A decisão do Supremo Tribunal que criminalizou o não pagamento de ICMS declarado se equipara a "mudança legislativa" e "beira a ilegalidade", nas palavras do criminalista Pierpaolo Bottini.
"De repente se tornou crime o que não era. Ao mesmo tempo, nossa Constituição proíbe prisão por dívida e há diferença entre inadimplência e sonegação", afirmou.

Danielle Brigagão/ABDF
A declaração foi dada durante um debate promovido pela Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) nesta quarta-feira (22/1). Participaram o tributarista Igor Mauler Santiago e o criminalista Pierpaolo Cruz Bottini. A mediação foi feita pelo presidente da ABDF, Gustavo Brigagão. A discussão ocorreu no Clube Hebraica, em São Paulo.
Pierpaolo Bottini também ressaltou a dificuldade de comprovar e definir o dolo em casos envolvendo o não pagamento. De acordo com a tese firmada pelo STF, configura dolo quando o contribuinte, de forma contumaz, deixa de recolher o ICMS. No entanto, não foi definido o que que é ser um devedor habitual.

ConJur
"[Isso] vai gerar um clima de imprevisibilidade, de insegurança jurídica. Esse ambiente também irá estimular a sonegação", argumenta o advogado.
Já para Mauler, a decisão mostrou que "as distopias estão na moda". "O julgamento, às vezes, dava a impressão de tratar de um caso diferente daquele que a gente estudou. A impressão que fica é a de que estamos caminhando para um Estado policial. Não existe inadimplência. Agora existe crime. Não existe jornalismo investigativo. Existe crime. Tudo está virando crime", pontua.
O tributarista também lembrou que, durante o julgamento, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o dolo está no próprio ato de não pagar o imposto.
"O dolo se confunde com a própria conduta. Isso é utilizar o direito penal para cobrar tributos. Espero que o Supremo veja o erro que cometeu. Classifico essa decisão toda como um grande mal-entendido", diz.
Comentários de leitores
4 comentários
Responsabilidade dos agentes
J. Ribeiro (Advogado Autônomo - Empresarial)
Não se pode proibir aos agentes públicos a apuração de fatos delituosos, quando indícios houver na atividade empresarial ou profissional dos contribuintes.
Não se trata de um Estado policialesco, que é função e dever do Estado, mas de responsabilidade e ao mesmo tempo respeito as leis e aos contribuintes.
Essa questão poderia ser resolvida pela responsabilização dos agentes quando infundadas as acusações (acusações por razões politicas e/ou ideológicas), de sorte a impor aos agentes públicos mais rigor na apuração dos fatos tido como delituosos, principalmente de natureza tributária, pois geralmente comprováveis por documentos, movimentações financeiras, patrimoniais e operacionais, ainda que triangulares ou por terceiros.
Estado "Policialesco..."
Anibal Oliveira (Consultor)
Em que pese a existência de "sonegadores contumazes" - e não só de ICMS - realmente é um exagero transformar isso em crime. Concordo com o autor, que essa situação quer parecer apenas como uma "manobra" visando criar "ferramenta de opressão" aos contribuintes.
O Estado (União e Município) tem (vários) meios de buscar receber os seus impostos, só que são ineficientes em usar esses recursos e ainda por cima, convenhamos, quando os casos de cobrança "ingressam" na Justiça, saindo das chamadas "instâncias administrativas", ai vem o "famoso" passo de tartaruga da Justiça brasileira, prorrogando, muitas vezes, por anos e anos, a tomada de uma decisão. Então vem um "idéia fabulosa": Vamos disfarçar a nossa incompetência (Fisco e Justiça), e ameaçar prender todo mundo !!
Daqui a pouco vão prender o cidadão que espirrar ou tossir em público, com a justificativa de que é para o bem maior da sociedade, pois procura evitar, assim, a propagação da gripe e dos resfriados...
Assim é o direito
Esclarecedor ou questionador (Delegado de Polícia Federal)
Quando o Supremo julga a situação da prisão após decisão em segunda instância, é uma decisão "que deve ser respeitada, pois afinal é a Corte Suprema interpretando a Constituição"
Aí quando a mesma Corte Suprema entende de forma que contraria os interesses de CERTOS ADVOGADOS, parece ter cometido o própria Supremo, um crime.
A jurisprudência criminal brasileira não para de seguir no caminho de tornar cada vez mais branda a aplicação da lei penal mas, quando surge um entendimento que não se enquadra nessa situação - ou seja, interpretação da lei de forma rígida - as trombetas do apocalipse tocam.
Enfim, voltando à mesma ótica antes exposta, o que foi dito após a decisão sobre a prisão após condenação em segunda instância foi que, em caso de discordância, a solução era mudar o texto da norma vigente.
Agora, o Supremo, o STF, a Suprema Corte, a Corte Máxima, etc. entendeu dessa forma e, assim, há de ser respeitada a a decisão. Quem achar que está errado, que busque a mudança da norma.
Comentários encerrados em 30/01/2020.
A seção de comentários de cada texto é encerrada 7 dias após a data da sua publicação.