Política Discriminatória

Defensoria da União contesta lei que restringe atendimento a migrantes em RR

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31 de janeiro de 2020, 18h26

A Defensoria Pública da União (DPU), em conjunto com a Conectas Direitos Humanos, ajuizou nesta sexta-feira (31/1) uma ação civil pública contra lei municipal de Boa Vista, em Roraima, que impõe limites ao número de migrantes que podem ser atendidos em Unidades Básicas de Saúde e no Hospital da Criança. 

Valter Campanato/Agência Brasil
Grande número de migrantes venezuelanos pediram refúgio no Brasil em 2019
Valter Campanato/Agência Brasil

Em sua justificativa, a lei (Lei 2.074/2020) afirma que “nos últimos cinco anos, ocorreu o aumento desenfreado de migrantes no Estado de Roraima, o que veio a impactar em diversos setores na vida da população local, tais como saúde educação e segurança”.

Além disso, segue o trecho de apenas dois parágrafos, “no que tange, em específico, a saúde pública, tem-se notado que grande parte dos atendimentos nas unidades básicas de saúde, bem como no hospital municipal, estão sendo destinados a migrantes que, na maioria das vezes, pernoitam no local e logram êxito no atendimento, fazendo com que a população brasileira não consiga o direito constitucional de atendimento à saúde”. 

A lei determina que a utilização dos serviços públicos por parte dos migrantes não ultrapasse 50% do total de vagas. Caso vá além desse limite, os refugiados e migrantes poderão ficar sem atendimento. A norma está em vigor desde o último dia 7.

Política discriminatória
Na ação, a DPU e a Conectas afirmam que a lei municipal, “nitidamente advinda de uma política institucional discriminatória, obsta, de maneira inconstitucional e ilegal, o amplo exercício do direito à saúde pelos migrantes e refugiados, bem como os submetem a uma pseudo situação de irregularidade, eivado de violações flagrantes à garantias constitucionais, a dizer, a proibição à discriminação de origem, isonomia no tratamento público, direito à dignidade da pessoa humana, saúde, dentre outros a serem tratados em tópico próprio”. 

As instituições argumentam que a Constituição assegura, em seu artigo 24, que "todas as pessoas são iguais perante a lei" e, por isso, “têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei”. Em seu artigo 5º, a CF também garante que qualquer residente goze dos mesmos direitos e garantias individuais previstos a quem nasceu no Brasil.

“Esta ação visa garantir que os entes federados abstenham-se de adotar políticas públicas discriminatórias em relação aos migrantes, tendo por base os direitos e garantias previstos nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário”, diz ação.

As instituições também lembram que o artigo 1º da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto nº 678/92, determina que os Estados signatários não incorram em discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas, origem nacional ou social, entre outras coisas. 

“Os estados têm a obrigação de garantir o direito à igualdade a todos que se encontrem no território nacional, sem discriminação alguma em razão de sua estadia regular ou irregular, nacionalidade, raça, gênero ou qualquer outra causa”. 

Fluxo migratório
A lei municipal é uma resposta a intensificação do fluxo migratório em Roraima. Os migrantes e refugiados, em sua maioria, deixaram a Venezuela, país que atravessa uma crise econômica que atingiu seu patamar mais alto em 2019. 

Segundo a Unicef, o Brasil recebeu cerca de 178 mil solicitações de refúgio e residência temporária entre 2015 e 2019. A maioria dos migrantes entra no país pela fronteira norte e se concentra nos municípios de Pacaraima e Boa Vista, ambos em Roraima. 

No entanto, uma pesquisa publicada nesta quinta-feira pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV DAPP), do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) e da Universidade Federal de Roraima (UFRR), contesta a tese de que os brasileiros estão sendo prejudicados pelo movimento migratório. 

E é justamente quanto à saúde pública que o estudo traz um dado curioso. “No que tange à oferta de serviços de saúde, registra-se uma tendência descendente para os atendimentos ambulatoriais realizados pelos municípios de Roraima no período em que os refugiados e imigrantes chegam com maior intensidade”. 

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