Direito do agronegócio

Pagamento por serviços ambientais e seus aspectos tributários

Autores

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

  • Marcela Pitombo

    é coordenadora de PSA créditos de carbono e negócios verdes da MoselloLima Advocacia membro da Comissão do agronegócio da OAB-BA e da Comissão Nacional das Mulheres Agraristas (CNMAU) e especialista em gestão sustentável e meio ambiente (PUR-PR) e gestão de projetos com certificação em U.S. Public Policy: Social Economic and Foreign Policies pela Harvard University/HarvardX.

  • Marina Xavier

    é advogada pós graduanda em Direito Tributário e gestão tributária especialista em tributação no agronegócio.

21 de fevereiro de 2020, 8h00

Spacca

No artigo desta semana pretendemos tratar de um tema ainda pouco explorado, sobretudo, quando se trata da tributação no agronegócio. Trata-se do chamado Pagamento por Serviços Ambientais — PSA.

A Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, prescreve:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Da leitura do dispositivo, vê-se que Poder Público e coletividade são responsáveis, de forma conjunta, pela defesa e preservação do meio ambiente.

Na mesma linha, o legislador destaca a preservação do meio ambiente como competência comum dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) no artigo 23 da Constituição Federal:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(…..)

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;

Neste contexto, atento às diretrizes constitucionalmente estabelecidas, bem como aos princípios da precaução e prevenção, e do protetor recebedor, surgiu o conceito de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), assim definido no inciso I, do artigo 41 do códex competente:

Art. 41. É o Poder Executivo federal autorizado a instituir, sem prejuízo do cumprimento da legislação ambiental, programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, bem como para adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável, observados sempre os critérios de progressividade, abrangendo as seguintes categorias e linhas de ação: (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).

I – pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais, tais como, isolada ou cumulativamente:

O dispositivo acima estabeleceu normas gerais deste eficiente instrumento econômico, aliado da preservação e conservação ambiental e que é destaque em outros países como a Costa Rica.

A novidade é que o referido instrumento ambiental deve ganhar maior força jurídica este ano, se aprovado o Projeto de Lei nº 3.791/2019, o qual dispõe sobre a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais – PNPSA, visando disciplinar a atuação do Poder Público em relação aos serviços ambientais, de forma a promover o desenvolvimento sustentável e a aumentar a provisão desses serviços em todo o território nacional.

O projeto de Lei que atualmente está em tramitação no Senado Federal tem apoio de diversos setores, especialmente o da agricultura, que convive com as rigorosas exigências das legislações ambientais brasileiras e, portanto, tem interesse em tornar ainda mais atrativa as ações de preservação e conservação do meio ambiente, inaugurando assim um mercado de serviços ambientais no país.

Assim, embora ainda pouco difundido no cenário brasileiro, o Pagamento por Serviços Ambientais é um importante instrumento para dar efetividade a um meio ambiente sustentável e ecologicamente equilibrado, conforme previsto na Carta Magna Brasileira.

Para melhor esclarecimento, o PSA consiste numa modalidade de retribuição financeira ou não decorrente da oferta de “serviços” ambientais, como, por exemplo, possuidores de imóveis rurais ou urbanos que conservem áreas naturais.

Do ponto de vista tributário, acreditamos que o Pagamento por Serviços Ambientais tem total conexão com a noção de extrafiscalidade no Direito Tributário, ou seja, prática de incentivar ou desestimular determinadas condutas através da exigência de tributos ou de concessões tributárias.

Com efeito, a extrafiscalidade pode ser muito bem explorada em prol da garantia de direitos fundamentais e da concretização dos demais objetivos constitucionais. Através dela, a imposição tributária busca objetivos alheios à mera arrecadação, sendo intencionalmente moldada para orientar os cidadãos a agir, direta e imediatamente, em favor da realização de determinado bem público.

Deste modo, o que se pode afirmar é que não deve o Estado buscar fins arrecadatórios por meio da tributação do Pagamento Por Serviços Ambientais, a fim de que a prática possa ser fomentada, posto que, incidindo elevados custos — entre eles o tributário — sobre esta política ambientalista, ela será desestimulada.

Isto significa dizer que: eventual pagamento por serviços ambientes não deve ser tributado, pois, a finalidade maior é a busca pela sustentabilidade e respeito ao meio ambiente.

De outro lado, esta retribuição por não advir de um valor monetário, mas de um certo incentivo fiscal.

Dentro desta perspectiva  podemos reconhecer o caso do ICMS Ecológico, definido pelo Ministério do Meio Ambiente como um mecanismo tributário que possibilita aos municípios acesso a parcelas maiores que àquelas as quais já têm direito.

Conforme previsto na Constituição Federal, em seu artigo 158, inciso IV, 25% do produto arrecadado pelo Estado, a título de ICMS, pertence aos Municípios. Deste valor, segundo os incisos I e II, do parágrafo único, do referido dispositivo, 25% é repassado aos Municípios de acordo com o que dispuser a lei estadual, e os outros 75% dependem da participação da arrecadação dos próprios entes municipais.

Assim, tem-se que 6,25% da arrecadação do imposto que será destinada aos Municípios depende apenas de lei estadual, já que os critérios para repartição das receitas financeiras encontram-se dispostos na Carta Magna Brasileira. Dessa forma, compete aos Estados, valendo-se de critérios ambientais, disporem acerca do repasse aos seus Municípios, respeitado o percentual preestabelecido constitucionalmente.

Nesta senda, atento à limitação constitucional, o ICMS ecológico que, inicialmente, foi instituído com finalidade compensatória, ou seja, compensar os Municípios pelos dispêndios com a conservação e preservação do meio ambiente, passou a ter também finalidade fomentadora do meio ambiente, na medida em que os Municípios encontraram uma forma de aumento de seus repasses, pelo Estado, conforme implementavam políticas públicas ambientais para estimular  iniciativas de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, por meio da criação de unidades de conservação, pela manutenção de áreas já criadas e pela incorporação de propostas que promovam o equilíbrio ecológico, a equidade social e o desenvolvimento econômico[1].

Importante ressaltar que não se trata de um novo imposto, mas sim da introdução de novos critérios de redistribuição de recursos do ICMS, que reflete o nível da atividade econômica nos municípios em conjunto com a preservação do meio ambiente.

Atualmente, no Brasil, 17 estados aderiram ao ICMS Ecológico, utilizando critérios ambientais para distribuição dos recursos do ICMS entre os municípios, totalizando 59,25% das 27 Unidades Federativas (UFs) brasileiras. O Paraná foi o primeiro Estado a implementar o referido instrumento, em 1991, seguido de São Paulo e Minas Gerais.

Entretanto, muito embora implementada em vários dos Estados brasileiros, trata-se de política pública ainda deficitária de incentivos e pouco difundida, considerando-se que o número de entes estaduais que autorizam a utilização do instrumento não é proporcional a adesão dos municípios, que poderiam incrementar suas receitas com o repasse adicional.

Sem prejuízo da política pública voltada aos entes federativos, outra hipótese de instrumento econômico ambiental, é o chamado “IR Ecológico”, que pretende conceder como incentivo fiscal a dedução do imposto de renda por pessoas físicas e jurídicas, segundo prevê o art.1º do Projeto de Lei n.º 5.974/05:

Art. 1º As pessoas físicas e jurídicas poderão deduzir do imposto de renda devido, respectivamente, até 80% (oitenta por cento) e até 40% (quarenta por cento) dos valores efetivamente doados a entidades sem fins lucrativos, para aplicação em projetos destinados a promover o uso sustentável dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente

Da leitura do dispositivo, vê-se que os contribuintes poderão se beneficiar do abatimento do Imposto de Renda caso destinem recursos a projetos voltados ao desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente.

Destarte, ainda que o Projeto de Lei supramencionado beneficie pessoas físicas e jurídicas dispostas a realizarem doações em prol de projetos ambientais, seria de grande valia a dedução do IR em razão das práticas sustentáveis adotadas pelos próprios cidadãos contribuintes.

Na mesma linha, o Projeto de Lei n.º 5713/2013, arquivado em 31 de janeiro de 2019, pretendia instituir o Programa Empresa Consciente, através do qual a pessoa jurídica tributada poderia deduzir, do imposto devido, os dispêndios efetivamente realizados no período de apuração em favor de projetos ecológicos e que visavam ao alcance de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Uma importante iniciativa no campo do Pagamento por Serviços Ambientais deu-se pelo município de Jundiaí, no Estado de São Paulo, o qual noticiou que realizará o pagamento, em dinheiro, aos produtores rurais que preservem o meio ambiente, conservando fragmentos de mata nativa e plantando árvores para recuperação de áreas degradadas.

Sobre o valor a ser recebido pelos produtores rurais, conforme acima explanado, não deverá incidir qualquer tributação, a fim de que a prática seja incentivada.

O receio, neste campo, é que o valor a ser recebido pelos contribuintes se enquadre no conceito de renda e, então, haja a tributação pelo Imposto de Renda, o que desvirtuaria a intenção do Poder Público que, conforme já salientado, no tocante aos Pagamentos por Serviços Ambientais, não tem viés arrecadatório, mas sim visa a estimular a busca pela sustentabilidade e o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Traçando um paralelo com a política do RenovaBio[2], a qual institui os créditos de descarbonização (CBIO) visando à produção sustentável de biocombustíveis no país,  é importante que os benefícios fiscais auferidos pelos contribuintes em razão da adoção de práticas sustentáveis implementadas em consonância à política do Pagamento por Serviços Ambientais, não sejam tributadas, ou seja, o caráter da extrafiscalidade deve se se sobressair na implantação do instrumento, fazendo-se necessária uma regulamentação, pelos próprios entes federativos, do conceito em que irá se enquadrar eventuais pagamentos a serem recebidos pelos contribuintes quando adotarem a prática, ou, ainda, se possível a dedução dos tributos a serem por eles pagos, a fim de se incentivar e consagrar a política ecológica, tal como deverá ocorrer com os créditos de descarbonização, que ainda pendem de regulamentação neste sentido.

[1] PERSPECTIVA, Erechim. v.35, n.129, p. 27-43, março/2011

[2] Sobre o tema: CALCINI, Fábio Pallaretti. Aspectos Tributários da politica energética RenovaBio. Coluna Direito do Agronegócio. CONJUR. 03/01/2020. https://www.conjur.com.br/2020-jan-03/direito-agronegocio-renovabio-aspectos-tributarios

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