Opinião

Orgulho e preconceito fazem com que poucos empresários aceitem recuperação

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22 de fevereiro de 2020, 6h32

Quem diria que o ano de 2019 me traria lembranças do romance de Jane Austen, escrito em 1797, intitulado Orgulho e Preconceito. Na obra, o amor entre Mr. Darcy, um aristocrata da época, e Elizabeth, uma plebeia inteligente e atraente, é colocado à prova por dois sentimentos: o orgulho e o preconceito.

E esses sentimentos estiveram muito presentes na mesa de negociação em 2019.

Apesar de boas mudanças no cenário econômico no ano passado, com a queda dos juros e a aprovação da nova Previdência, 2019 ainda foi um ano em que muitas empresas brasileiras passaram dificuldades financeiras. Segundo a Serasa, foram 936 pedidos de recuperação judicial feitos em 2019, muito próximo dos 982 em 2018 e dos 986 em 2017. As falências decretadas tiveram um aumento de 3,8% em 2019, quando comparado a 2018. Isso monstra que, apesar da melhora de alguns indicadores, as empresas continuaram sofrendo.

O que a estatística não mostra é um número enorme de empresas que andaram à beira de uma recuperação judicial, mas conseguiram renegociar as suas dívidas e saírem “ilesas”. Entretanto, essas negociações tiveram um custo alto para as empresas. Muitas vezes, alto demais. Aumento drástico de taxa de juros, pagamentos de elevadas taxas para o banco reestruturar a dívida, outorga de mais garantias (até pessoais) são alguns exemplos.

É preciso ter em mente que nenhuma empresa toma uma dívida achando que não vai poder pagá-la, ao menos as boas empresas. Nem o banco empresta sem a premissa básica de que a dívida pode ser repaga pelo devedor. Fato é que as dívidas que estão sendo hoje renegociadas foram tomadas em média há quatro ou cinco anos, sem se imaginar um país em crise há um tempo, com PIB crescendo a 1%, dólar a mais de R$ 4,00 e a taxa de desemprego batendo 12,5% nos primeiros meses de 2019. Foi diante desse cenário que o empresariado precisou sentar-se à mesa com os bancos para falar: “Não vou conseguir pagar a dívida”.

Não é tarefa fácil. Entrar numa negociação dessas requer muita habilidade. Nas aulas de negociação em Harvard, aprendi que um bom negociador não deve nunca se esquecer do seu Batna, que é a sigla para best alternative to a negotiated agreement, ou a melhor alternativa a um acordo. Em outras palavras, você precisa saber qual o seu limite na negociação, a partir do qual vale mais a pena pular fora do que fechar o negócio. Para muitas dessas empresas, o Batna é a recuperação judicial.

Por que a recuperação judicial é um Batna que poucos empresários e executivos estão dispostos a aceitar? A resposta é: orgulho e preconceito.

Assumir que o negócio precisa ser recuperado é assumir que você falhou como empresário. Não adianta argumentarem que a macroeconomia te passou uma rasteira. Ser um empresário “em recuperação judicial” não é fácil para o ego, além do preconceito de achar que a recuperação judicial é o fim dos negócios.

Alguns conseguem colocar esses sentimentos de lado e encaram a recuperação judicial como um Batna viável e, para esses, a geração de valor na mesa de negociação é notável. Vale dizer que, do outro lado da mesa, a recuperação judicial não é um bom cenário já que o horizonte será de suspensão das execuções e descontos enormes nas dívidas. Dessa forma, os bancos terão maior incentivo para permanecer na mesa de negociação, ainda que isso lhes custe um desconto na dívida ou um aumento do prazo para pagamento.

A recuperação judicial não deve ser encarada como uma sentença de morte para as empresas, pelo contrário, ela deve ser vista como um remédio para situações que fogem do controle do empresariado, como a que estamos vivendo agora. É por meio das recuperações judiciais que as empresas se reerguem: com a preservação de empregos e geração de riquezas. A ironia de tudo isso é que, assumindo que a recuperação judicial é um Batna viável, a empresa ficará bem mais fortalecida na mesa de negociação se distanciando cada vez mais da recuperação como alternativa a um acordo.

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