Opinião

A condenação de empresas em recuperação à multa do artigo 467 da CLT

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24 de fevereiro de 2020, 7h00

Diversas empresas em processo de recuperação judicial têm sido condenadas ao pagamento da multa estipulada no artigo 467 da CLT, que determina um acréscimo condenatório de 50% sobre o valor das verbas incontroversas não pagas na primeira audiência[1]

Para efeitos condenatórios, ignoram os tribunais e juízes singulares o fato de que as empresas em recuperação estariam impossibilitadas de adimplir com suas obrigações incontroversas quando da realização da primeira audiência.

Aqui temos duas situações importantes. A primeira diz respeito ao trabalhador que busca no plano judicial trabalhista a satisfação do seu crédito. A segunda diz respeito à condição financeira e legal da empresa envolvida em um, normalmente, longo e desgastante processo de recuperação.

Do ponto de vista do trabalhador, por óbvio que não se pode atribuir a ele o risco da atividade empresarial. Entretanto, situações excepcionais demandam atitudes igualmente excepcionais.

A própria Constituição Federal permite, por exemplo, a redução salarial nos termos do inciso VI do artigo 7º, da CF, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho em caso de adversidades econômicas.

Não se trata, portanto, de transferência de responsabilidade, mas sim de necessidades urgentes e imprevisíveis, necessárias à manutenção da atividade empresarial e, por conseguinte lógico, do pagamento de todos os credores.  

A Lei 11.101/05, ao cuidar do processo de recuperação, especifica que ela "tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica"[2].

Claro, portanto, o objetivo do legislador ao colocar como escopo da lei a sobrevivência da empresa, até para que esta continue gerando riqueza à sociedade e adimplindo com suas obrigações, inclusive com os créditos trabalhistas.

Agora, ainda que de forma tímida, começam a surgir decisões na Justiça do Trabalho entendendo que a condição de "empresa em recuperação judicial" pode, a depender do marco temporal, excluir a condenação ao pagamento da multa estipulada no artigo 467 da CLT.

Esse, por exemplo, é o caso da recentíssima decisão[3] do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que nos autos do processo nº 00115103020185030144 assim destacou em sua ementa:

MULTA DO ARTIGO 467 DA CLT. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECRETAÇÃO ANTES DA 1ª AUDIÊNCIA REALIZADA NO PROCESSO TRABALHISTA. INDEVIDA. Nos termos do art. 47 da Lei 11.101/2005, a "recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica". Assim, se a 1ª audiência foi realizada no processo do trabalho após a decretação da recuperação judicial da reclamada, não se podia exigir que a mesma quitasse as parcelas rescisórias incontroversas naquela ocasião, já que não detinha mais total coordenação de sua atividade empresarial e poderia ser inviabilizada a manutenção da fonte geradora de emprego e renda, mesmo porque o art. 54 da Lei 11.101/2005 prevê a possibilidade de inclusão dos créditos relativos às verbas rescisórias decorrentes da legislação do trabalho no plano de recuperação judicial. Recurso provido parcialmente para excluir da condenação a multa do art. 467 da CLT. (TRT-3 – RO: 00115103020185030144 0011510-30.2018.5.03.0144, Relator: Rodrigo Ribeiro Bueno, Nona Turma)

Convém notar que o Regional, para fundamentar sua decisão, não exclui a condenação das empresas em processo de recuperação ao pagamento da multa estipulada no artigo 467 da CLT simplesmente por sua condição financeiras fragilizada.

Segundo o entendimento acima destacado, para que deixe de existir condição neste particular, a empresa: a) deve estar em processo de recuperação judicial; b) a primeira audiência no processo trabalhista deve ter sido realizada após a decretação do processo de recuperação.

A empresa recorrente no processo 00115103020185030144, objeto de decisão do Regional, alegou que as multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT eram inaplicáveis ao caso em disputa, pois  a empresa estaria impossibilitada de quitar as verbas rescisórias, por estar em processamento a sua recuperação judicial. Salientou, ainda, que não deixou de pagar as verbas rescisórias de forma voluntária, mas sim porque seu pedido de recuperação judicial a impede de quitar todas as dívidas anteriormente existentes ao pedido, ainda que não vencidas, sob pena de se cometer o crime de favorecimento de credores (artigo 172 da Lei 11.101/05).

O Tribunal da 3ª Região, contudo, deixou claro que a exclusão da multa do artigo 477, no caso analisado, não ocorreu porque o prazo para pagamento do acerto rescisório[4] já havia passado quando do deferimento do processo de recuperação, de modo que ao particular era de se julgar improcedente.  

O fundamento para que o TRT-3 tenha firmado esse entendimento é, em verdade, no mínimo interessante e, ao nosso juízo, totalmente apropriado. Vejamos.

Segundo a decisão ora comentada, "não se podia exigir que a mesma (EMPRESA) quitasse as parcelas rescisórias incontroversas naquela ocasião (1ª AUDIÊNCIA), já que não detinha mais total coordenação de sua atividade empresarial e poderia ser inviabilizada a manutenção da fonte geradora de emprego e renda".

De fato, é a mais pura verdade.

Ao entrar em processo de recuperação judicial, as empresas recuperandas deixam de ter autonomia total e irrestrita para pagar todas as suas contas, surgindo assim as figuras do administrador judicial e do quadro de credores com sua ordem de preferência.

Não surgem à toa.

Normalmente empresas em processo de recuperação apresentam grande passivo trabalhista, de modo que, se tiverem que adimplir com as verbas ditas incontroversas em todos os seus processos, certamente provocariam uma asfixia financeira em empresas que buscam proteção judicial justamente para se recuperar.

Há de se ponderar, ainda, que por boa-fé processual, não basta apenas tornar a matéria controvertida para se fugir da condenação do artigo 467, de modo que, mesmo reconhecendo-se o crédito trabalhista, efetuar o pagamento ao credor reclamante pode ser considerado um favorecimento.

Assim, em que pese isolada, a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, nos autos do processo nº 00115103020185030144, mostra-se um avanço, principalmente do ponto de vista da recuperação da empresa e da tentativa de se conseguir mantê-la em funcionamento.

Sobre a matéria discutida neste Artigo, o entendimento ainda dominante é no sentido de que empresas em recuperação judicial, ao contrário das massas falidas, não se sujeitam às benesses da Súmula 388[5] do Tribunal Superior do Trabalho, de modo que a elas podem e devem ser aplicadas as multas dos artigos 467 e 477 da CLT:

RECURSO DE REVISTA. MULTA DO ARTIGO 467 DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROVIMENTO. Segundo o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, a massa falida não se sujeita às multas previstas nos artigos 467 e 477, § 8º, da CLT (Súmula 388). Referido entendimento, todavia, não prevalece quando a dispensa do empregado ocorre em data anterior à decretação da falência ou quando se trata de empresa em recuperação judicial, sendo cabíveis as penalidades previstas para o caso de pagamento em atraso das verbas rescisórias. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST – RR: 17308520165120047, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 04/04/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/04/2018)

O entendimento do TST, acima destacado, majoritário nos tribunais laborais país adentro, demonstra o quanto foi inovadora a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, de modo que se espera que os demais tribunais regionais sigam o mesmo entendimento, ainda que o façam com um maior tempo.     

 


[1] Art. 467. Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinquenta por cento.

[2] ARTIGO 47 DA LEI 11.101/05

[3] Decisão da 9ª Turma do TRT3 publicada em 16/07/2019 no DJE-JT.

[4] art. 477 § 6 da CLT – Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017). § 6o A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).

[5] SÚMULA 388 TST –  MASSA FALIDA. ARTS. 467 E 477 DA CLT. INAPLICABILIDADE. A Massa Falida não se sujeita à penalidade do art. 467 e nem à multa do § 8º do art. 477, ambos da CLT.

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