dever de discutir sua preservação também sob o aspecto orçamentário. Se nossa sociedade está evoluída ao ponto de valorizar tanto o meio ambiente, o que é absolutamente salutar, devemos estar aptos também a enxergar a necessidade de dividir o custo dessa preservação com quem já arca com ele há décadas.

Valorizar e proteger o meio ambiente é sinal de amadurecimento da sociedade. Agora é preciso completar o ciclo e entender que não basta dizer que o valorizamos, mas tomar atitudes que demonstrem essa valorização.

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    é advogado, sócio no escritório Ferraz Advogados Associados, especialista em Direito Ambiental (UFPR) e mestrando em Políticas Públicas, Estado e Desenvolvimento (UniCeub).

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