Reforma Agrária

Juíza proíbe que Incra desista de desapropriar fazenda no Tocantins

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28 de fevereiro de 2020, 20h15

A insuficiência de dotação orçamentária não pode se sobrepor à efetivação dos direitos fundamentais à moradia, ao trabalho, à alimentação e à função social da propriedade.

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Segundo decisão, insuficiência de dotação orçamentária não pode se sobrepor ao direito ao trabalho e alimentação
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Foi com base nesse entendimento que a juíza Ana Carolina de Sá Cavalcanti, da 1ª Vara Federal Cível e Criminal de Araguaína (TO), proibiu que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) suspenda o processo de desapropriação da Fazenda Vera Cruz/Primavera, no Tocantins. A decisão foi publicada nesta quinta-feira (27/2).

A determinação põe fim a um imbróglio judicial que dura desde 2011. Inicialmente, foi o próprio Incra quem exigiu a desapropriação do local, que em 2016 foi declarado como área de interesse social para fins de reforma agrária. 

A autarquia federal ofertou quase R$ 21 milhões para que a propriedade fosse desapropriada. Desses valor, R$ 14 milhões já tinham sido depositados. 

Em virtude do contingenciamento de recursos orçamentários, o Instituto não pôde pagar o valor integral da indenização. Ainda assim, em um primeiro momento, ele defendeu o prosseguimento da desapropriação, independentemente da soma depositada. O valor restante seria pago futuramente em conta judicial.

Em 2019, no entanto, o Incra acabou por mudar de opinião a respeito do caso, pedindo a suspensão do processo e, consequentemente, da expropriação das terras. O argumento utilizado foi o de que havia indisponibilidade orçamentária para o cumprimento da indenização. 

Segundo a decisão publicada ontem, no entanto, "a limitação orçamentária não pode consubstanciar em indiscutível barreira intransponível para a concretização de direitos das famílias em situação de vulnerabilidade social, acampadas às margens da rodovia e do imóvel". 

Os próprios expropriados compareceram espontaneamente nos autos, por meio de embargos de declaração, manifestando interesse na resolução consensual do conflito e concordando com o valor ofertado.

Sem fundamento legal
O indeferimento do pedido de suspensão atende a uma solicitação do Ministério Público Federal, que considerou sem fundamento legal a mudança de posição do Incra. 

"Essa foi uma das primeiras ações em que o MPF impugnou esse tipo de conduta que passou a ser adotada pela autarquia. No caso da fazenda Vera Cruz/Primavera, trata-se de processo que vem se arrastando já quase uma década, o que gerou uma justa expectativa nas famílias de trabalhadores rurais sem-terra, que aguardam acampadas nas áreas de entorno. Uma situação que também acirra o contexto de conflito agrário", afirma o procurador Thales Cavancanti Neto, da Procuradoria da República em Araguaína. 

Novos rumos
Em 2019, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF) chegou a solicitar que o Incra revogasse ou deixasse de publicar resoluções por meio das quais a autarquia desistia de desapropriar locais de interesse social. A prática se tornou comum a partir de 2019, mesmo em processos como o da Fazenda Vera Cruz/Primavera, que já duravam anos. 

"Essas soluções vêm sendo publicadas ou gestadas sem fundamentação técnica ou atenção às etapas já realizadas, ignorando os recursos despendidos e a realidade dos potenciais beneficiários da reforma agrária, e limitando-se a afirmar genericamente a indisponibilidade orçamentária ou a demora na solução da demanda", disse o PFDC na ocasião. 

Na decisão publicada nesta semana, a juíza declarou o imóvel desapropriado, condenando o Incra a indenizar os expropriados. O valor deverá ser pago por meio de precatórios. 

Clique aqui para ler a decisão
1000103-90.2018.4.01.4301

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