Opinião

Prorrogação do prazo de abertura de inventários não se aplica a todos os casos

Autor

  • Vanessa Scuro

    é sócia do escritório Melcheds — Mello e Rached Advogados e é especializada em Direito Processual Civil e em Direito de Família e de Sucessões.

2 de julho de 2020, 12h13

A Lei 14.010/20, que regulou o regime emergencial e transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia da Covid-19, estabeleceu a dilação do prazo de 60 dias para abertura dos inventários para os óbitos ocorridos a partir de 1º de fevereiro, fixando como termo inicial o dia 30 de outubro, que terminará, portanto, em 30 de dezembro.

Ainda que os inventários de todos os óbitos ocorridos a partir de 1º de fevereiro não precisem ser abertos até 30 de dezembro, nesse intervalo algumas obrigações da pessoa falecida terão de ser atendidas, assim como terão de ser tomadas providências de conservação do patrimônio deixado.

A efetiva representação do espólio, que é o conjunto de bens e direitos deixados pela pessoa falecida, é feita por um inventariante, cuja nomeação, contudo, depende da abertura do inventário em juízo ou da lavratura de uma escritura de nomeação de inventariante em cartório, nas hipóteses em que essa modalidade é possível, ou seja, em inventário com herdeiros maiores e sem testamento.

Enquanto isso não acontece, os artigos 613 e 614 do Código de Processo Civil determinam que o espólio "continuará na posse do administrador provisório" que "representa ativa e passivamente o espólio, é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu, tem o direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fez e responde pelo dano a que, por dolo ou culpa, der causa".

Segundo Luiz Paulo Vieira de Carvalho ("Direito das Sucessões", Editora Gen Altas, 3ª edição, 2017, p. 141), essa "administração compreende todos os atos de administração ordinária, sendo o administrador provisório (…) considerado possuidor direto dos bens que compõem a herança (…) até a instauração do inventário e a consequente nomeação do inventariante (…)". E mais adiante ele especifica que os atos de administração do acervo "constituem em: conservação do patrimônio, pagamento das dívidas, recebimento dos rendimentos, representação do Espólio em juízo ou fora dele como autor ou réu, intentando ações ou respondendo na defesa dos bens que compõem o monte hereditário etc".

E quem pode exercer a função de administrador provisório da herança? De acordo com o artigo 1797 do Código Civil, enquanto o inventariante não prestar compromisso, a administração da herança caberá, nesta ordem: ao cônjuge ou companheiro, se ao tempo do óbito convivia com o falecido; ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, sendo que, havendo mais de um, o mais velho; ao testamenteiro; ou, na falta ou escusa dos anteriores, a pessoa de confiança do juiz.

Conforme ensinam Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim ("Inventário e Partilha Teoria e Prática", Editora Saraiva, 24ª edição, 2016, p. 327), trata-se de "ordem preferencial, a ser atendida para o desempenho da função, que se efetua independentemente de nomeação judicial, atendendo a necessidade de gerir os bens do espólio, evitando que fiquem acéfalos, até que se regularize a administração pelo inventariante a ser designado no processo de inventário" ou nomeado por escritura pública quando possível a modalidade extrajudicial de inventário.

Assim, no período facultado pelo REJT entre o óbito e a abertura do inventário, os bens, direitos e obrigações da pessoa falecida devem ficar a cargo do administrador provisório até que haja a efetiva nomeação do inventariante, que poderá ou não ser a mesma pessoa, já que o artigo 617 do Código de Processo Civil estabelece outros legitimados para o exercício da inventariança, além do fato de o falecido poder nomear seu inventariante por testamento.

Na prática, contudo, o administrador provisório poderá encontrar dificuldades para o exercício da administração, já que não terá nenhuma comprovação de que realmente é o representante do espólio. Para o exercício da maioria dos atos é exigida a certidão de inventariante ou a escritura de nomeação de inventariante, que são os documentos que comprovam a representação do espólio, mas que dependem da abertura do inventário.

Assim, ainda que louvável e oportuna a prorrogação do prazo de abertura dos inventários estabelecida pelo RJET, em determinadas situações não se poderá fugir da imediata abertura do inventário e nomeação do inventariante, judicial ou extrajudicialmente, de forma que a representação do espólio possa a ser comprovadamente exercida, sendo possível, dessa maneira, a adequada tomada das medidas necessárias para a conservação dos bens do acervo hereditário.

Autores

  • é advogada especializada em Direito de Família e de Sucessões, sócia do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados.

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