Opinião

Como as regtechs podem auxiliar no compliance ambiental e regulatório

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29 de fevereiro de 2020, 6h33

O Congresso Nacional está analisando o Projeto de Lei 5.442/2019, que, se for aprovado, permitirá às empresas que tiverem um programa de conformidade ambiental usufruir de uma série de benefícios, tais como ver atenuadas as suas eventuais sanções administrativas, além de ter maior acesso a fomento e a contratações estatais. Por sua vez, o Ministério da Agricultura pretende apresentar um projeto de lei instituindo os programas de autocontrole, para as empresas comprovem voluntariamente o cumprimento dos padrões regulatórios à fiscalização.

Enfim, a tendência é que essas propostas legislativas promovam uma crescente demanda por serviços de compliance ambiental e regulatório, a qual pode ser satisfeita pelas regtechs (ou regulatory techs), que são empresas voltadas à inovação (startups), especializadas em desenvolver e integrar soluções tecnológicas e aplicativos à operação dos empreendimentos.

De fato, não basta a empresa estar conforme, é preciso ter os elementos de prova para demonstrar que cumpre os padrões e, que foram adotadas todas as medidas ao seu alcance, previstas em documentos de referência, para que se possa desconstituir um auto de infração e evitar uma sanção. E é exatamente isso que a regtech pode fazer.

Aliás, a realidade proporciona uma série de exemplos nos quais empresas foram autuadas, apesar de terem adotado condutas adequadas. No entanto, a circunstância de não terem como comprovar de forma bastante objetiva e assertiva a adoção de boas práticas, dificultou enormemente a defesa perante a fiscalização.

Numa ocasião, por exemplo, uma empresa foi autuada em consequência da destinação final inadequada da vidraria utilizada em seu laboratório, classificada como resíduo perigoso. O órgão ambiental cruzou informações prestadas anualmente em seus cadastros pela empresa e pelo seu respectivo prestador de serviço de destinação final de resíduos e constatou uma inconsistência. Mas, apesar de ter adotado a conduta adequada, a empresa não tinha como comprovar a veracidade do certificado de destinação final, pois não havia monitorado o transporte dos resíduos.

Em outro caso, uma agência de defesa agropecuária encontrou à venda vacinas contra a febre aftosa inadequadas ao uso (com quebra da emulsão). A empresa importadora das vacinas foi autuada e constatou que a loja onde o produto foi encontrado não fazia parte de sua lista oficial de distribuidores. Entretanto, não havia como demonstrar para a fiscalização que, dentro da sua cadeia logística de distribuição, todas as boas práticas de climatização para o transporte de vacinas foram adotadas.

Outro exemplo: uma fabricante de fertilizantes foi autuada porque determinada amostra de produto, coletada pela agência de fiscalização no cliente final, indicou que as características da carga não correspondiam às do registro do produto. Entretanto, sem os recursos tecnológicos apropriados para demonstrar que, enquanto esteve sob sua guarda, não houve manipulação inadequada dos produtos, foi praticamente impossível à fabricante demonstrar que a adulteração não ocorreu sob a sua gestão.

Em um outro episódio, uma empresa recicladora de pneumáticos inservíveis foi convocada a prestar esclarecimentos acerca do suposto desvio e reutilização proibida desses produtos. Apesar de dispor de notas fiscais de transporte e de apresentar comprovantes da destinação final adequada, a empresa não tinha como demonstrar documentalmente que esses documentos se referiam exatamente à mesma operação.

Mas é certo que todos os episódios narrados acima poderiam ter sido facilmente explicados, e as sanções evitadas, se tivessem sido utilizados alguns recursos tecnológicos que estão disponíveis, tais como sensores, com conectividade à internet, que podem ser embarcados em meios de transporte, em embalagens ou ainda nos próprios produtos e resíduos, que possibilitam monitoramento em tempo real, com registro de imagens (foto e vídeo) e georrefenciamento, o que pode ser registrado de forma confiável, em forma de blockchain, e que, ao final e ao cabo, demonstra o compliance às boas práticas técnicas e às normas ambientais e regulatórias.

Essas informações, colhidas e organizadas por soluções tecnológicas, confirmam a veracidade de contratos, notas fiscais, certificados e anotações de responsabilidade técnica, que têm apenas natureza declaratória e que, em conjunto, são essenciais à defesa das empresas, pois podem desconstituir a presunção de veracidade das imputações feitas pela fiscalização.

Em outras palavras, com essas provas, a empresa autuada pode demonstrar que não agiu voluntariamente para causar o problema constatado, isto é, com dolo (intenção de praticar um ilícito) ou culpa (imprudência, imperícia ou negligência). E que, se ocorreu algo inadequado, a sua conduta não contribuiu para o resultado, seja porque fez tudo o que estava ao seu alcance (inexigibilidade de conduta diversa), seja porque ocorreu alguma causa excludente de sua responsabilidade (fato de terceiro, força maior, caso fortuito etc.).

É nesse contexto, portanto, que as regtechs podem atuar de modo muito significativo, prestando esses serviços de integração de tecnologia à operação das empresas, seja por meio de aplicativos em que os agentes membros da cadeia logística de produtos, resíduos, serviços etc. possam inserir dados, seja por meio de plataformas que registram essas informações via blockchain.

De fato, há uma gama enorme de oportunidades para a atuação de profissionais das mais variadas áreas para trabalhar de forma interdisciplinar na modelagem e na arquitetura desses sistemas, os quais podem demonstrar com segurança o compliance ambiental e regulatório das empresas. E isso pode se tornar uma imensa vantagem competitiva.

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