Garantias do consumo

O impacto do novo coronavírus nos planos de saúde no Brasil

Autor

  • Maria Stella Gregori

    é advogada de Gregori Sociedade de Advogados professora de Direito do Consumidor da PUC-SP diretora do Brasilcon e ex-diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

1 de julho de 2020, 8h00

Todo o planeta está acometido de uma pandemia global, por conta de um novo Coronavírus, denominado Sars-CoV-2, ter disseminado em pessoas humanas a doença infecciosa conhecida como Covid-19, com um número alarmante de casos confirmados positivos e mortes, impactando a economia como um todo e toda a sociedade. Até o momento não há vacina nem medicação eficiente para combatê-la.

Os principais cuidados que se deve ter para evitar o contágio dessa  doença e a sua disseminação, entre outros, são: lavar as mãos com água e sabão ou usar álcool em gel; cobrir o nariz e boca ao espirrar ou tossir; usar máscaras descartáveis; evitar colocar as mãos nos olhos, na boca ou nariz; evitar contatos físicos e aglomerações, especialmente de pessoas em grupo de risco, como os idosos ou os doentes; manter os ambientes bem ventilados; não compartilhar objetos pessoais. Além da necessidade de medidas drásticas, tais como a proibição de circulação e aglomeração de pessoas com o fechamento de locais públicos e privados; a determinação de quarentena ou isolamento social. 

Como vivemos em um mundo globalizado e interligado o novo Coronavírus, também, está circulando entre nós e tem-se proliferado assustadoramente. Na mesma esteira dos demais países, o Brasil declarou emergência nacional[2], a seguir calamidade pública[3], e por conta disto, tem editado normas sobre medidas de enfrentamento de emergências de saúde pública[4].

Diante desse cenário catastrófico é fundamental que os consumidores não sejam esquecidos e tenham respeitados seus direitos.

Cabe salientar que o Brasil conta com o Código de Defesa do Consumidor — CDC[5] avançado e inovador, que dispõe dentre os princípios reitores das relações jurídicas de consumo, a vulnerabilidade do consumidor, por ser o consumidor o elo mais fraco da relação e não deter conhecimentos técnicos sobre produtos e serviços; a boa-fé objetiva, que deve observar os valores éticos; a informação prestada pelos fornecedores deve ser a mais correta, clara precisa e transparente possível; a proibição de práticas e cláusulas abusivas e a responsabilidade civil objetiva e solidária do fornecedor.

Portanto, nas relações jurídicas de consumo, o consumidor em qualquer situação é vulnerável e a responsabilidade civil do fornecedor é objetiva e solidária, independentemente da culpa, e tem o direito assegurado de todas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, que devem estar em consonância com as regras editadas pelo Poder Público durante a pandemia.

A prestação de serviço oferecida pelas operadoras de planos de saúde aos consumidores, configura-se como relação de consumo, dá-se através de contratos de planos privados de assistência à saúde, os chamados planos de saúde e, é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Lei dos Planos de Saúde[6] e sua regulamentação editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar — ANS. O consumidor de planos de saúde tem o direito a cobertura de todos os procedimentos e tratamento da doença Covid-19.

A ANS tem adotado medidas para enfrentar a propagação da pandemia, no que tange à proteção do consumidor, tais como: i) incluir no rol de procedimentos e eventos em saúde[7] a cobertura obrigatória do exame Sars-CoV-2, pesquisa por RT-PCR,  para a identificação do diagnóstico da infecção de Covid-19 e da pesquisa de anticorpos IgA, IgG ou IgM, nos casos em que houver indicação médica, conforme a Diretriz de Utilização — DUT, quando o consumidor se enquadrar como suspeito ou provável de ter contraído a respectiva doença  e a de outros seis exames que podem auxiliar no diagnóstico e no acompanhamento de situações clínicas que podem representar gravidade. Isto quer dizer que, os consumidores de planos de saúde têm direito à cobertura destes exames, desde que solicitados pelo médico assistente. Os exames serão cobertos para as segmentações ambulatorial, hospitalar com ou sem obstétrica e referência; ii) prorrogou, temporariamente, de 26.03 a 09.06.20, os prazos máximos de atendimento de consultas, exames, terapias e cirurgias, que não fossem urgentes,  ao priorizar os casos de Covid-19, com o intuito de reduzir a sobrecarga dos estabelecimentos de saúde e evitar que os consumidores tivessem risco de contaminação; suspendeu os atendimentos em hospital-dia e as internações eletivas; nesse período apenas houve atendimento para os casos urgentes e de emergência.

A ANS para auxiliar a liquidez das operadoras de planos de saúde autorizou a liberação parcial do fundo garantidor, composto de recursos privados que ficam imobilizados para serem utilizados em caso de liquidação das empresas, condicionado à assinatura de um Termo de Compromisso. Tal termo somente deve ser celebrado quando houver interesse na implementação de práticas que consistam em vantagens para os consumidores, como a manutenção da qualidade do atendimento.  A proposta do termo estabelece contrapartidas como a manutenção do pagamento a prestadores de serviços em saúde e a garantia de que consumidores de planos individuais, coletivos por adesão e coletivos empresariais até 29 vidas que tiverem dificuldades de arcar com pagamento de mensalidades até 30 de junho possam negociá-las. Entretanto esta medida somente teve a adesão de nove operadoras.

A Lei nº 13.989, de 15.04.2020, autoriza o uso da telemedicina em caráter excepcional, durante o período de combate ao Covid-19 à prática da telemedicina, de telessaúde, que permite aos médicos orientar e monitorar pacientes à distância, sem a necessidade de contato físico e a ANS propôs ações para viabilizar a utilização desta ferramenta.

Entretanto, a ANS também poderia recomendar às operadoras medidas que durante à pandemia pudessem auxiliar os consumidores com dificuldades financeiras, como por exemplo, não rescindir ou suspender os contratos e dilatar prazos de pagamentos das mensalidades.

Tempos muito difíceis os que estamos vivendo, faz-se necessário encontrar maneiras de que, especialmente, os consumidores não tenham prejuízos.

Se o consumidor se sentir prejudicado, em razão da postura adotada pela operadora de planos de saúde, poderá registrar reclamação nos órgãos de defesa do consumidor, no portal consumidor.gov.br, que irão intermediar a negociação para tentar compor um acordo. Nos casos de negativa de cobertura de exame, ainda poderá registrar reclamação no portal www.ans.gov.br. Entretanto, se não conseguir uma solução amigável poderá recorrer ao Poder Judiciário.

Recomenda-se também que as operadoras de planos de saúde, para minimizar os prejuízos devido ao surto do Coronavírus, adotem medidas, que se coadunem com o CDC, tais como: capacitar os colaboradores dos SAC’s e Call centers para prestarem informações claras e precisas e agilizarem as demandas dos consumidores; não reajustar as mensalidades das contraprestações pecuniárias e não suspender ou cancelar os contratos de planos de saúde devido à inadimplência durante a pandemia; disponibilizar em seus meios de comunicação o portal consumidor.gov.br para facilitar o diálogo com os consumidores, estimular seus prestadores de serviços a utilizarem a ferramenta da telemedicina.

As operadoras de planos de saúde devem considerar o consumidor como parceiro e aliado, jamais devem tratá-lo como adversário, inclusive por ser ele a sua fonte de recursos, bem como para a economia como um todo. 

Portanto, mesmo diante dessa crise catastrófica sanitária, é fundamental que as relações de consumo sejam humanizadas, pois o consumidor é uma pessoa humana que deve ter respeitada sua dignidade.

Entendemos que a alternativa ideal para a garantia dos direitos do consumidor é que todas as demandas que envolvam relação de consumo não cheguem aos órgãos de defesa do consumidor ou ao Poder Judiciário, mas que os consumidores e as empresas busquem o diálogo.

O diálogo é a principal ferramenta para a construção de práticas jurídicas e sociais adequadas, que deve se dar de forma adequada e consensual, entre o Poder Público, as empresas e o consumidor, pautado na ética, levando em conta a confiança, que somente se conquista com respeito, transparência, boa-fé objetiva e legalidade.

Para que os desafios propostos sejam alcançados, faz-se urgente que tanto os consumidores como as operadoras de planos de saúde atendam às orientações e recomendações das autoridades públicas sanitárias competentes como a OMS, o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde, no combate a essa doença  e, no que se refere ao direito do consumidor, observem os ditames do Código de Defesa do Consumidor.

É imprescindível para se adequar à nova realidade, em decorrência dessa pandemia, que gerou uma crise duríssima e desafiadora, que  toda a sociedade esteja atenta e aja de forma serena, sensível, responsável e solidária para tentar minimizar qualquer prejuízo, especialmente aos consumidores, visando à preservação da vida, saúde e segurança, bem como o acesso à informação adequada e clara sobre produtos e serviços, tendo em vista eventuais riscos que apresentem.

Devemos estar unidos uns aos outros com espírito de fraternidade e solidariedade, aliás como determina a Declaração Universal dos Direitos Humanos.


[2] Portaria 188/20 do Ministério da Saúde

[3] Decreto Legislativo, de 20 de março de 2020

[4] Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020; regulamentada pela Portaria Interministerial 5 de 2020;

  Portaria 356/GM/MS de 11 de março de 2020;

[5] Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e regulamentado pelo Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997.

[6] Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998

[7] Resolução Normativa ANS 453, 12 de março de 2020, vigência a partir do dia 13 de março de 2020, Resolução Normativa ANS 457, de 28 de maio de 2020, vigência a partir do dia 29 de maio de 2020 e Resolução Normativa ANS 458, de 26 de junho de 2020.

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    é advogada do Gregori Sociedade de Advogados, professora de Direito do Consumidor da PUC-SP, diretora do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e ex-diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

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