Embargos culturais

Direito e Economia, paradoxos e possibilidades

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

5 de janeiro de 2020, 8h00

Spacca
A aproximação entre direito e economia pode provocar inesperada convergência (ou divergência) entre justiça e eficiência. A tradição crítica e marxista já vinculava esses dois campos epistêmicos, direito e economia, subordinando aquele primeiro a essa última. E há muitas razões práticas que justificariam a opção. O desprezo de alguns economistas para com as sutilezas conceituais do direito, e a aversão de alguns juristas para com o pragmatismo da economia cavaria um fosso. Todos perdem.

Porque a economia é infraestrutura, suas normas determinariam os aspectos da superestrutura, isto é, do direito, da política, da cultura e da ideologia. O direito não passaria de mero reflexo da movimentação econômica. Esse aparente minimalismo conceitual, previsto nos textos do filósofo de Trier, ditaria uma simplicidade explicativa que o antifundacionalismo pós-moderno abominaria.

Quem construiu outra leitura, vinculando direito e economia, foi outro pensador alemão, Max Weber, festejado pela academia norte-americana como o legitimador do capitalismo, no qual identificou a ética calvinista. Já se afirmou que Max Weber salvou o pensamento tradicional norte-americano. Os americanos precisavam de um alemão que justificasse a ética do capitalismo, em contraposição à outro alemão, o próprio Marx, que desnudou formas desumanas de apropriação de mais valia. No mundo da alta cultura e das altas ideias, é lugar comum que o argumento de um alemão deveria ser refutado com o argumento de outro alemão.

A economia perseguiria fins e seria marcada por uma ética a convicção. O direito perseguiria (em princípio) a justiça (que é um conceito por vezes vago e muitas vezes metafísico). A dinâmica do viver honestamente, do não lesar a ninguém e de dar a cada um o que é seu seria o pano de fundo romântico da ordem normativa. Uma ética da responsabilidade caracterizaria o direito. Para os juristas que criticam o pensamento econômico os economistas estariam preocupados com os fins, não se importando com os meios, sem que isso represente, bem entendido, qualquer percepção que nos remeta a um certo diplomata florentino que separou ética e política.

Os juristas já se mostraram mais preocupados com problemas de pormenor, de cunho analítico, a exemplo de antinomias, lacunas e coerência de ordenamentos. Decisões judiciais poderiam desprezar a eficiência econômica, conquanto que os superiores cânones de justiça fossem respeitados. No entanto, dadas as inegáveis e indisfarçáveis relações entre direito e política, percebe-se que o neoliberalismo que se diz triunfante pretenderia impor suas diretrizes à jurisprudência e à legislação. Por isso, entre outros, poderia se pensar uma nova leitura do direito, e a aproximação entre direito e economia fomentaria campo conceitual muito útil.

Nos Estados Unidos, há um movimento – análise econômica do direito, que radica no utilitarismo de Jeremiah Bentham e mais recentemente no pragmatismo de Charles Sander Peirce, de William James e de John Dewey. Identifica-se como herdeiro conceitual do realismo jurídico norte-americano, e consequentemente se aproximaria do pensamento de Oliver Wendell Holmes Júnior, de Roscoe Pound, de Benjamin Natan Cardozo, de Karl Llewellyn, de Jerome Frank, de Louis Brandeis e de Thumann Arnold.

Defendem que o direito deveria ser aplicado a partir de princípios de valor, de utilidade e de eficiência. Para essa linha de pensamento, o direito deveria se pautar na maximização da riqueza. De amplo uso no modelo norte-americano de common law, a análise econômica do direito também poderia ensejar referências no direito brasileiro, ainda tão focado em questões analíticas, que expõem o desgaste de uma retórica tosca e inoperante. No Brasil há muitos estudiosos trabalhando no assunto, a exemplo de Ivo Teixeira Gico Júnior, Gustavo Ferreira Ribeiro, Gustavo Amaral, Bruno Salama, Flávio Galdino, Paulo Caliendo, entre outros.

A base para a decisão de um juiz, numa percepção de aproximação entre direito e economia, deveria ser a relação custo-benefício. O direito só seria prospectivo quando promovesse a maximização das relações econômicas. A maximização da riqueza (wealth maximization) deveria orientar a atuação de qualquer juiz. A decisão não precisa ser justa, precisa ser eficiente.

A análise econômica do direito surgiu em meio ao descontentamento do direito para com um fundamentalismo jurídico que vinha triunfando desde a consagração do iluminismo. Entre as ciências sociais aplicadas, a economia se mostrava como a mais promissora candidata para oferecer respostas corretas para problemas jurídicos, imaginando-se o direito como traído pela filosofia, e traidor da sociologia, embora servo muito bem-comportado da política. Ronald Coase e Guido Calabresi foram os precursores dessa importante linha de pensamento prático, que ganhou muita atenção com Richard Posner, que em 1973 publicou a primeira versão de seu livro The Economic Analysis of Law, ainda não traduzido para o português, parece-me.

A economia é ciência orientada para um mundo no qual os recursos são inferiores aos desejos humanos. Nesse sentido, o homem seria um maximizador de utilização racional. É a visão tradicional. As satisfações são aumentadas na medida em que comportamentos são alterados. De acordo com uma visão soteriológica de mercado, custos informariam opções e os custos sociais diminuiriam a riqueza da sociedade, de tal modo que os custos privados promoveriam uma realocação desses recursos. Quem encontra um tesouro não aumenta a riqueza da sociedade, é o que nos ensinou Richard Posner.

Valor, utilidade e eficiência norteariam escolhas jurídicas. Quando percebemos decisões jurídicas ou métodos normativos como opções, do juiz ou do legislador, conclui-se que essas decisões poderiam se orientar pelos parâmetros de valor, utilidade e eficiência, que podem se distanciar de concepções de justiça, teóricas e contemplativas. Admite-se também que o alcance da economia poderia ser limitado, dado que se centra em valor, utilidade e eficiência. Essa conclusão comprova que o pragmatismo poderia ser ponto comum na relação entre direito e economia.

Temas como demanda e escolha do consumidor, finanças internacionais e mercados de câmbio, custos e ofertas de bens, tomadores de preço, processos de competição, mercado de trabalho, salários, produtividade, mercados de capitais, entre tantos outros, são assuntos que se pautam com intensa produção normativa e jurisprudencial.

Verifica-se presentemente muita movimentação em torno de aproximação entre esses dois campos, reflexo da saturação e do desgaste de um conceitualismo vazio de conteúdo prático, pelo lado do direito, e pela indisfarçável preocupação humanística para com as desigualdades de renda e pobreza consequente, pelo lado da economia.

A aproximação entre direito e economia repudia um mundo imaginário que não transcende à diferenciação entre regras e princípios. Com uma aproximação entre e direito e economia repele-se a metafísica do discurso neoconstitucionalista e apontam-se alternativas para a concepção de um direito marcado por níveis ótimos de eficiência social. Simples, elementar, nada gongórico ou barroco. A tarefa que nosso tempo nos põe, quanto à essa relação equivocada, entre direito e economia, consiste em identificarmos paradoxos e explorarmos possibilidades.

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