Limite penal

Como se procede o arquivamento no novo modelo do CPP

Autores

  • Aury Lopes Jr.

    é advogado doutor em Direito Processual Penal professor titular no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

10 de janeiro de 2020, 8h44

Spacca
Novidade: o duplo regime do arquivamento. A nova redação do artigo 28 do CPP (Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei), altera significativamente o processamento de investigações, dado que agora devem ser arquivadas no âmbito do Ministério Público, sem a intervenção do Juiz, na linha acusatória. Não há mais espaço para homologação judicial do arquivamento, dado que tudo se resolve na esfera ministerial, especialmente as comunicações — vítima, investigado e autoridade investigante, inclusive nos casos de Foro de Prorrogativa de Função. A vítima, uma vez notificada, terá o prazo processual de 30 (trinta) dias para manejar recurso contra o arquivamento (CPP, artigo 28, § 1º), sendo que no caso de crimes praticados em detrimento de entes públicos, a revisão cabe ao chefe do órgão a quem couber a representação judicial (CPP, art. 28, § 2º).

Então o arquivamento deve se dar em duas fases:

a) primeira fase: o representante do Ministério Público emite manifestação pelo arquivamento, comunica formalmente vítima e investigados, quando existentes, advertindo expressamente da possibilidade recursal em 30 dias (prazo que se conta da respectiva intimação e não da juntada ao autos, na linha do art. 798, do CPP);

b) segunda fase: Efetivadas as comunicações formais, ausente pedido voluntário de revisão da vítima (ou seu representante), investigado ou autoridade investigadora, devidamente certificado o prazo, sobem os autos para homologação do arquivamento pelo órgão competente da Instituição do Ministério Público que pode confirmar ou divergir, total ou parcialmente, caso em que será designado novo membro do Ministério Público para o exercício da ação penal.

Em caso de manutenção do arquivamento os autos serão arquivados na estrutura administrativa do próprio Ministério Público, com comunicação ao Juiz das Garantias (CPP, artigo 3º-B, IV) para respectiva baixa do controle. Estabeleceu-se um regime de controle das investigações junto ao Juiz das Garantias, o qual deverá ser comunicado da instauração, andamento e arquivamento das investigações. O efeito do prazo é que somente depois de certificada a ausência de recurso voluntário é que o arquivamento definitivo poderá se operar, com demora mínima de mais de 30 dias, prazo de revisão. Se houver pedido de arquivamento, mesmo sem homologação, deve-se revogar eventual prisão e/ou medida cautelar imediatamente, instando-se o Juiz das Garantias para tanto.

A determinação serve de mecanismo de controle ideológico dos membros do Ministério Público que não poderão mais agir diretamente com o Juiz de primeiro grau. O lado positivo é que exigirá maior esforço de análise do caso, enquanto o lado negativo é o de que diante da revisão obrigatória, tende-se a denunciar mais. Diretamente: no novo contexto é mais fácil denunciar do que arquivar. Caberá ao Juiz das Garantias o papel de avaliar — de uma vez por todas — a pertinência da acusação, motivando (CPP, artigo 315, § 2º) o processamento da ação penal, bem assim trancar investigações quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento (CPP, artigo 3º-B, IX e XII), preferencialmente na via do habeas corpus (CPP, artigo 3º-B, XII), inclusive de ofício.

Controverso é o arquivamento implícito ou tácito que decorre da omissão, por parte do jogador acusador, em relação a condutas, em tese, criminosas ou mesmo à participação de terceiros, já constantes da investigação preliminar. Isso porque, seria da boa técnica, que ao formular denúncia, em manifestação apartada, requeresse o arquivamento das demais peças informativas decorrentes da investigação preliminar. Mas, normalmente, apresenta-se a denúncia e reina o silêncio quanto aos demais elementos. Esse silêncio pode ser entendido como: (a) negligência e/ou incompetência do jogador acusador; (b) manifestação sobre o que é relevante, materializado na denúncia, arquivando-se, implicitamente, o restante dos elementos probatórios. Embora a segunda opção seja a mais lógica, uma vez que se o acusador é um sujeito capaz, deveria ter formalizado a acusação em todos os seus termos, prevalece o entendimento de que não se pode entender arquivamento, salvo o expresso, diante da indisponibilidade da ação pública[1]. A questão a se verificar, em caso de aditamento, é se houve conduta dolosa do acusador, violadora do fair play, já que pode deixar de incluir conduta ou acusado com finalidade tática de duvidosa licitude democrático, diante da boa-fé que deve presidir a atuação do Estado. Além do que, cada vez mais, exige-se investigação madura para o fim do exercício da ação penal, a saber, para fins de exercício da ação penal, a investigação deve estar finalizada e não pela metade.

São as nossas impressões iniciais, já que estamos atualizando o Direito Processual Penal (Saraiva, 2020) e o Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos (EMais Editora, 2020). Muitas repercussões serão demonstradas no contexto do processo penal com estrutura acusatória.

[1]       STF, HC 104.356 (Min. Ricardo Lewandowski): “Independentemente de a identificação do paciente ter ocorrido antes ou depois da primeira denúncia, o fato é que não existe, em nosso ordenamento jurídico processual, qualquer dispositivo legal que preveja a figura do arquivamento implícito (…). Incidência do postulado da indisponibilidade da ação penal pública que decorre do elevado valor dos bens jurídicos que ela tutela”.

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