Opinião

Imposto de Renda e imposto causa mortis no processo de inventário

Autor

  • Sidnei Camargo Marinucci

    é especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários com MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras. É sócio do escritório Rubens Naves Santos Júnior Advogados.

7 de janeiro de 2020, 6h31

Quando se inicia o processo de inventário, uma das perguntas que surge é por quais valores os bens imóveis[1] deixados pelo falecido serão transmitidos aos herdeiros.

A legislação civil é omissa em relação ao valor que deve ser utilizado na transmissão por sucessão, pelo que entendo que os bens podem ser transmitidos pelo “valor de aquisição” ou pelo “valor de mercado”.

Ocorre que a escolha do valor no processo de inventário pode gerar reflexos no imposto de renda e no imposto causa mortis, que será objeto desse artigo.

Isso porque o Imposto de Renda (imposto federal) e o imposto de causa mortis (imposto estadual) possuem leis específicas para suas apurações.

No Imposto de Renda, a Lei federal 9.532/97[2] dispõe que na transferência de propriedade por sucessão, os bens e direitos poderão ser avaliados a “valor de mercado” ou pelo “valor constante na declaração de bens[3]” do falecido.

Referido dispositivo legal dispõe também que se a transmissão ocorrer pelo “valor de mercado”, a diferença a maior entre esse valor e o “valor constante na declaração de bens” estará sujeita ao Imposto de Renda de 15%.

Lembramos que o “valor constante na declaração de bens” deve ser o “custo de aquisição” [4].

Se os herdeiros optarem pelo “valor de mercado”, haverá incidência do IR de 15% sobre a diferença maior que o “valor constante na declaração de bens” [5].

Exemplo:

Valor constante na declaração de bens: R$ 500.000,00

Valor de mercado: R$ 700.000,00

Valor a maior: R$ 200.000,00

Imposto de Renda: R$ 200.000,00 x 15% = R$ 30.000,00

Se os herdeiros optarem pelo “valor constante na declaração de bens”, não haverá incidência do Imposto de Renda.

Mas não é só.

No estado de São Paulo, o imposto causa mortis tem como base de cálculo o “valor venal” [6], que é o “valor de mercado do bem” na data da abertura da sucessão.

O regulamento da lei paulista (Decreto 46.655/02) diz que poderá ser adotado para apuração do imposto causa mortis o “valor venal de referência” do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) divulgado ou utilizado pelo município[7].

Ressaltamos que o Fisco pode apurar o “valor de mercado” por meio de procedimento administrativo, caso discorde do valor atribuído ao bem pelos herdeiros.

Veja que o “valor venal” para fins de apuração do imposto causa mortis não tem qualquer relação com o “valor constante na declaração de bens” para fins de apuração do Imposto de Renda.

Constata-se, desta forma, que a apuração do imposto causa mortis terá como base de cálculo o “valor venal” do IPTU ou o “valor de mercado”, o que for maior.

Exemplo:

Valor venal IPTU: R$ 600.000,00

Valor de mercado: R$ 700.000,00

Imposto causa mortis: R$ 700.000,00 x 4%[8] = R$ 28.000,00

Não é possível optar pelo “valor de mercado” no processo de inventário e o “valor constante na declaração de bens” para fins de apuração do Imposto de Renda e o “valor venal do IPTU” para fins de apuração do imposto causa mortis.

Utilizando dos valores informados nos exemplos acima, chegamos à seguinte conclusão:

Valor utilizado no inventário Imposto de Renda Imposto causa mortis[9] Carga tributária

R$ 500.000,00

 (valor constante na declaração de bens)

Não haverá R$ 600.000,00 x 4% = 24.000,00 R$ 24.000,00

R$ 600.000,00

(valor venal do IPTU)

R$ 100.000,00 x 15% = R$ 15.000,00 R$ 600.000,00 x 4% = 24.000,00 R$ 39.000,00

R$ 700.000,00

(valor de mercado)

R$ 200.000,00 x 15% = R$ 30.000,00 R$ 700.000,00 x 4% = R$ 28.000,00 R$ 58.000,00

Desta forma, é preciso analisar, com cautela, o valor que será utilizado no processo de inventário para não aumentar a carga tributária.

Notas
[1] Não foram incluídos outros bens e direitos em razão das peculiaridades de cada um.

[2] “Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.

§ 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento. (…)”

[3] Valor declarado na ficha de “Bens e Direitos” da Declaração do Imposto sobre a Renda.

[4] A Instrução Normativa SRF 84/2001 dispõe sobre as situações que podem integrar o “custo de aquisição” e a forma de atualização do “custo de aquisição” de bens e direitos adquiridos até 31 de dezembro de 1995.

[5] As Leis 7.713/88 e 11.196/05 preveem algumas reduções, considerando a data de aquisição do imóvel, podendo ser verificadas por meio do programa GCAP da Receita Federal. Aqui pode ser feito um “planejamento tributário” visando recolher menos imposto de renda posteriormente com a alienação dos bens recebidos pelos herdeiros.

[6] Lei estadual 10.705/00

“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

§ 1.º – Considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.”

[7] Há diversas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo reconhecendo a ilegalidade de adotar o “valor venal de referência” do ITBI para fins de apuração do ITCMD. Alguns precedentes: processos 1014991-72.2018.8.26.0344 (2ª Câmara de Direito Público); 1001744-97.2016.8.26.0116 (3ª Câmara de Direito Público); 1013691-28.2014.8.26.0114 (6ª Câmara de Direito Público); 1031203-70.2018.8.26.0506 (13ª Câmara de Direito Público).

[8] Alíquota da Lei 10.705/00 do estado de São Paulo.

[9] Alíquota da Lei 10.705/00 do estado de São Paulo.

Autores

  • é especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, com MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras. É advogado no escritório Rubens Naves, Santos Júnior Advogados.

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