Guardiã dos Vulneráveis

Atuação da Defensoria como custos vulnerabilis não usurpa funções, diz TJ-AM

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30 de janeiro de 2020, 7h17

A atuação da Defensoria Pública como terceira interessada não configura usurpação de funções, uma vez que mantém intocada a capacidade postulatória do advogado. 

TJ-AM
Para desembargador Ernesto Anselmo Queiroz Chíxaro, atuação da Defensoria não usurpa funções advocatícias
TJ-AM

Foi com base nesse entendimento que as Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça do Amazonas — que congrega desembargadores das câmaras cíveis e criminais — reafirmaram a competência da Defensoria para atuar como custos vulnerabilis (guardiã dos vulneráveis). 

O caso teve início após o desembargador Ernesto Anselmo Queiroz Chíxaro convocar o defensor público geral do estado para se pronunciar durante uma revisão criminal. Por conta disso, o Ministério Público interpôs um agravo regimental contestando a presença da Defensoria.

De acordo com o recurso, a intervenção do custos vulnerabilis é “exagerada” e usurpa as atribuições do MP. A tese foi rejeitada por Queiroz Chíxaro, que reconheceu a legitimidade da Defensoria. 

Depois, o MP questionou, via embargos de declaração, não a suposta usurpação de suas competências, mas a invasão das funções advocatícias. Chíxaro, relator do caso, voltou a recusar o argumento. Segundo ele, a medida tomada pelo MP pretende apenas rediscutir uma questão que já foi tratada. 

“A rejeição ocorre porque, em primeiro plano, os embargos de declaração buscam uma nova chance para rediscutir a matéria. Nesse sentido, a rediscussão é vetada, conforme entendimento do STJ”, afirma o magistrado. Ainda assim, ele decidiu traçar ponderações a respeito da função do custos vulnerabilis

Função postulatória
Já de início, o desembargador rejeitou a alegação de que houvesse qualquer usurpação das funções advocatícias ou do MP, lembrando, inclusive, que o advogado concordou com a atuação da Defensoria.

“Em diversos casos da admissão do custos vulnerabilis, a ausência de insurgência advocatícia ou mesmo a concordância com a participação da Defensoria Pública demonstram que a Advocacia compreendeu muito bem o papel do custos vulnerabilis, inexistindo o prejuízo propalado pelo Ministério Público embargante”, afirma. 

O magistrado também ressaltou que atuação da Defensoria (Estado Defensor) é totalmente distinta da função de Estado Acusador desempenhada pelo MP. 

“Para a advocacia constituída, a atuação cuidadosa do custos vulnerabilis é inconfundível com sua representação postulatória, pois é claramente distinta do atuar da Defensoria Pública como 'órgão de suporte defensivo'. Como destacado na decisão embargada, é distinto também do papel do custos legis (fiscal da lei, exercido pelo MP)”, prossegue a decisão. 

O magistrado também argumentou que o MP não pode confundir a divergência que possui com a Defensoria e o desejo de "afastá-la do debate democrático". 

"O conflito na formação de precedente e de pensamento sobre o caso reforça ainda mais a necessidade de que os dois órgãos do sistema de justiça penal, autônomos que são, manifestem-se quando relator entender pertinente a dualidade de manifestações", diz. 

Ainda segundo ele, "embora o MP tenha interesse em debater e conflitar com a posição institucional da DP, o mesmo não se pode dizer quanto a silenciar a Defensoria de modo antidemocrático. Afinal, o Ministério Público, como ‘guardião da ordem democrática’ deve respaldar a Defensoria Pública para que ela, por seus múltiplos meios de atuação, seja ‘expressão e instrumento do regime democrático’, conforme dita o texto constitucional".

Aceitação cada vez maior
A atuação da Defensoria como custos vulnerabilis está recebendo cada vez mais a aceitação do Poder Judiciário. O objetivo é garantir maior paridade de armas quando um processo conta com indivíduos ou grupos considerados vulneráveis.

O primeiro esboço da tese foi criado em 2014. A difusão no entanto foi rápida e pode ser vista em diversas decisões. Em um caso noticiado pela ConJur em dezembro de 2019, o desembargador Rômulo de Araújo Mendes, do TJ-DF, suspendeu uma reintegração de posse sob o argumento de que a Defensoria deveria ter sido convocada para atuar no caso.

A decisão foi tomada com base no artigo 554,  §1º do Código de Processo Civil, que diz que "no caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública".

Para, Cássio Scarpinella, professor de Direito Processual Civil da PUC-SP, a decisão do TJ-AM que preservou a atuação da Defensoria “é corretíssima”. 

“É importante compreender a Defensoria de forma mais ampla, não apenas no sentido de atuar em prol das pessoas determinadas e individualmente consideradas, mas também na perspectiva coletiva e difusa. Trata-se de missão constitucional, irrecusável e que a coloca lado a lado com o Ministério Público na qualidade de custos iuris", diz. 

Ainda de acordo com ele, “é extremamente positivo saber que um entendimento como este tem sido mais frequentemente acolhido pelo Judiciário e que também tem sido difundido com mais frequência pela doutrina, inclusive do direito processual civil. Trata-se de ver a concretização de representação processual de vozes e interesses que, em rigor, estavam pouco representados em juízo. A dimensão política e social desta atuação merece a devida atenção dos estudiosos do direito”. 

Clique aqui para ler a decisão
0006382-60.2019.8.04.0000

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