Direto do Carf

Carf aborda apuração do ganho de capital no lucro presumido (parte 2)

Autores

  • Fernando Brasil de Oliveira Pinto

    é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais auditor fiscal da Receita Federal e professor em cursos de especialização na Unisinos Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo).

  • Paulo Henrique Silva Figueiredo

    é conselheiro da 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF e auditor fiscal da Receita Federal do Brasil. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba é Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera UNIDERP.

29 de janeiro de 2020, 8h00

Spacca
Dando continuidade na análise dos precedentes do Carf sobre a apuração do ganho de capital[1] para os contribuintes tributados com base no Lucro Presumido, abordaremos nesta semana a necessidade, ou não, de consideração dos valores da depreciação, amortização e exaustão acumulada, para a determinação do valor contábil a ser utilizado na referida apuração.

Antes de abordarmos os precedentes sobre o tema, novamente faremos uma breve explanação sobre a legislação que rege a matéria.

A apuração com base no Lucro Presumido é prevista no art. 26 da Lei nº 8.981, de 1995[2], em períodos de apuração trimestrais.[3]

Esses mesmos dispositivos legais tratam também da tributação com base no Lucro Real (por opção, disponível a qualquer contribuinte, ou por determinação legal, conforme dispõe o art. 14 da Lei nº 9.718, de 1998[4]) e com base no Lucro Arbitrado (nas hipóteses compiladas no art. 603 do RIR/2018[5]).

Na apuração da base de cálculo do IRPJ no Lucro Presumido, sobre a receita bruta auferida em cada trimestre – deduzida das devoluções e das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos – aplicam-se os coeficientes de presunção de lucro previstos no art. 15 da Lei nº 9.249, de 1995. Além disso, os ganhos de capital, rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras e demais receitas e resultados positivos devem ser adicionados integralmente na determinação dessa base de cálculo.

O tema a ser tratado nesta oportunidade, diz respeito à apuração do ganho de capital aos optantes pelo Lucro Presumido: no momento da alienação do bem do ativo não circulante, deve-se levar em consideração o custo original do bem alienado ou deve-se adotar esse custo deduzido das quotas de depreciação, amortização e exaustão acumulada?

De acordo com o art. 595, e seu § 1º, do RIR/2018[6] (art. 521 do RIR/99), o ganho de capital deve ser acrescido integralmente à base de cálculo do Lucro Presumido, sendo apurado com base na diferença entre o valor de alienação e o respectivo valor contábil.

A discussão posta é qual seria o conceito de valor contábil para os optantes pelo Lucro Presumido, mormente em razão de não ser exigível a esses contribuintes a manutenção de escrituração contábil, a teor do que dispõe o art. 45, parágrafo único, da Lei 8.981, de 1995, reproduzido no artigo 600 do RIR/2018[7] (art. 527 do RIR/99).

Não são muitos os precedentes sobre o tema. No Acórdão nº 1301-003.022 (sessão de 16/05/2018), prevaleceu o entendimento de que o art. 53 da Lei nº 9.430, de 1996, determina que valor recebido a título de recuperação de despesa só deve ser acrescido à base de cálculo do IRPJ e da CSLL se, no período em que a despesa foi incorrida, ela tiver sido deduzida, interferindo na apuração do tributo devido, e, de forma contrária, se ao tempo em que a despesa foi incorrida, a pessoa jurídica estivesse submetida à tributação com base no Lucro Presumido, a adição não seria exigida. Com base nesse raciocínio, entendeu-se que, embora nessa sistemática de tributação a aplicação do coeficiente de presunção de lucro implique a dedução de “despesa presumida”, essa não se referiria à totalidade de despesas e custos incorridos pelo contribuinte, e, por essa razão, na hipótese de recuperação de custo ou despesa, não se exigiria a adição desse valor à base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Por conseguinte, como a depreciação não interferiria diretamente na apuração da base de cálculo daqueles tributos, não poderia ser excluída do custo do bem alienado no momento da apuração do ganho de capital. Argumentou-se ainda que o § 1º do art. 418 do RIR/99 (atual art. 501, do RIR/2018) determina que a apuração do ganho de capital leve em conta o valor contábil do bem, diminuído, se for o caso, da depreciação, concluindo-se que há hipóteses em que a depreciação não deve ser excluída, das quais seria exemplo o caso em que a depreciação, embora registrada contabilmente, não tivesse interferido na apuração do lucro tributável.

Raciocínio semelhante se observa no Acórdão nº 1302-000.551 (sessão de 31/03/2011), em que se firmou o entendimento de que o valor contábil a ser considerado na apuração do ganho de capital no Lucro Presumido deveria levar em consideração a depreciação acumulada antes da opção por esse regime de tributação, mas que, tendo em vista que no caso concreto o contribuinte foi tributado nessa sistemática desde o início de suas operações, não haveria que se levar em consideração qualquer valor de depreciação.

Por outro lado, no Acórdão nº 1402-001.787 (sessão de 27/08/2014), concluiu-se que o conceito de valor contábil encontra-se estampado no art. 418, §1º, do RIR/99[8] (art. 501 do RIR/2018), correspondendo ao que estiver registrado na escrituração do contribuinte e diminuído, se for o caso, da depreciação, amortização ou exaustão acumulada. Consta ainda que, no Lucro Presumido, todos os custos e despesas da pessoa jurídica, por presunção, já foram considerados quando da aplicação do correspondente coeficiente de apuração de lucro, uma vez que já teriam sido geradas as receitas decorrentes do próprio desgaste ou obsolescência dos bens utilizados na produção, ou direitos amortizáveis (aplicação do princípio contábil da confrontação das despesas com as receitas e os períodos contábeis). Nesse contexto, nesse regime, haveria de se depreciar os bens de seu ativo imobilizado para fins de apuração do ganho de capital, pois estes já teriam sido consumidos, ao menos em parte, para se auferir receitas, sob pena de permitir-se a dedução duplicada de custo de aquisição. Consta ainda no voto condutor do aresto que a expressão “se for o caso” contida no artigo 418, §1º, do RIR/99 (não exclusão da depreciação na apuração do valor contábil), referir-se-ia às hipóteses em que o bem ou direito não estivesse sujeito a depreciação ou amortização, como, por exemplo, no caso de terrenos.

Por fim, é interessante observar que essas duas teses foram confrontadas no Acórdão nº 9101-004.436 (sessão de 08/10/2019), justamente em recurso especial interposto pela PGFN em face do citado Acórdão nº 1302-000.551, prevalecendo o entendimento da Fazenda Nacional consubstanciado no Acórdão 1402-001.787 no sentido de que, na apuração do ganho de capital no Lucro Presumido, deve ser excluída a depreciação, amortização ou exaustão acumulada na determinação do valor contábil.

Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[1] Em 18 de dezembro de 2019 analisamos nesta coluna as particularidades na apuração do ganho de capital para os optantes pelo lucro presumido, com enfoque nos precedentes do CARF sobre a possibilidade de apuração desse ganho com base no regime de caixa (https://www.conjur.com.br/2019-dez-18/direto-carf-carf-aborda-apuracao-ganho-capital-lucro-presumido).

[2] Art. 26. As pessoas jurídicas determinarão o Imposto de Renda segundo as regras aplicáveis ao regime de tributação com base no lucro real, presumido ou arbitrado.

[3] Lei nº 9.430, de 1996: Art. 1º A partir do ano-calendário de 1997, o imposto de renda das pessoas jurídicas será determinado com base no lucro real, presumido, ou arbitrado, por períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, observada a legislação vigente, com as alterações desta Lei.

[4] Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:

I – cuja receita total no ano-calendário anterior seja superior ao limite de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou proporcional ao número de meses do período, quando inferior a 12 (doze) meses; (Redação dada pela Lei nº 12.814, de 2013) (Vigência)

II – cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de previdência privada aberta;

III – que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior;

IV – que, autorizadas pela legislação tributária, usufruam de benefícios fiscais relativos à isenção ou redução do imposto;

V – que, no decorrer do ano-calendário, tenham efetuado pagamento mensal pelo regime de estimativa, na forma do art. 2° da Lei n° 9.430, de 1996;

VI – que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).

VII – que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio.(Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010)

[5] Art. 603. O imposto sobre a renda, devido trimestralmente, no decorrer do ano-calendário, será determinado com base nos critérios do lucro arbitrado, quando (Lei nº 8.981, de 1995, art. 47 ; e Lei nº 9.430, de 1996, art. 1º ):

I – o contribuinte, obrigado à tributação com base no lucro real, não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e fiscais ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela legislação fiscal;

II – o contribuinte não escriturar ou deixar de apresentar à autoridade tributária os livros ou os registros auxiliares de que trata o § 2º do art. 8º do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977;

III – a escrituração a que o contribuinte estiver obrigado revelar evidentes indícios de fraudes ou contiver vícios, erros ou deficiências que a tornem imprestável para:

a) identificar a efetiva movimentação financeira, inclusive bancária; ou

b) determinar o lucro real;

IV – o contribuinte deixar de apresentar à autoridade tributária os livros e os documentos da escrituração comercial e fiscal, ou o livro-caixa, na hipótese prevista no parágrafo único do art. 600;

V – o contribuinte optar indevidamente pela tributação com base no lucro presumido;

VI – o comissário ou o representante da pessoa jurídica estrangeira deixar de escriturar e apurar o lucro da sua atividade separadamente do lucro do comitente residente ou domiciliado no exterior, observado o disposto no art. 468 ; e

VII – o contribuinte não mantiver, em boa ordem e de acordo com as normas contábeis recomendadas, livro-razão ou fichas utilizados para resumir e totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no livro diário.

[6] Art. 595. Os ganhos de capital, os rendimentos e os ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras, as demais receitas, os resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo disposto nos art. 591 e art. 592 , os valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976 , e os demais valores determinados neste Regulamento serão acrescidos à base de cálculo de que trata este Título , para fins de incidência do imposto sobre a renda e do adicional, observado o disposto nos art. 238, art. 239 e no § 3º do art. 249 , quando for o caso ( Lei nº 9.430, de 1996, art. 25, caput, inciso II ).

§ 1º O ganho de capital nas alienações de investimentos, imobilizados e intangíveis corresponderá à diferença positiva entre o valor da alienação e o seu valor contábil ( Lei nº 9.430, de 1996, art. 25, § 1º ).

[7] Art. 600. A pessoa jurídica habilitada à opção pelo regime de tributação com base no lucro presumido deverá manter (Lei nº 8.981, de 1995, art. 45, caput) :

I – escrituração contábil nos termos da legislação comercial; […]

III – em boa guarda e ordem, enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes, os livros de escrituração obrigatórios por legislação fiscal específica e os documentos e os demais papéis que serviram de base para escrituração comercial e fiscal.

Parágrafo único. O disposto no inciso I do caput não se aplica à pessoa jurídica que, no decorrer do ano-calendário, mantiver livro-caixa, no qual deverá estar escriturada toda a movimentação financeira, inclusive bancária (Lei nº 8.981, de 1995, art. 45, parágrafo único) .

[8] Art. 418. Serão classificados como ganhos ou perdas de capital, e computados na determinação do lucro real, os resultados na alienação, na desapropriação, na baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão, ou na liquidação de bens do ativo permanente (Decreto-Lei n°' 1.598, de 1977, art. 31).

§ 1º Ressalvadas as disposições especiais, a determinação do ganho ou perda de capital terá por base o valor contábil do bem, assim entendido o que estiver registrado na escrituração do contribuinte e diminuído, se for o caso, da depreciação, amortização ou exaustão acumulada.

Autores

  • Brave

    é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.

  • Brave

    é conselheiro da 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF e auditor fiscal da Receita Federal do Brasil. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, é Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera UNIDERP.

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