Opinião

Ampla defesa não pode afetar a duração razoável do processo

Autor

  • Renato de Mello Almada

    é advogado diretor jurídico da Confederação Brasileira de Cinofilia é pós-graduado em Direito dos Animais pela Faculdade de Direito de Lisboa (Portugal).

30 de janeiro de 2020, 7h49

A Constituição Federal assegura que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (artigo 5º, LV, da Constituição Federal).

É evidente a importância do princípio da ampla defesa que, sempre, sob qualquer hipótese, deve ser observado e respeitado. É por meio dele que a parte litigante exercerá com efetividade a defesa de seus interesses e proporá as provas pertinentes.

Contudo, a utilização excessiva dos meios de que a parte dispõe para alcançar o seu direito, com intermináveis pedidos de provas, cuja irrelevância se distancia das reais intenções de busca da mais completa defesa, ou, ainda, com a utilização de infindáveis recursos desnutridos de argumentos sólidos, merecem ser repelidos.

A não observância do cometimento do “abuso de defesa” incorrerá em desprestígio a outro importantíssimo princípio, o da duração razoável do processo, igualmente previsto na Constituição Federal, que assevera em seu artigo 5º, LXXVIII, que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Em reforço ao contido na Carta Magna, prevê o Código de Processo Civil em vigor que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (artigo 4º, do Código de Processo Civil). 

Sem que haja respeito ao princípio da celeridade, prejudicada estará a utilidade do resultado que será alcançado ao final da demanda. 

Como é sabido, justiça que tarda, não é justiça!

A demora na prestação jurisdicional não beneficia em nada a parte que tem razão. Ao contrário, prejudica-a.

A análise conjunta desses princípios nos leva ao entendimento de que, também aqui, a prudência no exame dos autos tem que existir, de forma que o equilíbrio prevaleça.

Não se pode admitir que em nome da duração razoável do processo, seja ofendido o princípio da ampla defesa. De igual sorte, não se mostra justo que em nome da ampla defesa se desrespeite o princípio da duração razoável do processo, o que impedirá a materialização do direito dentro de prazo razoável.

Ao magistrado cabe dosar a observância desses princípios, de forma a tratar, com equidade, as partes em litígio. 

Porém, em muitos casos, talvez por receio de futuras alegações de cerceamento de defesa, o princípio da ampla defesa está sendo demasiadamente valorizado, em detrimento ao da duração razoável do processo. Note-se, contudo, que o receio acima mencionado se mostra exacerbado, uma vez que, na verdade, o que há é um excesso de utilização de recursos ou busca por repetidas e infundadas provas, cuja prática, até mesmo, pode ser entendida como ofensiva à boa-fé processual.

Tomemos por exemplo um caso prático: Cuida-se de ação anulatória de doação proposta por herdeiros colaterais em face do donatário dos bens.

A escritura de doação foi lavrada em cartório de notas de respeitada reputação na comarca, obedecendo-se todas as formalidades impostas por lei. 

Diante da inexistência de herdeiros necessários, o doador, em vida, doou seus bens a terceira pessoa, que não guarda laços sanguíneos consigo.

A pretendida anulação se funda em alegada incapacidade do doador ao tempo do ato.

Logo após o falecimento do doador, proposta a ação anulatória, foi determinada a realização de perícia indireta de neurologia, como forma de atestar se de fato o doador encontrava-se inapto ao ato de dispor de seus bens.

Cauteloso, o magistrado determinou, além da realização de perícia neurológica, também a perícia psiquiátrica, tendo por base os prontuários médicos existentes em hospital de referência médica nacional, onde o doador esteve internado.

Saliente-se que os autores da ação não apresentaram no tempo oportuno seus pedidos de prova, verificando-se, assim, o fenômeno da preclusão. 

Pois bem. Realizadas as perícias por profissionais nomeados pelo juízo, concluiu-se, sem margem a dúvidas, que o doador, não só ao tempo da realização da doação, como também até as vésperas de sua morte, encontrava-se com plena capacidade cognitiva, sem sinais de qualquer tipo de comprometimento. 

Os autores, então, solicitaram esclarecimentos aos peritos, que prontamente os prestaram, ratificando, com dados ainda mais precisos, as conclusões expostas nos laudos periciais.

Note-se que no processo não há uma prova sequer que dê embasamento aos pedidos dos autores.  Ao contrário, todas as provas convergem no sentido da validade do ato praticado pelo doador. 

Evidentemente que, transcorridos aproximadamente três anos do início da demanda, com todas as provas produzidas, especialmente as periciais de relevo, o processo se mostra pronto para receber julgamento.

Contudo, aproveitando-se de oportunidade processual, os autores, sem fundamento algum, pugnam pela realização de perícias complementares, dessa vez de fisioterapia e/ou terapia ocupacional.

Fica evidente que o intuito dos autores é o de alterar o fundamento em que basearam a ação, uma vez que não há, diante dos fatos e provas existentes, como insistirem na alegação de falta de pleno discernimento do doador ao tempo da realização do ato.

A insistência nessas infundadas perícias adicionais revela verdadeira má-fé processual.

De outro lado, o donatário, cujo direito no caso lhe assiste, se vê totalmente prejudicado pela demora da prestação jurisdicional, uma vez que o seu direito em dispor do bem em sua plenitude, até decisão da ação anulatória, se encontra suspenso, arcando ele com todos os custos de manutenção do patrimônio, sem que nada lhe seja entregue.

Fica demonstrado, nesse caso prático, que na hipótese de permanecer essa situação, o juízo não estaria agindo com o devido equilíbrio em relação à posição das partes.

O excesso de prestígio ou até mesmo temor em relação ao princípio da ampla defesa feriria o legítimo direito do donatário, além de desprestigiar por completo o princípio da razoável duração do processo.

Inexistiria, no caso em comento, o desejado equilíbrio entre o princípio da ampla defesa e o da razoável duração do processo, o que se revelaria em prejuízos ao detentor do bom direito. Isto, em tese, poderia sugerir um futuro pedido indenizatório em face do Estado, dada a falta de entrega, em prazo razoável, da solução integral do mérito.

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