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"O trabalho remoto parcial é uma realidade que deu certo", diz presidente do TJ-SP

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22 de novembro de 2020, 9h41

O trabalho remoto é uma realidade que deu certo. A opinião é do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Geraldo Pinheiro Franco. Segundo ele, a direção da corte já estuda um modelo de trabalho remoto parcial permanente, isto é, em rodízio, por considerar altamente positiva a experiência durante a epidemia do coronavírus.

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"Não podemos, evidentemente, deixar os fóruns e tribunais sem a presença de magistrados e servidores, porque esse contato, vinculado com a jurisdição, é importante", alertou o presidente, destacando que as sessões telepresenciais foram uma "descoberta magnífica para todos": "Fomos aperfeiçoando o modelo e creio que, hoje, estão todos satisfeitos".

Em entrevista exclusiva à ConJur, Pinheiro Franco disse que ainda não há data definida para o retorno de 100% das atividades presenciais. "Estamos retomando o trabalho presencial, de forma gradual e responsável, observando o Plano São Paulo. Hoje, todas as comarcas estão com 20% de servidores e magistrados trabalhando nos fóruns", afirmou.

O presidente também falou sobre dificuldades financeiras do tribunal, projetos implantados desde o início de sua gestão e investimentos em tecnologia e informatização. "Investiremos nossos melhores esforços para proceder à digitalização do acervo físico remanescente, permitindo a massiva aplicação de automação, robotização e inteligência artificial para a solução de processos antigos e entrega da jurisdição de qualidade no menor tempo possível", disse.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais condições permitiram que o TJ-SP funcionasse 100% de forma remota em apenas uma semana?
Pinheiro Franco — O Tribunal de Justiça de São Paulo investe na área de tecnologia da informação há longos anos. Área desenvolvida por vários presidentes que me antecederam. A partir desse trabalho, no momento de crise, pudemos, em poucos dias, com o talento de nossos técnicos e magistrados, transformar o trabalho interno em externo, via webconnection e, rapidamente, colocamos servidores e magistrados em suas casas, trabalhando. O trabalho foi aprimorado e os números dizem por si só: mais de 16 milhões de atos praticados até o fim de setembro [o número atualizado já chega a 20 milhões]. A continuidade de projetos de uma gestão para outra, com olhos no serviço público e no princípio da eficiência, é que permitiu esse passo de tamanha importância. Cabe lembrar que, mesmo na vigência do trabalho 100% remoto, a corte estabeleceu regras que permitiram que os processos físicos urgentes, como aqueles envolvendo sentenciados e com pendência de levantamento de valores, também pudessem ser prontamente despachados.

ConJur — Que projetos o senhor pensou implementar e foram adiados em razão da epidemia?
Pinheiro Franco — 
Iniciamos a gestão com dificuldades orçamentárias, todos sabem. E demos início a um processo de contingenciamento, que está em vigor. Isso, evidentemente, acrescido dos efeitos da pandemia, trouxe dificuldades. Mas os projetos continuaram em desenvolvimento, ainda que com as implantações adiadas. A título de exemplo, temos a expansão das Unidades de Processamento Judicial (UPJs), conhecidas como o Cartório do Futuro, projeto que já foi retomado pela área de planejamento. Nossa intenção é refinar a estratégia de implantação para permitir a recuperação do tempo de imobilidade imposto pela pandemia e ainda com melhor aproveitamento dos recursos humanos, físicos e financeiros.

Temos outras frentes que ganharão igual tração com o retorno presencial dos trabalhos, ainda que gradativo, como a digitalização do acervo físico. Dentre elas, está em expansão o projeto de citação eletrônica. Implantamos a certidão 100% eletrônica, isto é, atualmente, pedido e entrega de certidões ao interessado são feitos exclusivamente de forma virtual. Estabelecemos o atendimento agendado para o público em geral. Introduzimos o peticionamento eletrônico para processos físicos. Demos início e consolidamos as audiências e sessões telepresenciais, inclusive do Órgão Especial, e o atendimento remoto de advogados. Instituímos o projeto-piloto do Grupo Remoto de Julgamento, unidade que deve aumentar o número de julgamentos na importante Região Administrativa Judiciária de Santos (7ª RAJ). Enfim, projetos e disposição não nos faltam.

ConJur — Quais foram as medidas adotadas para redução de gastos forçadas pela epidemia?
Pinheiro Franco — Implantamos um longo e amplo processo de contingenciamento, com o intuito de adequar as finanças do Tribunal à realidade. Revimos contratos, suspendemos nomeações e investimentos, economizamos com materiais de consumo e despesas em geral, suspendemos novas locações, suspendemos obras e estudamos melhorias na execução de nosso trabalho, com reflexos positivos na qualidade e custos. Tudo de forma rápida e transparente; os atos de contingenciamento estão publicados no site da Corte.

ConJur — Quais medidas adotadas que foram positivas para o tribunal e poderão ser mantidas no pós-epidemia?
Pinheiro Franco — Aprendemos muito. O trabalho remoto parcial é uma realidade que deu certo. Não podemos, evidentemente, deixar os fóruns e tribunais sem a presença de magistrados e servidores, porque esse contato, vinculado com a jurisdição, é importante. Mas estamos estudando o trabalho remoto parcial, em rodízio, notadamente porque ele foi altamente positivo.

ConJur — Que avaliação o senhor faz das sessões telepresenciais? O modelo deve ser adotado mesmo após a epidemia? Em que áreas, principalmente, o funciona melhor?
Pinheiro Franco — As sessões telepresenciais foram uma descoberta magnífica para todos. Fomos aperfeiçoando o modelo e creio que, hoje, estão todos satisfeitos. Os contatos entre advogados, procuradores do estado, defensores públicos, promotores de justiça e magistrados são realizados com tranquilidade, ainda que possamos aprimorá-los, evidentemente. Mas todos os profissionais podem agendar uma conversa com os magistrados e apresentar seus memoriais. O acesso é pela ferramenta Teams, que o Tribunal disponibiliza, sem custo. O sistema funciona nas duas instâncias e, na segunda, onde não há audiência, é ainda mais efetivo. Poderá ser mantido, evidentemente, ainda que haja necessidade do contato físico entre profissionais, quando possível. Continuamos a estudar e ouvir sugestões.

ConJur — Que tipo de retorno o tribunal tem recebido de advogados, juízes e promotores com relação a sessões telepresenciais?
Pinheiro Franco — O sentimento geral é absolutamente positivo. Defensores e promotores de justiça têm a possibilidade de participar das audiências, dentre elas as criminais, permitindo que processos dessa natureza tenham uma solução célere. O governo do estado multiplicou os pontos de transmissão nos estabelecimentos prisionais, permitindo a retomada das audiências criminais em sua quase totalidade. Os advogados, igualmente, aderiram às sessões telepresenciais de forma plena. No período da pandemia, dezenas de milhares de audiências aconteceram com notável sucesso. A participação de testemunhas e partes do processo passou por uma fase de adaptação e aprendizado, mas, gradualmente, o aprendizado e a adesão à nova ferramenta, que em muito se assemelha a comunicadores por vídeo como Whatsapp e Skype, passou a ser crescente.

Lidamos, agora muito menos, com a questão da natural resistência ao que é novo, mas o contexto da necessidade nos impulsionou a experimentar e validar a nova forma de interação. 

ConJur — Já há uma data para o trabalho ser normalizado e as sessões voltarem a ser presenciais?
Pinheiro Franco — Não há data definida. Estamos retomando o trabalho presencial, de forma gradual e responsável, observando o Plano São Paulo. Hoje, todas as comarcas estão com 20% de servidores e magistrados trabalhando nos fóruns. A tendência, a partir do momento em que sentirmos segurança, é aumentarmos esse percentual sem pressa. Mas o retorno é necessário e inevitável, ainda que parcialmente, dada a natureza essencial dos serviços que prestamos, lembrando que ainda temos 25% de nossos processos em meio físico.

ConJur — O quanto o tribunal investiu em tecnologia nesses primeiros meses da gestão para não só permitir o trabalho remoto, mas também melhorar a prestação jurisdicional independentemente da epidemia?
Pinheiro Franco — Num Tribunal de Justiça de grande porte, como o de São Paulo, o investimento na área de TI tende a ser constante, sem retrações ou grandes saltos, de modo a não impactar na sustentação da atividade jurisdicional. Para alavancar o incremento do trabalho remoto em poucos dias, foi fundamental investirmos em ferramentas de virtualização do ambiente de trabalho e do balanceamento de carga dos acessos externos. Afinal, entre magistrados e servidores, mais de 31 mil acessos diários passaram a ser feitos remotamente, durante a pandemia, sem prejuízo à produtividade e à prestação de atendimento ao público.

ConJur — Que outros investimentos em tecnologia o tribunal ainda deve fazer nesta gestão?
Pinheiro Franco — Uma operação do tamanho da do Tribunal de Justiça de São Paulo é suportada pela mesma infraestrutura de tecnologia de sete anos atrás. A evolução tecnológica e o aumento da demanda em meio unicamente digital nos levam ao momento de renovação da infraestrutura, o que é inderrogável. Do mesmo modo, a pandemia deixou clara a vantagem para a prestação jurisdicional do meio processual eletrônico. Investiremos nossos melhores esforços para proceder à digitalização do acervo físico remanescente, permitindo a massiva aplicação de automação, robotização e inteligência artificial para a solução de processos antigos e entrega da jurisdição de qualidade no menor tempo possível.

ConJur — Quais os planos do tribunal para tornar públicas as sessões de julgamento das câmaras?
Pinheiro Franco — Hoje, já está regulamentado no âmbito do TJ-SP que todo aquele que demonstrar interesse em participar das sessões e audiências telepresenciais pode, assim como nos Tribunais Superiores, solicitar o envio de link para acompanhamento como ouvinte (vide o Comunicado 810/20 da Corregedoria Geral da Justiça). Consideramos que a publicização de audiências e sessões de julgamento são fundamentais para o cumprimento da sua finalidade, a partir da replicação, da maneira mais fiel possível, da participação presencial.

ConJur — Quais as principais preocupações do tribunal no pós-epidemia em termos de jurisprudência? Há a tendência de aumento da demanda? Em quais áreas? Como a legislação de emergência adotada vai impactar o tribunal nos próximos anos?
Pinheiro Franco — Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), é esperado um influxo maior de ações judiciais com essa temática, além das questões financeiras e contratuais que nossas varas e câmaras cuidam, assim como as vinculadas à saúde. Mas estamos preparados para o trabalho.

ConJur — O senhor derrubou inúmeras liminares de interferência do Judiciário em ações de combate à Covid-19 adotadas pelo Executivo. Acredita que o Judiciário deve interferir o menos possível nas ações do Executivo?
Pinheiro Franco — As decisões foram suspensas. Todas elas foram proferidas por nossos magistrados tendo por norte a segurança e a saúde. Decisões fundamentadas, sempre. Mas, na minha ótica, salvo hipótese de ilegalidade, não pode o Judiciário substituir o Executivo na adoção de decisões de gestão. Daí o entendimento lançado, anotando ainda que no estado de São Paulo não se viu omissão do Poder Executivo, senão ação efetiva.

ConJur — A questão financeira do tribunal ainda preocupa. Já foram editados três planos de contingenciamento desde o início do ano. Há previsão de lançar mais planos ainda nessa gestão?
Pinheiro Franco — Uma das preocupações e responsabilidades do gestor é com a saúde financeira da instituição; no caso, o Poder Judiciário de São Paulo. As medidas foram adotadas para sanear déficits e viabilizar, ainda, o custeio e investimento absolutamente necessários. E estamos indo bem. Mas não alcançamos a solução final. Medidas são tomadas, quando e se necessárias, com os devidos esclarecimentos.

ConJur — Como estão as negociações com o Executivo acerca do orçamento de 2021? O tribunal pediu R$ 19 bilhões, mas a tendência é que o Executivo envie à Alesp um valor melhor. Como solucionar essa questão?
Pinheiro Franco — Essa questão precisa ser esclarecida. O Tribunal de Justiça apresenta ao Poder Executivo uma proposta orçamentária anual, que deve conter o valor de todos os projetos e necessidades. Nesse exercício reduzimos a proposta em cerca de 30%, considerando o ano de 2019. A partir de então é que se iniciam reuniões para ajuste do binômio necessidade e possibilidade. Foi assim no passado e será assim no futuro. Não há nada de extraordinário. Estamos conversando, de forma transparente e responsável, e chegaremos a um valor que permita o desenvolvimento dos trabalhos do Judiciário, lembrando que o Tribunal de Justiça de São Paulo é o maior do país, contando com cerca de 2.600 juízes, 40 mil servidores, terceirizados, centenas de prédios, 320 comarcas e responde por 25% das ações em tramitação no Brasil. A Assembleia Legislativa, por fim, votará a lei orçamentária de 2021.

ConJur — Será possível repor os cargos que estão vagos ainda nesse biênio?
Pinheiro Franco — As dificuldades orçamentárias, hoje, não permitem repor os mais de 4 mil cargos vagos de servidores e os 543 de magistrados. Mas, dentro desse quadro, iremos dar posse, sim, aos juízes substitutos já nomeados em 2020. De qualquer forma, outras nomeações são examinadas a todo tempo, segundo as possibilidades do momento.

ConJur — Quais novas varas estão sendo estudadas para serem instaladas?
Pinheiro Franco — Em março deste ano, foram colocadas em concurso de remoção/promoção varas que, oportunamente, serão instaladas com custo praticamente zero, isto é, com máximo aproveitamento da estrutura física e de pessoal já existentes nas respectivas comarcas. As novas unidades desafogarão o movimento judiciário em locais extremamente congestionados, como Praia Grande (Vara do Júri, das Execuções Criminais e da Infância e Juventude), Taubaté (2ª Vara da Família e das Sucessões) e Hortolândia (2ª e 3ª Varas Cíveis e 2ª Vara Criminal). Além disso, duas novas unidades permitirão o tratamento especializado de questões sensíveis na Comarca de Barueri (1ª e 2ª Varas da Família e das Sucessões).

ConJur — O episódio com o desembargador Eduardo Siqueira revelou mais de 40 procedimentos administrativos contra ele que acabaram arquivados pelo TJ-SP. Acredita que isso motivou o CNJ a assumir a apuração ou viu como interferência no tribunal?
Pinheiro Franco — A presidência do Tribunal de Justiça, no dia em que tomou conhecimento do fato, instaurou de imediato um procedimento de apuração. A Corregedoria Nacional de Justiça, não obstante, deliberou avocar o processo, no exercício de competência concorrente, já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Podia fazê-lo, embora entenda que o instituto deve ser aplicado em caso de omissão ou demora injustificada na apuração de um fato, o que não ocorreu. Mas é fato passado e solucionado. O afastamento, sempre, é decisão do colegiado, por proposta do relator. E assim se deu.

ConJur — Recentemente o tribunal acabou sendo criticado pelo fato de ter aprovado a criação de novas câmaras extraordinárias. Como está a situação do tribunal em cada seção?
Pinheiro Franco — O Tribunal de Justiça trabalha bem e rápido, na sua essência. O volume de processos nas duas instâncias é brutal. Todos sabem disso. E quando os presidentes de Seção verificam situações que demandem atuação rápida, propõem a criação de câmaras extraordinárias, que trabalham em favor do cidadão. A Corte conta com 360 desembargadores e cerca de 100 juízes substitutos em segundo grau, número adequado, penso eu. Câmaras extraordinárias são previstas para situações pontuais, que exigem atuação imediata. Apenas isso, sem necessidade de ser cogitada a criação de novos cargos.

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