MP no Debate

A integridade (ou a falta dela) nossa de cada dia

Autor

  • Roberto Livianu

    é procurador de Justiça em São Paulo doutor em Direito pela USP presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e ex-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático.

13 de janeiro de 2020, 8h00

Spacca
Na ordem do dia, a temática anticorrupção é logo associada pelas pessoas a fraudes e desvios no campo público. No entanto, é conhecido o caráter bilateral deste delito, além do que geralmente o ato corrupto envolve também personagens do mundo privado.

Mesmo assim, até hoje não existe em nosso ordenamento a figura penal do delito de corrupção privada, proposta em mais de um projeto de modificação do Código Penal. Hoje, tais atos são punidos criminalmente por meio de outros tipos penais, que acabam funcionando como subsidiários, como a apropriação indébita, furto ou estelionato.

Mesmo assim, desde 2013, com o advento da Lei 12846,  vem se falando cada vez mais a respeito do compliance como um universo de conceitos voltado para a integridade de empresas e outras organizações.

Conforme reportagem do Valor Econômico publicada em 6/1, o Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC) aplicou um teste  chamado Potencial de Integridade Resiliente (PIR) em 2.435 profissionais de 24 empresas, que foram submetidos a um extenso questionário que simula dilemas éticos e expõe o entrevistado a diferentes situações de corrupção, apropriação indevida e fraudes.

Quase metade (46%) das pessoas submetidas a teste de integridade demonstra ter tendência a sucumbir a desvios ou a não denunciar colegas que desviam bens da empresa e 48% manipulariam ou aceitariam que colegas manipulassem relatórios de despesas pagas pela companhia com o intuito de ganhar algo a mais. Ou seja, praticamente metade das pessoas ouvidas aceitariam, por exemplo, receber reembolso de R$500,00 mediante recibo forjado, quando, na verdade gastaram R$100,00 numa refeição.

Além disto, 2/3 (66%) demonstraram ter tendência a realizar pagamentos indevidos para beneficiar fornecedores. Esta seria praticamente a versão privada do ato de improbidade administrativa em que se pagam valores superfaturados a contratados pelo Estado ou em decorrência de licitação indevidamente dispensada ou dirigida mediante cláusulas no edital para beneficiar determinadas empresas.

Ainda, a pesquisa aponta que apenas 29% dos ouvidos percebem que pagamentos indevidos a terceiros são uma modalidade de fraude. No mundo público, esquemas institucionalizados de contratação ilegal de assessores parlamentares, remunerados por dinheiro público, com prévia combinação de devolução de parte dos vencimentos diretamente ao parlamentar ou a pessoas agindo a seu mando usando-se o termo denominador suave e simpático de “rachadinha” como se fossem práticas irrelevantes e de pequeno impacto lesivo ao patrimônio público.

Ou seja, se perguntamos genericamente às pessoas se são favoráveis ou não à corrupção, unanimemente de forma genérica dirão que não. Mas quando a segunda pergunta for: você aceitaria uma “rachadinha” de R$10.000, 00 por mês, não se repetirá infelizmente a negação, que aconteceria na Nova Zelândia, na Dinamarca ou na Suécia (países apontados como muito íntegros no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional).

Ou seja, a triste realidade é que os brasileiros são contrários aos atos corruptos. DOS OUTROS.  Mas se deles se beneficiarem, deixam de sê-lo. E, coerentemente, muitos destes mesmos brasileiros educam seus filhos para serem os mais espertos, e não, os mais íntegros.

O Ministério Público tem o papel e o dever de investigar fraudes. A Justiça de julgar. Mas, por mais que isto seja feito, em diversos  momentos tem-se a nítida sensação de que se está enxugando gelo

Os números da pesquisa, que são extremamente alarmantes, mostram o quanto são naturalizadas as práticas corruptas no mundo privado empresarial, não discrepantes das práticas na esfera pública, onde se inclui a política, cujos protagonistas são levados ao poder justamente por indivíduos do mundo privado (representantes podendo ser reflexo dos representados).

Mudar este estado de coisas exige um reposicionamento amplo, geral e irrestrito na direção da integridade por parte de cada um de nós. Nas escolhas eleitorais, na fiscalização imprescindível do exercício do mandato, na conduta privada do dia-dia, no exercício do poder político, na elaboração urgente de novas regras preventivas e implantação efetiva de duros programas de compliance em organismos privados e públicos, que diminuam os riscos de práticas fraudulentas e corruptas, na luta pela aplicação rigorosa da lei para que não prevaleça a impunidade. Tarefas dificílimas diante da nossa complexa realidade.

Autores

  • é procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito pela USP, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, ex-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático e comentarista do Jornal da Cultura.

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