Senso Incomum

PEC alija professores do STF, as katchangas... e de tédio não se morre

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16 de janeiro de 2020, 8h00

Spacca
Escrevi há dias mostrando que o juiz de garantias é “bem constitucional” (ler aqui), dizendo, inclusive, que há um fenômeno novo no direito brasileiro: o neoinconstitucionalismo. Se com o neoconstitucionalismo tudo virava “coisa constitucionalizada” e “pamprincipiológica”, agora, porque interessa a alguns setores, tudo se transforma em inconstitucionalidade. É o caso do juiz de garantias.

Diz-se que o JG é uma “questão de competência” e que fere o juiz natural. Logo, não poderia ser criado como foi. Ora, digo eu, trata-se apenas de mais uma função que um juiz deve assumir. Assim como tem o juiz do júri, terá o JG. Ou alguém pensou que o JG seria algo novo, que exigiria um (estranho) concurso público específico?

Como bem reclama Jacinto Coutinho, de competência se sabe pouco no Brasil. E de competência funcional menos ainda. E isso é falta de se saber o que é o juiz natural. Dizendo de novo: não se criou, com o JG, nada de competência com ele. Por sinal, a doutrina e os professores com algum estudo sempre falaram de competência funcional em face do objeto do juízo (Figueiredo Dias, por exemplo).

Portanto, creio que o assunto juiz de garantias está bem encaminhado. Já há grupos expressivos de juízes e tribunais apoiando a medida. Penso que o Supremo Tribunal não terá maiores dificuldades em atingir uma boa maioria e rejeitar a ADI da AMB.

Mientras, ocorreu o episódio “Porta dos Fundos”. O desembargador do Rio de Janeiro achou que poderia ditar o que seria bom ou ruim para a moral dos brasileiros. Inclusive, segundo disse, deu a liminar suspendendo a veiculação do filme para “acalmar os ânimos”. Pois o que ele conseguiu foi uma saraivada de críticas.

Sim, porque sua decisão foi uma autêntica katchanga real. Tirou um argumento da manga do colete e fez como o personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho: deu à Constituição o sentido que quis. No livro de Lewis Carrol, o personagem diz que Alice poderia ter 364 desaniversários em vez de um. Contestado, respondeu: pode sim, porque eu dou às palavras o sentido que quero. Eis, esculpido em carrara, o caso Porta dos Fundos. Nada mais há a dizer.

Por outro lado, o juiz federal encarregado de apreciar a denúncia oferecida pelo MPF contra o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, com pedido de afastamento, rejeitou-a. Olimpicamente. O ministro Sérgio Moro não gostou da decisão. Disse esperar que o Ministério Público recorra. Fê-lo como se fosse chefe da instituição, situação bem-apanhada pela defesa de Santa Cruz, advogado Kakay, quem divulgou nota alertando para essa conjuminância de sedizente vítima com a de ministro da justiça de todos os brasileiros.

Ao mesmo tempo, há episódios de duas juízas que protagonizaram coisas que parecem querer inaugurar a nova lei do abuso de autoridade: uma, de Minas, esculachou o advogado (aqui); outra, no DF, foi mais longe e prendeu o causídico (ler aqui).

Também um juiz de Minas Gerais mostrou descontentamento com a nova lei do abuso, citando Cowboy fora da lei (aqui). Bom, com essa doutrina facilitada e resumida que campeia, Raulzito até dá de dez. Embora a citação esteja na contramão do pensamento do autor.

Sem esquecer que uma juíza do Rio de Janeiro pediu interprete da antiga URSS em um processo.  Por causa da língua russa. Entenderam? Não há, mesmo, tédio no Brasil.

E leio que a música We Are the World vira clássico no direito. Não sei por qual razão, mas virou. Talvez porque facilita o coral (ler aqui). Veja-se que até nisso os juristas são bregas. E com pouca sofisticação musical. Um hermeneuta não elegeria essa música e nem aconselharia fazer coral.

E ainda por cima um deputado quer acabar com a coisa julgada. Como onomaturgo pós-moderno, leu o que três professores de direito escreveram e creu. O próximo projeto é proibir enchentes.

Como falei, de tédio ninguém morre no Brasil. O Senador Lasier Martins, junto com o senador Anastasia, propõem uma PEC pela qual a nomeação de ministros do Supremo Tribunal seja modificada, assim como termina com a vitaliciedade. O mandato será de 10 anos. E será feita uma comissão composta pelo Presidente do STF, PGR, Presidentes dos TCU, STJ, TST, TSM e OAB. Eles farão lista tríplice, da qual o Presidente da República escolhe um. Interessante é que o Sen. Lasier, que não dá bola para cláusula pétrea, admite que é cláusula imodificável a nomeação de ministro pelo Presidente da República; o senador tem um conceito seletivo de cláusula pétrea).

Segundo a PEC, para ser ministro, é necessário ter experiencia de atividade jurídica de 15 anos. Pena, não? Professores de direito, ao que se vê, ficarão de fora. De novo. A PEC vai piorar o que está ruim. Será um STF formado por juízes, MP, eventualmente um conselheiro do TCU e advogados. Provavelmente farão um rodízio. Já fico imaginando o lobbie. E como será a candidatura? Milhares mandarão curriculum. E o Conselhão terá que delegar para assessores fazerem a triagem. Não vai ser fácil.

Mas, como a PEC ainda está sendo discutida e este é um país corporativista, penso que esse colegiado irá aumentar (e muito), com a inclusão do Defensor Geral, do Chefe da Polícia, do AGU, dos policiais civis, dos procuradores dos estados, dos fiscais da receita, da CGU…e vai ficar bem grande. Pago para ver.

Isso que nem falei das PECs da prisão em segunda instância. E nem das ADIs da lei do abuso.

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