Opinião

A sobrevivência das empresas e os litígios "bet-the-company"

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28 de fevereiro de 2020, 11h24

No atual cenário nacional e internacional de maior regulamentação e intensificação de fiscalizações e investigações, são cada vez mais recorrentes as situações em que empresas são submetidas a litígios que podem ter profundo impacto na sua própria sobrevivência. Os norte-americanos designam a situação como litígios “bet-the-company” — ou em vernáculo, litígios que envolvem uma “aposta” na empresa.

Os litígios “bet-the-company” podem derivar de qualquer medida jurídica que ameace a existência da empresa ou, ainda, a sua principal linha de negócios. Podem derivar de conflitos envolvendo aspectos criminais, regulatórios, ambientais, societários, concorrenciais, ou de credores agressivos, dentre outras hipóteses. Não raramente, essas disputas cruciais podem ocorrer simultaneamente em jurisdições diversas, nacionais e internacionais.

Empresas envolvidas na “Operação Lava Jato” ou em operações similares claramente enfrentam litígios da modalidade “bet-the-company”, seja pelos gastos gerados pelos processos e punições, seja pelo abalo de reputação perante o mercado e perante a opinião pública. Outros exemplos recentes de litígios “bet-the-company” no país dizem respeito a empresas: (a) envolvidas em desastres industriais de larga escala; (b) que tiveram problemas em seus principais produtos por falhas no processo de fabricação ou pela atuação ilícita de seus colaboradores; (c) que enfrentam litígios societários, (d) que enfrentam violação das patentes de seus principais produtos, (e) que têm ameaçada a concessão pública que viabiliza suas atividades e (f) que estão em processo de recuperação judicial.

Em relação a empresas brasileiras com atuação no exterior, os litígios “bet the company” podem, ainda, estar ligados à — discutível — jurisdição extrateritorial exercida pelos Estados Unidos por meio do Foreing Corrupt Pratices Act (FCPA). O FCPA é uma lei norte-americana com implicações cíveis (no âmbito da SEC – Securities and Exchange Commission) e criminais (no âmbito do DOJ – Department of Justice). Suas disposições podem ser aplicadas a empresas brasileiras de capital aberto listadas em bolsas norte-americanas ou que de alguma forma operacionalizem seus negócios a partir do território estanidense e que estejam envolvidas na oferta ou aceite de vantagens indevidas. As punições podem atingir valores bastante elevados. Dois são os eixos centrais dessa lei: a proibição do pagamento de suborno a funcionários públicos estrangeiros e a necessidade de empresas com ações listadas nas bolsas dos Estados Unidos observarem padrões de registros e controles internos.

Empresas brasileiras de diversos setores estão relacionadas a recentes investigações abertas pelas autoridades norte-americanas com base no FCPA e podem gerar novos litígios “bet the company”.

A parte envolvida em um litígio “bet the company”, como demandante ou demandada, necessita de assessoria jurídica que extrapola a porta dos Tribunais ou os autos do processo. É preciso investigar os fatos subjacentes de forma minuciosa e identificar os pontos fortes e fracos da posição da empresa, a fim de desenvolver estratégias jurídicas que deverão ser associadas a medidas de gestão e de comunicação — seja no plano interno, seja para o público em geral.

Por isso, o enfrentamento dos litígios “bet-the-company” recomenda a presença de advogados experientes liderando uma equipe multidisciplinar — com expertise em auditoria, investigação, comunicação, dentre outras. É preciso traçar um plano para sair do ambiente de crise aguda e alterá-lo ao longo da sua implementação, conforme as necessidades venham a se apresentar.

No plano estritamente jurídico, é preciso conciliar a combatividade necessária para enfrentar uma crise jurídica com a capacidade de gerenciamento da situação com os instrumentos previstos em lei, sobretudo naqueles casos em que os resultados de uma investigação interna ou de uma investigação privada indiquem que houve falhas ou até mesmo atos ilícitos imputáveis à empresa. Para estas hipóteses estão disponíveis na legislação soluções negociadas, seja no âmbito das relações privadas, seja no âmbito das relações com o poder público.

Nas relações com o poder público, se bem calculada, a solução para os litígios “bet-the-company” pode envolver a celebração de termo de ajuste de conduta (TACs) ou de acordo de leniência. Este último, previsto na Lei nº 12.846/13, é uma alternativa para evitar a responsabilização administrativa ou judicial da empresa pela prática de atos contra a administração pública nacional ou internacional.

Nos EUA, desde 2003 todos os casos de maior relevância envolvendo o FCPA, aptos a configurar litígios “bet-the-company”, foram encerrados por meio de acordos após a traumática acusação contra a empresa de auditoria Arthur Andersen, que foi à falência pelo abalo reputacional causado pelas acusações — que posteriormente foram consideradas improcedentes pela Suprema Corte daquele país. Há uma assumida política de carrots and sticks por parte das autoridades estadunidenses, que tem por objetivo levar as empresas a cooperar com as autoridades para a elucidação dos delitos, bem como a implantar e desenvolver programas de conformidade e de controles internos (compliance).

Independentemente da adoção ou não da terminologia norte-americana — litígios “bet-the-company” —, como preferimos, na complexidade do mundo moderno litígios complexos podem rapidamente colocar em xeque a própria existência da empresa. A situação exige engajamento e um conjunto de habilidades específicas para enfrentá-la até a superação completa.

Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico, em 28/2/2020

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