Opinião

AGU: advocacia de Estado ou advocacia de governo? De novo...

Autor

  • Daniel Almeida de Oliveira

    é procurador federal da AGU doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio mestre em Direito pela Uerj e autor do livro Direito Regulatório & Teoria da Interpretação da Synergia Editora.

1 de julho de 2020, 6h34

E a instabilidade gerada pela crescente e grave disputa política no Brasil chegou à AGU: trata-se de advocacia de Estado ou de advocacia de governo?

Essa pergunta, que pensávamos estar superada, voltou à cena nacional após instituições "técnicas" e até mesmo membros do Judiciário entrarem em franco conflito com os poderes eleitos e, em especial, com o Poder Civil (a presidência da República), com repercussão da grande mídia nacional.

Muitos estão questionando a atuação da AGU. A dúvida e a crítica surgem, provavelmente, não tanto pela atuação da AGU, mas pela agitação gerada pelo crescimento do embate político no Brasil e pelo posicionamento político que se tem.

Há muito tempo já se chegou a uma conclusão na AGU: não existe distinção entre advocacia de governo e advocacia de Estado, ao menos no nosso caso. A AGU exerce advocacia de Estado. Portanto, não faz distinção quanto ao mandatário que fique à frente de seu principal cliente: o Poder Executivo.

Como instituição perene prevista constitucionalmente, inclusive como função essencial à Justiça, ao lado do Judiciário, do Ministério Público Federal, da advocacia privada e da Defensoria Pública, não poderia ser diferente.

A AGU, como instituição prevista para auxiliar na manutenção do Estado democrático de Direito, deve exercer o papel para o qual foi criada. Não deve se confundir com as demais funções essenciais à Justiça, sob pena de gerar desequilíbrio no sistema, podendo afetar gravemente a República e a democracia.

A AGU é responsável por defender a higidez do ordenamento jurídico nacional. Como advocacia de Estado, ela o faz inclusive perante o Supremo Tribunal Federal, defendendo a constitucionalidade de leis, inclusive leis estaduais que foram reputadas inconstitucionais perante o STF. Essas leis são expressão da democracia (do princípio democrático), uma vez aprovadas pelos representantes diretos do povo. Infelizmente, muitos juristas têm esquecido deste aspecto: o maior legitimado para fazer controle de constitucionalidade são os representantes diretos do povo (chefes do Poder Executivo e o Poder Legislativo). Não pessoas não eleitas, que o fazem quando "não haveria jeito", ou seja, quando necessário para manter direitos fundamentais da minoria, a federação e as próprias regras democráticas. A desconstituição de ato político (leis e regulamentos administrativos) é excepcional em virtude do impacto negativo que a extirpação de um ato feito por representantes diretos do povo gera e pode gerar na República e na própria democracia — no limite, o tão temido golpe ou revolta popular, com extinção de instituições.

Portanto, no caso brasileiro, a dicotomia advocacia de governo v. advocacia de Estado é falsa.

Um escritório de advocacia pode não aceitar um determinado cliente, pelo seu perfil ou pelo perfil de sua causa. Mas não pode expor o seu cliente, embora possa abandoná-lo após cumprimento de algumas exigências legais.

A AGU não escolhe o seu cliente. Quem o escolhe é o povo. E a AGU não pode expor o seu cliente ou negar a sua defesa. E, também, de modo diferente de um escritório privado (ou de governo), a AGU não pode abandoná-lo: só quem o pode é o povo ou as instituições que o representam.

A autonomia profissional ou autonomia funcional dos membros da AGU somente pode ser exercida para a defesa da legislação federal. E, portanto, para defesa das instituições criadas e manutenidas por ela, em especial o Judiciário federal, o Congresso Nacional e o Poder Executivo, e para a defesa dos atos editados pelos poderes eleitos, uma vez que complementam a Constituição e compõem a legislação federal.

A AGU exerce advocacia de Estado. Seus membros possuem estabilidade e a instituição vai se aperfeiçoando com o tempo. Defende a legislação federal e, consequentemente, faz, sim, controle interno de constitucionalidade e de legalidade de qualquer ato de mandatário de cargos federais escolhido pelo voto. Mas tem especial atenção para não entrar na discricionariedade destes atos, focando em eventuais violações de regras jurídicas, não de normas jurídicas abstratas, sem conteúdo (como os princípios). Quem confere esse conteúdo é justamente o mandatário, representante direto do povo. E cabe à AGU defendê-lo, no próprio Executivo e nas demais instituições e espaços púbicos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!