Opinião

Nulidade do acórdão do TRT por ausência de juntada do voto vencido

Autor

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

10 de janeiro de 2020, 7h01

Spacca
A ausência de juntada no corpo do acórdão das razões do voto vencido pode ensejar o acolhimento da nulidade dos atos procedimentais a partir da publicação da decisão que deixou de declará-lo e considerá-lo como parte integrante da decisão colegiada. E, sendo essa nulidade reconhecida no âmbito da corte superior trabalhista, haverá a devolução dos autos para o tribunal “a quo”, para que seja sanada a nulidade, inclusive com restituição de prazo às partes para interposição de novo recurso de revista.

Nesse sentido, vem se posicionando a jurisprudência do colendo Tribunal Superior do Trabalho que, em mais de uma oportunidade, já decidiu pela necessidade de juntada do voto vencido como parte integrante da fundamentação do acórdão.[1]

Com efeito, o Código Processual Civil de 2015, por meio dos artigos 929 a 946, regulamenta o procedimento a ser observado no julgamento dos processos nos tribunais e, ao dispor sobre detalhes antes tratados somente em regimentos internos, rege a temática em comento de maneira mais ampla do que no sistema processual anterior (CPC/73).

Pois bem, de acordo com o princípio aplicável ao julgamento dos processos nos tribunais, via de regra, os recursos devem ser apreciados de forma colegiada, por representar expressão e desdobramento do princípio da ampla defesa. Trata-se, em síntese, do princípio da colegialidade das decisões dos tribunais, o qual se concretiza através do julgamento por um grupo de magistrados que expressam suas opiniões por meio do acórdão.

Nesse sentido, constitui-se o acórdão, como é sabido, a decisão do órgão colegiado de determinado tribunal. Assim, uma câmara, turma, órgão especial, seção ou plenário, todos emanam a conclusão a que chegaram por meio dos seus respectivos votos.

Consoante prevê o artigo 205 do Código Processual Civil de 2015, os acórdãos, assim como, os despachos, as decisões e as sentenças, serão datados e assinados pelos juízes, além de, no caso do acórdão, ser publicada sua ementa no Diário de Justiça Eletrônico.

Sucede que, no caso de votação não unânime, ou seja, quando há entendimento divergente, mesmo que proveniente de apenas um dos membros do colegiado, esse denominado voto vencido deverá integrar o acórdão.

Nesse sentido, o parágrafo 3º do artigo 941 do novo diploma processual civil determina que o voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento. A norma tem por escopo garantir tanto às partes, quanto à comunidade jurídica e à sociedade de forma ampla, o conhecimento integral do debate anterior ao julgamento. Nesse aspecto, a ausência de juntada do voto vencido representa violação à norma processual que a garante — qual seja, o artigo 941, parágrafo 3º, do novo diploma processual civil.

Sob o ponto de vista de garantia às partes, o conhecimento do voto vencido permite o pleno exercício da ampla defesa. Já quanto aos objetivos de informar a sociedade e à comunidade jurídica, confere o voto vencido a esses autores tanto o poder de controlar a atividade jurisdicional, como ampliar a discussão sobre eventual tendência de alteração da jurisprudência.

É cediço que o voto vencido não é o responsável pela fixação da ratio decidendi da decisão dominante. Contudo, permitirá à comunidade jurídica conhecer os argumentos opostos à tese prevalecente, os quais podem indicar futura alteração do entendimento acerca da matéria.

Valoriza-se por todos os ângulos, assim, a divergência, inerente ao julgamento emanado pelo órgão colegiado, e que se traduz, em último análise, em respeito ao Estado Democrático de Direito que também deve nortear os nossos tribunais e cortes de Justiça.

Outrossim, o parágrafo 3º do artigo 941 do CPC concretiza o dever de fundamentação das decisões judiciais constante do comando inserto no artigo 93, IX, da Constituição Federal de 1988.[2]

Em contrapartida, é imperioso atentar-se a um requisito técnico extremamente relevante — ao menos na opinião deste autor — para que ocorra o reconhecimento da nulidade do acórdão pelo TST, qual seja, a manifestação da parte interessada, via embargos declaratórios, com o pleito para juntada do voto vencido (g.n.).

De se ver que essa postura é medida imperativa a ser observada pela parte prejudicada, uma vez que, ao não se utilizar de instrumento processual próprio (embargos de declaração) para a solução da omissão havida na decisão — que deixou de juntar o voto vencido no acórdão —, ensejará em nossa opinião a incidência da preclusão.

Acontece, porém, que, nos termos do parágrafo 3º do artigo 941, in fine, do CPC/2015, o voto vencido destina-se inclusive para fins de prequestionamento, requisito de admissibilidade necessário ao conhecimento do próprio recurso de revista pelo Tribunal Superior do Trabalho. Aliás, essa determinação se harmoniza com os preceitos estabelecidos pela sistemática processual trabalhista trazida por meio da Lei 13.015/2014, no sentido de ser ônus da parte a transcrição de todos os trechos do acórdão atacado que demonstrem a amplitude do prequestionamento da matéria, e, ainda, apresentar impugnação específica declinando analiticamente o porquê a revista deve ser conhecida.

Bem por isso, ao contrário do que ocorre com o recurso ordinário, cujo efeito devolutivo é amplo[3], o recurso de revista tem devolução restrita, motivo pelo qual a nova sistemática recursal trabalhista impõe à parte o ônus de demonstrar o prequestionamento desejado por meio de teses jurídicas e premissas fático-probatórias constantes, inclusive, no voto vencido, a fim de permitir à parte recorrente a oportunidade de buscar enquadramento jurídico diverso daquele emitido pelo voto vencedor na análise da matéria, já que houve divergência de entendimento pelo órgão colegiado de segunda instância.

Há quem entenda, entretanto, como pressuposto do reconhecimento da nulidade, a demonstração de efetivo prejuízo pela parte no que tange ao prequestionamento. Para esse entendimento, com o qual discordamos em parte, não se aplicando ao recurso ordinário o requisito de prequestionamento, a ausência das razões do voto vencido constituir-se-ia em mera irregularidade.

Todavia, o novel parágrafo 3º do artigo 941 do CPC não aponta ressalva para sua aplicação. Ao contrário, ao utilizar a expressão “inclusive de prequestionamento”, em sua parte final, tão-somente amplia a obrigatoriedade de observância da norma processual, e não a restringe apenas para os casos de prequestionamento.

Logo, o novo Código de Processo Civil não exige a juntada do voto vencido apenas às situações em que o prequestionamento se faz necessário, como medida a evitar prejuízos às partes litigantes; pelo contrário, com finalidades endo e extraprocessuais, isto é, com funções para a sociedade, comunidade jurídica e para as partes, o diploma processual civil de 2015 torna clara a relevância da juntada das razões do voto vencido.

Não por outra razão que o artigo 168, caput e inciso III, do Regimento Interno do TST, é claro ao asseverar que são elementos essenciais do acordão, entre outros, “a fundamentação vencedora e, igualmente, o voto vencido" (g.n.). Logo, considerando-se o teor do Regimento Interno da própria corte superior trabalhista, que deve servir de paradigma para os demais Tribunais Regionais do Trabalho, infere-se consistir em exigência legal a necessidade a juntada do voto vencido como parte integrante da fundamentação do acórdão.

Sob essa ótica, aliás, leciona Marinoni que “o voto dissidente objetiva demonstrar o equívoco da ratio decidendi, tornado a questão de direito ‘suspensa’, ou melhor, num ambiente em que a comunidade jurídica se mantém estimulada a discuti-la”. E, em seguida, arremata: “A apresentação de argumentos destinados a invalidar a ratio decidendi, portanto, tem a importância de conferir à ‘falta de unanimidade’ o poder de alçar a questão para a discussão da comunidade, evitando que ela fique submersa ou quase invisível, como se a ratio houvesse sido amparada pela unanimidade dos votos” (Julgamento nas cortes supremas: precedentes e decisão do recurso diante do novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 41-42).

Na mesma linha, a posição de Osmar Mendes Paixão Côrtes sobre a regra do parágrafo 3º do artigo 941 do CPC:

Prequestionamento e voto vencido: Grande inovação do novo CPC está no parágrafo 3º. Não havia, no CPC de 1973, a obrigação de que o voto vencido necessariamente seja declarado e integre o acórdão. No novo CPC há. E é muito importante que sejam consignados os fundamentos do voto vencido, notadamente considerando o preenchimento do requisito do prequestionamento. De se lembrar que o prequestionamento é a apreciação da tese pela decisão e se faz necessário em razão do cabimento dos recursos de natureza extraordinária – para se verificar se uma decisão, por exemplo, violou determinado dispositivo legal ou divergiu de outra, essencial que a matéria a ser objeto do recurso tenha sido apreciada. A integração necessária do acórdão também pelo voto vencido, para o fim de preenchimento do requisito do prequestionamento, facilita a recorribilidade extraordinária. E a não juntada de voto vencido, com os seus fundamentos explicitados, considerando a expressa determinação legal, será causa de nulidade do julgado.[4]

Há de ser destacada, ainda, a importante função atribuída pelo CPC/15 ao(s) voto(s) vencido(s), especialmente em um sistema de precedentes obrigatórios, assim descrita por Fredie Didier:

a) Ao se incorporar ao acórdão, o voto vencido agrega a argumentação e as teses contrárias àquela que restou vencedora; isso ajuda no desenvolvimento judicial do Direito, ao estabelecer uma pauta a partir da qual se poderá identificar, no futuro, a viabilidade de superação do precedente (artigo 489, parágrafo 1º, VI, e artigo 927, parágrafos 2º, 3º e 4º, CPC).

b) O voto vencido, por isso, funciona como uma importante diretriz na interpretação da ratio decidendi vencedora: ao se conhecer qual posição se considerou como vencida fica mais fácil compreender, pelo confronto e pelo contraste, qual tese acabou prevalecendo no tribunal. Por isso, o voto vencido ilumina a compreensão da ratio decidendi.

c) Além disso, o voto vencido demonstra a possibilidade de a tese vencedora ser revista mais rapidamente, antes mesmo de a ela ser agregada qualquer eficácia vinculante, o que pode fragilizar a base da confiança, pressuposto fático indispensável à incidência do princípio da proteção da confiança (…). O voto vencido mantém a questão em debate, estimulando a comunidade jurídica a discuti-la.

d) Note, ainda, que a inclusão do voto vencido no acórdão ratifica regra imprescindível ao microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios: a necessidade de o acórdão do julgamento de casos repetitivos reproduzir a íntegra de todos os argumentos contrários e favoráveis à tese discutida (artigos 984, parágrafo 2º, e 1.038, parágrafo 3º, CPC).

A fundamentação, com o acréscimo do voto vencido, cumpre, então, esse novo e importante papel.

É possível identificar duas espécies de voto vencido.

Uma primeira espécie de voto vencido é a do simples voto contrário, “sem qualquer preocupação em evidenciar que a ratio decidendi ou os fundamento majoritário e concorrente estão equivocados ou não podem prevalecer”. Esse voto acaba não tendo muita relevância, pois é uma simples manifestação de que o julgador não está de acordo com o resultado da decisão.

Uma segunda espécie de voto vencido é o que dialoga com o posicionamento majoritário, para demonstrar o equívoco da ratio decidendi vencedora. Esse tipo de voto vencido, que é o relevante em um sistema de precedentes, 'tem a importância de conferir à ‘falta de unanimidade’ o poder de alçar a questão para a discussão da comunidade, evitando que ela fique submersa ou quase invisível, como se a ratio houvesse sido amparada pela unanimidade dos votos’”.[5]

A par de todo exposto, pode-se afirmar que a ausência de juntada do voto vencido constitui error in procedendo, concernente à lavratura e publicação do acórdão, por não conter a totalidade dos votos exarados, passível de nulidade.

Neste cenário, não se está defendo aqui a mácula do resultado do julgamento pelo tribunal; ao revés, por não conter a totalidade dos votos do colegiado, o acórdão pode vir a ser declarado nulo, caso haja a oposição de embargos de declaração, devendo nesse caso, para se evitar a referida nulidade, ser republicado, com a consequente reabertura de prazo para a interposição do recurso de revista pelas partes litigantes.

Entrementes, como o escopo primordial desta nova coluna que se inicia no dia de hoje é auxiliar os advogados, em termos práticos, a melhor conhecerem a jurisprudência que vem sendo construída pela corte de vértice do Poder Judiciário Trabalhista, recomenda-se a oposição dos aclaratórios em casos de julgamentos não unânimes pelos Tribunais Regionais do Trabalho, e, caso o voto vencido não seja juntado aos autos, a elaboração de recurso de revista dirigido ao TST pugnando pela nulidade do acórdão.

Em arremate, essa inclusive foi a recente decisão exarada pelos ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, em voto de relatoria da ministra Maria Helena Mallmann, acolhendo os fundamentos do voto-vista do ministro Alexandre Agra Belmonte nos autos do processo (TST-RO-7956-69.2016.5.15.0000), no sentido de que, “independentemente da demonstração de prejuízo, padece de nulidade a decisão colegiada tomada por maioria quando ausente as razões de voto vencido”. 

[1] RR 10319-17.2016.5.03.0112, relator ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, data de julgamento: 21/08/2019, 7ª Turma, data de publicação: DEJT 30/08/2019; RR 1230-90.2016.5.21.0007, relatora desembargadora convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, data de publicação: DEJT 30/11/2018; ARR – 479-95.2016.5.06.0371, relatora ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, data de publicação: DEJT 23/03/2018; AgR-E-ED-ARR 672-13.2014.5.10.0002, relator ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, data de publicação: DEJT 15/06/2018; AgR-E-ED-RR 508-57.2012.5.04.0205, relator ministro: Hugo Carlos Scheuermann, data de julgamento: 28/09/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, data de publicação: DEJT 06/10/2017.

[2] Constituição, artigo 93, IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

[3] É o que preconiza o artigo 1.013, parágrafo 1º, do CPC/2015, e a Súmula 393, I, do TST.

[4] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al (Coord.). Breves Comentários ao Código de Processo Civil – 3ª ed. São Paulo: E. Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.338.

[5] Curso de Direito Processual Civil. V. 3. 15ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2018. p. 47.

Autores

  • Brave

    é professor de Direito do Trabalho em cursos jurídicos e de pós-graduação (ESA, FADI, EPD, Damásio, Kroton e FMU). Especialista nos cursos da “Advocacia Trabalhista nos TRTs” e no “Recurso de Revista”. Palestrante e instrutor de treinamentos corporativos e “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos. Autor de obras e artigos jurídicos.

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