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Ministros e OAB repudiam manifestação nazista de ex-secretário do governo

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17 de janeiro de 2020, 12h47

O vídeo que ocasionou a queda do secretário de Cultura do governo, Roberto Alvim, causou revolta na comunidade jurídica. Ao som de Wagner, o compositor preferido de Hitler, o secretário proferiu um discurso muito semelhante a um pronunciamento do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, sobre arte e nacionalismo.

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Ex-secretário de Cultura Roberto Alvim divulgou vídeo com elementos nazistas
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O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, divulgou uma nota condenando as referências. “Há de se repudiar com toda a veemência a inaceitável agressão que representa a postagem feita pelo secretário de Cultura. É uma ofensa ao povo brasileiro, em especial à comunidade judaica”, sinalizou.

Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que “a riqueza da manifestação cultural repele o dirigismo autoritário nacionalista. A arte é, na sua essência, transformadora e transgressora. O que faz do Brasil um país grandioso é a força da sua cultura, fruto de um povo profundamente miscigenado e diversificado”.

Otávio Luiz Rodrigues, conselheiro do CNMP e colunista da ConJur, apontou ainda um outro elemento do vídeo que torna a ofensa mais surreal. "A estética e o discurso evocam o nazismo e o regime colaboracionista de Vichy. Esse tipo de manifestação deve ser repudiada por todos, independentemente de coloração ideológica. Ele usou a Cruz de Lorena, que foi o símbolo da França Livre de Charles de Gaulle, alguém que combateu corajosamente esse tipo de discurso e de ação. O Brasil lutou contra isso em 1944-1945 e deve continuar a fazê-lo hoje."

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil divulgou uma nota pública em que lembra que "o nazismo – que resultou no Holocausto, com o assassinato de milhões de judeus – foi uma das piores passagens da história da humanidade e jamais pode ser utilizado como forma de pensamento, referência ou argumento de qualquer governante em nosso país, o que inclusive constitui crime previsto na Lei 7.716/1989".

No texto, a OAB ainda afirma que "a cultura brasileira, uma das mais ricas e plurais do planeta, que tem suas diretrizes insculpidas no Art. 215 da Constituição Federal, não pode conviver com quem tem pensamento vinculado ao passado sombrio da história da humanidade, razão pela qual se mostra inadmissível e insustentável a permanência do referido secretário no cargo de tamanho relevo para a nossa sociedade".

Leia abaixo a nota da OAB na íntegra: 

A Diretoria do Conselho Federal da OAB vem manifestar total repúdio e indignação com a fala do secretário da Cultura, Roberto Alvim, que publicou manifestação reproduzindo com absoluta – e pensada – similaridade o discurso nazista de Joseph Goebbels.

O Nazismo – que resultou no Holocausto, com o assassinato de milhões de judeus – foi uma das piores passagens da história da humanidade e jamais pode ser utilizado como forma de pensamento, referência ou argumento de qualquer governante em nosso país, o que inclusive constitui crime previsto na Lei 7.716/1989.

A fala reproduzida pelo secretário de Cultura evoca referências claras a uma pessoa que promoveu o genocídio, a divisão racial e tantos outros crimes. Diante do ocorrido, a manutenção do referido secretário em cargo de tamanha importância é absolutamente inaceitável.

A cultura brasileira, uma das mais ricas e plurais do planeta, que tem suas diretrizes insculpidas no Art. 215 da Constituição Federal, não pode conviver com quem tem pensamento vinculado ao passado sombrio da história da humanidade, razão pela qual se mostra inadmissível e insustentável a permanência do referido secretário no cargo de tamanho relevo para a nossa sociedade.

A Ordem dos Advogados do Brasil, legítima defensora da democracia, das liberdades e da sociedade, entende como necessária a adoção de todas medidas para a retratação pública do mencionado secretário e a sua substituição imediata por quem efetivamente demonstre consciência do papel da cultura e da democracia em nossa sociedade, sem flertar com falas ou pensamentos que são combatidos por todas as pessoas independente de raça, credo, cor ou ideologia.

Belisário dos Santos Jr., presidente da Comissão de Direitos Humanos do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), disse por meio de nota que "a eventual legitimidade que deriva das urnas não dá aos governantes nem a seus prepostos o direito de esquecer os deveres como agentes públicos e servirem a práticas de intolerância ou a discursos de ódio".

"Foi anunciada sua demissão. Mas, que fique a lição. Condutas que relembram práticas ou discursos autoritários de quem patrocinou atrocidades recentes ou remotas não devem ser e não serão aceitas pela sociedade civil brasileira ou pela comunidade internacional."

Já o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que a "única ideologia política admissível no Brasil é a democracia participativa que tem como princípio fundante a liberdade de expressão". "Ideias nazifascistas são totalitárias e destroem a democracia, daí por que, nesta excepcionalidade, a liberdade de expressão pode ser relativizada, consoante o paradoxo da tolerância de Karl Popper."

"Plagiar Goebbels, sem citar o nome dele, utilizando trechos de um conhecido discurso, já não caracteriza o que para o famoso caso Ellwanger (HC 82.424) significa discurso de ódio e não liberdade de expressão? E, mais, dado o cargo, o ônus argumentativo não seria ainda maior em razão da posição que ele ocupa?  No caso do secretário, é o governo brasileiro que assume o discurso de Goebbels no lançamento de uma politica pública. Pois, se entre os critérios vier expressamente a exclusão de manifestações culturais em benefício de outras, aí não há muita dúvida de que se trataria de racismo, porque, de plano, culturas estariam sendo excluídas do processo. Portanto não é desarrazoado pensar no artigo 20 da Lei do Racismo, a partir do precedente Ellwanger", disse o jurista Lenio Streck, lembrando de uma jurisprudência do STF em 2004.

Revolta na política
Um dos primeiros a se pronunciar tinha sido o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. “O secretário da Cultura passou de todos os limites. É inaceitável. O governo brasileiro deveria afastá-lo urgente do cargo”, pontuou. O presidente do Senado, David Alcolumbre também condenou o fato. É inadmissível termos representantes com esse tipo de pensamento. E, pior ainda: que se valha do cargo que ocupa para explicitar simpatia pela ideologia nazista e, absurdo dos absurdos, repita ideias do ministro da Informação de Adolf Hitler, que infligiu o maior flagelo à humanidade”, comentou.

Marcos Pereira, vice-presidente da Câmara, também criticou a postura posterior do secretário, que "inadvertidamente ou consciente dos seus atos, ainda acusou a "esquerda" ao afirmar que essa "associação remota" é uma "falácia", e que trata-se apenas de uma "coincidência retórica"."

"Tornou-se lugar comum acusar a esquerda dos atos espúrios cometidos por quem quer que seja, dentro do governo ou fora dele. Nessa disputa estúpida de discursos vazios, ausente de razoabilidade, quem perde é o povo brasileiro. O nazismo com todo seu mal nunca deve ser esquecido, não para ser celebrado, mas para nunca mais ser praticado no mundo", disse o deputado em nota.

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