Remédio Heróico

STJ discute limites do Habeas Corpus contemporâneo à apelação

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26 de fevereiro de 2020, 16h19

Está em julgamento no Superior Tribunal de Justiça a admissão de Habeas Corpus quando impetrado de forma contemporânea a apelação que ainda não tenha sido julgada. A discussão aborda a racionalidade do sistema recursal e demonstra um esforço da 3ª Seção da corte em estabelecer limites para o uso do HC, diante da explosão recente do número de recursos.

No caso, réu condenado e preso cautelarmente por falsidade ideológica em documento público e associação criminosa impetrou Habeas Corpus no TJ-SP. O pedido foi de nulidade absoluta da sentença condenatória ou, alternativamente, desclassificação da conduta para falsidade no curso de procedimento licitatório. Em ambos os cenários, reconhecer as ilegalidades apontadas levaria à revogação da prisão cautelar. 

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Ministro Rogério Schietti afetou caso à 3ª Seção devido à relevância

A corte paulista, no entanto, negou pedido de anulação e não conheceu do pedido de desclassificação da conduta, pois o HC impede a análise minuciosa da prova e porque há previsão de recurso específico — a apelação —, inclusive já interposta pelo réu. “O Habeas Corpus não se presta para acelerar o andamento do feito”, apontou. A defesa, então, levou o pedido ao STJ. 

Por conta da relevância, o relator, ministro Rogério Schietti, afetou o caso à 3ª Seção, destacando que pedidos semelhantes são frequentes. Em seu voto, reconheceu a importância do Habeas Corpus quando trata de liberdade de locomoção ou quando a mesma é diretamente afetada por ilegalidade ou abuso de poder. Mas estabeleceu limites.

Para o relator, o HC interposto contemporaneamente a recurso cabível só permitirá exame do que se tratar da direta liberdade de locomoção. E ressaltou que, caso a apelação não tenha sido conhecida, será possível usar do Habeas Corpus para sanar constrangimento ilegal causado pela sentença condenatória. O processo está em vista coletiva, mas já dividiu opiniões.

O ministro Ribeiro Dantas abriu divergência parcial ao entender que há uma possibilidade em que HC contemporâneo a recurso deve ser conhecido: quando a correção de suposta ilegalidade permitir o trancamento da ação penal. O pedido de vista coletivo foi prorrogado pela Seção, e o caso ainda não tem data definida para conclusão.

Extensão dos HCs incomoda ministros
O uso extensivo dos Habeas Corpus é um tema que gera incômodo a muitos ministros. Consultados pelo Anuário da Justiça Brasil 2020, que tem previsão de lançamento para maio, membros da 3ª Seção detalharam as dificuldades de trabalhar em meio à explosão do número de pedidos utilizando HC.

Gustavo Lima/STJ
Ministro Jorge Mussi critica uso extensivo do HC no processo penal

"Hoje, praticamente ninguém maneja recurso explicitado no Código de Processo Penal. Tudo é por Habeas Corpus. Ele serve para trancamento de ação penal, para inépcia da denúncia, para nulidades e aplicação de pena. Todos os pedidos de Habeas Corpus são com liminar", aponta o ministro Jorge Mussi. "Na prática, torna-se quase que inviável o trabalho. Você passa o dia só despachando Habeas Corpus", diz o ministro Sebastião Reis Júnior.

O ministro Schietti relatou a "migração" de pedidos dos advogados, deixando o recurso especial para usar o Habeas Corpus, e cada vez mais cedo ao longo da marcha processual. O resultado é o aumento do número de HCs distribuídos na corte — em 2019, foram julgados 69.228 deles. Embora todas as turmas e seções possam recebe-los, sua incidência ocorre majoritariamente nos colegiados que julgam matéria penal.

"O grande número de Habeas Corpus muitas vezes não permite que a Seção forme precedentes qualificados a partir de recurso especial. Como temos mais de 60% de nossos gabinetes formado por HCs, não conseguimos, muitas vezes, discutir teses que geram o precedente vinculativo", lamenta o ministro Joel Ilan Paciornik.

HC 482.549

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