Opinião

Renegociação nos contratos bancários: uma luz no fim do túnel

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2 de julho de 2020, 7h18

Historicamente, o Supremo Tribunal Federal (Súmula 596) e o Superior Tribunal de Justiça (Súmula 382, Súmula 541, Súmula 283, Tema 25 e Tema 26) vêm adotando entendimentos favoráveis a muitas práticas no mínimo discutíveis, para não dizer abusivas adotadas pelos bancos, especialmente no que se refere à taxa de juros e à prática de anatocismo.

Tal conclusão decorre da constatação de que o sistema financeiro é regulado por leis especiais (entre outras, a Lei 4595/64) que, no tocante aos juros, afastam a aplicação da legislação de usura e do Código Civil.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça esclarecem ainda que os bancos se submetem ao Código Civil naquilo que não for incompatível com as leis especiais. No atual contexto, a literatura jurídica assenta que a teoria da imprevisão, prevista no Código Civil e fundada na superveniência de fatos extraordinários que alteram a base econômica das obrigações (onerosidade excessiva), aplica-se indistintamente aos contratos de longa duração, de sorte que as condições negociais devem ser revisadas para restabelecer o equilíbrio econômico.

Desde a superveniência da pandemia da Covid-19, tem-se notícias de decisões em: contratos de locação, reduzindo o valor do aluguel; contratos de distribuição de mercadorias, suspendendo a cobrança ou reduzindo o valor da prestação; contratos de compra e venda, aumentando o número de prestações; contratos de prestação de serviços de educação, reduzindo o valor das mensalidades.

E a Lei 4595/64 veda a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos bancários? Desde o seu nascedouro, a teoria da imprevisão foi concebida pela doutrina e pela jurisprudência com base na ideia de que, diante de situações imprevisíveis e supervenientes que alterem a base econômica do negócio, deve-se assegurar a manutenção do equilíbrio econômico nos contratos de longa duração. Se a mencionada legislação especial não veda explicitamente, há aplicação do Código Civil aos contratos bancários, admitindo-se a revisão com base na teoria da imprevisão.

Após a Covid-19 chegar ao Brasil, a Febraban noticiou que o setor bancário suspenderia as prestações por períodos de três a seis meses e abriria linhas de crédito com juros de 3,75% ao ano e prazos de até 36 meses para pagamento.

Como a retração das atividades econômicas encontra-se bem superior às expectativas iniciais (perspectiva de retração de 10% do PIB, segundo dados do FMI), e as políticas de concessão de crédito às pequenas, médias e grandes empresas não se mostraram eficientes por entraves criados pelos bancos, as empresas tiveram de se valer das soluções legais para atravessarem o período de forte turbulência.

Reportagem do Valor Econômico dá conta de que a confecção Restoque (marcas Le Lis Blanc, Dudalina e John John) formalizou o primeiro e inédito pedido de homologação de plano extrajudicial de recuperação, em que renegociou R$ 1,5 bilhão com 70% dos credores, e que a Intercement Participações obteve renegociação de dívida de R$ 2,9 bilhões, concentrada no Itaú e no BB.

Nos dois exemplos, os bancos renegociaram dívidas de grandes companhias afetadas pela pandemia, mas cujas operações são consideradas economicamente viáveis. A renegociação contemplou redução de juros (CDI + 2,7%, o que dá 5% ao ano), alongamento das prestações em até 50 meses e carência de até 12 meses a contar de março/20. Segundo a reportagem, "os bancos têm estendido prazos, diminuído juros e oferecido carência logo no início da crise para evitar o agravamento da situação, pois consideram que processos de recuperação judicial são mais arrastados e menos efetivos".

Vale dizer, diante de uma situação extraordinária que afeta a todos indistintamente, o Código Civil impõe os deveres de renegociar e de restabelecer o equilíbrio contratual nos contratos de longa duração afetados pela Covid-19, a fim de evitar a quebradeira generalizada de empresas que são economicamente viáveis, mas que se encontram em dificuldades em razão dos efeitos da pandemia.

Entretanto, as notícias de renegociação pelos bancos são restritas a casos esporádicos e pontuais, envolvendo grandes companhias. Em relação às pequenas, médias e grandes empresas, a resposta dos bancos aos pedidos de renegociação ora é um silêncio ensurdecedor, ora a condiciona ao agravamento das condições negociais.

Sendo assim, outra alternativa não resta às empresas se não o acesso ao Poder Judiciário, com o propósito de revisar as obrigações econômicas dos contratos bancários, assegurando-se a divisão equânime dos efeitos deletérios da pandemia e a preservação da atividade econômica viável exercida pela livre iniciativa.

Não tem qualquer sustentação lógico-econômica a manutenção de juros, cujas taxas foram fixadas ao tempo da celebração dos contratos em proporção com altas taxas Selic da época, quando atualmente a taxa Selic é a mais baixa da história (2,25% ao ano). Nesse cenário, importa destacar que, num papel de vanguarda e digno de elogios, a Justiça Estadual do Rio Grande do Norte, em paradigmáticas decisões dos juízes Daniela Paraíso e Eduardo Pinheiro, assegurou a revisão de contratos bancários, restabelecendo o equilíbrio contratual mediante a fixação de juros remuneratórios de 4,5% ao ano, que é um patamar condizente com a atual taxa Selic, substituição de garantias imobiliárias e o alongamento de prazos para pagamento da dívida.

A redução de juros e o alongamento dos prazos asseguram, a um só tempo, a continuidade da atividade lucrativa dos bancos (lucro de 100% da atual taxa Selic) e a manutenção de atividades econômicas viáveis, sendo a vacina certa e adequada que evita a morte.

A corrente de pensamento da interpretação econômica do Direito, em conjugação com os princípios da função social da atividade econômica e da empresa, aponta que é preferível revisar os contratos bancários de longa duração a deixar à míngua a livre iniciativa, na medida em que o encerramento de uma atividade econômica traz, ao contrário do que pensa a ideologia de esquerda, danos irreparáveis não apenas aos empresários, mas sobretudo à coletividade compreendendo funcionários, prestadores de serviços, fornecedores, parceiros econômicos, credores, poder público, enfim, perde toda a sociedade.

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