Direto do Carf

Alteração de critério jurídico na revisão aduaneira

Autores

  • Diego Diniz Ribeiro

    é advogado tributarista e aduanerista ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento professor de Direito Tributário Direito Aduaneiro Processo Tributário e Processo Civil doutor em Processo Civil pela USP mestre em Direito Tributário pela PUC-SP pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV/SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Maysa de Sá Pittondo Deligne

    é conselheira titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento doutora e mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) professora do corpo permanente do mestrado profissional do IDP coordenadora do grupo de pesquisa Temas Atuais de Direito e Processo Tributário e pesquisadora do Observatório da Macrolitigância Fiscal (IDP/Brasília) diretora da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt) e pesquisadora responsável pela elaboração do relatório sobre a Reforma do Processo Administrativo da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf).

19 de fevereiro de 2020, 8h00

Spacca
Nesta semana retomamos a nossa coluna com os temas afetos à 3ª Seção do Carf, para analisarmos os acórdãos daquele tribunal que tratam da alteração de critério jurídico no procedimento fiscal de revisão aduaneira, na particular hipótese em que as Declarações de Importação (DI) revisadas pela fiscalização tenham sido parametrizadas nos canais amarelo, vermelho e/ou cinza de conferência aduaneira[1].

Para compreender melhor a discussão, importante identificar os diferentes canais de parametrização de conferência aduaneira aos quais são submetidas às declarações de importação. Em conformidade com o artigo 21 da IN/SRF n.º 680/2006, uma DI registrada será submetida à análise fiscal e selecionada para um dos seguintes canais de conferência:

  1. verde, com desembaraço automático da mercadoria, sem qualquer exame documental ou verificação da do bem importado por parte dos agentes fiscais[2];
  1. amarelo, com o desembaraço somente se inexistente a constatação de qualquer irregularidade pelo agente fiscal no exame documental (sem verificação da mercadoria);
  1. vermelho, com o desembaraço aduaneiro somente se não for verificada qualquer irregularidade pelo agente fiscal nos exames documental e físico da mercadoria importada; e, por fim
  1. cinza, quando sejam identificados elementos indiciários de fraude, inclusive no que se refere ao preço declarado da mercadoria. Neste canal, além do exame documental e da verificação da mercadoria, é aplicado procedimento especial de controle aduaneiro, nos termos de norma específica[3].
  2.  

Pois bem. O exame documental das mercadorias e sua verificação física são qualificados como procedimentos fiscais tendentes a conferir os dados declarados pelo sujeito passivo em sua Declaração de Importação (conforme disciplina nos artigos 25 e 29 da mencionada IN SRF 680/2006). A conclusão, por sua vez, da conferência aduaneira exige um ato administrativo próprio do Auditor Fiscal da Receita Federal, qual seja, o despacho. Nesse sentido é o teor do artigo 48 da referida IN, quando prescreve que concluída a conferência aduaneira, a mercadoria será imediatamente desembaraçada pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pelo despacho.[4]

Após o desembaraço aduaneiro, a fiscalização possui o prazo de 5 (cinco) anos para proceder com a revisão aduaneira nos termos artigo 54, do Decreto-lei n.º 37/66, atualmente disciplinada pelo artigo 638 do Regulamento Aduaneiro aprovado pelo Decreto 6.759/2009.

Diante deste cenário, os contribuintes que tiveram mercadorias desembaraçadas após a conferência aduaneira com conferência documental e/ou física (em especial, nos canais vermelho e cinza acima especificados), buscam assegurar um valor jurídico ao despacho do Auditor Fiscal proferido nas suas importações, ao fundamento que tal manifestação fiscal, ao homologar a declaração de importação do sujeito passivo, estabeleceria um critério jurídico seguro a ser seguido pelo administrado.

Assim, segundo o posicionamento dos contribuintes sujeitos a esses tipos de parametrização aduaneira, o critério jurídico eleito pelo agente fiscal na conferência não poderia ser livremente alterado no ulterior procedimento de revisão, sendo necessário observar, quando há exigência tributária, os limites dos artigos 146 e 149, ambos do CTN. Essa discussão é especialmente desenvolvida nos procedimentos de revisão aduaneira de reclassificação fiscal de mercadorias.

Manifestando-se favoravelmente aos contribuintes, encontram-se no Carf alguns votos vencidos, no sentido de que, uma vez submetido aos canais de parametrização com conferência documental e/ou física, a revisão aduaneira ulterior mais gravosa para o contribuinte só teria validade para operações futuras. (v.g., Acórdãos n.s 3401-004.020[5] e 3402-007.219[6]. Tal posicionamento tem encontrado eco na jurisprudência judicial, em especial no âmbito do STJ[7].

Atualmente, todavia, o entendimento preponderante do Carf é no sentido de assegurar amplo poder de revisão à autoridade administrativa no procedimento fiscal de revisão aduaneira, não sendo atribuído um valor jurídico ao despacho de desembaraço aduaneiro após quaisquer dos canais de conferência, seja ele verde, amarelo, vermelho ou cinza.[8]

O entendimento que tem prevalecido é aquele fixado no Acórdão Carf nº 9303-007.469, de 20/09/2018, que, pelo voto de qualidade, assim estabeleceu:

O desembaraço aduaneiro não representa lançamento efetuado pela fiscalização nem homologação, por esta, de lançamento "efetuado pelo importador". Tal homologação ocorre apenas com a "revisão aduaneira" (homologação expressa), ou com o decurso de prazo para sua realização (homologação tácita). A homologação expressa, por meio da "revisão aduaneira" de que trata o art. 54 do Decreto-lei nº 37/1966, com a redação dada pelo Decreto-lei nº 2.472/1988, não representa nova análise, mas continuidade da análise empreendida, ainda no curso do despacho de importação, que não se encerra com o desembaraço. Não se aplicam ao caso, assim, o art. 146 do CTN (que pressupõe a existência de lançamento) nem a Súmula 227 do extinto Tribunal Federal de Recursos (que afirma que "a mudança de critério adotado pelo fisco não autoriza a revisão de lançamento").

Diante do quadro aqui delineado, é possível afirmar que a atual posição do Carf para a questão é no sentido de não aplicar a regra estampada no artigo 146 do CTN para aqueles em que os bens importados são submetidos à conferência física ou documental e, ulteriormente, são objeto de uma nova e mais gravosa análise em sede de revisão aduaneira.

 


[*] Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

[1] Para uma análise mais ampla da jurisprudência do CARF em torno da alteração de critério jurídico no lançamento tributário, com fulcro no art. 146 do Código Tributário Nacional – CTN, veja: DELIGNE, Maysa de Sá Pittondo; LAURENTIIS, Thais De. Alteração de critério jurídico e jurisprudência do CARF. In: MURICI, Gustavo Lanna; GODOI, Marciano Seabra de; RODRIGUES, Raphael Silva; FERNANDES, Rodrigo Mineiro. (Org.). Análise crítica da Jurisprudência do CARF. Belo Horizonte: D´Plácido Editora, 2019, p. 367-386.

[2] Não se adentra aqui na discussão quanto a eventual alteração de critério jurídico nas hipóteses de canal verde de conferência aduaneira, o que, diga-se de passagem, tem sido refutado pelo CARF de forma uníssona (v.g., Acórdão 3402-004.892, de 01/02/2018). O presente artigo visa analisar apenas aquelas situações em que a parametrização implica uma efetiva interferência fiscal, i.e., nas hipóteses de canais amarelo, vermelho e cinza.

[3] Quanto aos procedimentos especiais de controle aduaneiro, destaca-se a Instrução Normativa RFB 1169/2011.

[4] Redação dada pela IN RFB 1759/2017.

[5] Conforme, v.g., se depreende do erudito voto vencido do Conselheiro Leonardo Branco, cujo pequeno trecho segue abaixo transcrito:

(…)

49. Há de se apontar para o fato de que, independentemente de quem incorreu em erro, seja Estado ou particular, o que se prestigia, na dicção da Corte Superior, é a estabilidade das relações e da aplicação do direito. A decisão que impede a modificação dos critérios jurídicos que regem o relacionamento entre o Estado e os particulares prestigia a segurança jurídica e, portanto, o próprio convívio social. Assim, o dispositivo torna defesa a aplicação de critério jurídico novo a fatos geradores anteriores à sua introdução, de maneira a atestar a sua irretroatividade: "(…) o  dispositivo é severo com o Fisco",35 que "(…) deve primeiro divulgar o novo critério para depois poder aplicá­-lo nos lançamentos futuros pertinentes a fatos geradores também futuros" (…).

[6] Este julgado em 28/01/2020 e ainda pendente de publicação no endereço eletrônico do CARF.

[7] TRIBUTÁRIO – IMPORTAÇÃO – DESEMBARAÇO ADUANEIRO – RECLASSIFICAÇÃO DA MERCADORIA – REVISÃO DE LANÇAMENTO POR ERRO DE DIREITO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA 227 DO EXTINTO TFR.

1. É permitida a revisão do lançamento tributário, quando houver erro de fato, entendendo-se este como aquele relacionado ao conhecimento da existência de determinada situação. Não se admite a revisão quando configurado erro de direito consistente naquele que decorre do conhecimento e da aplicação incorreta da norma.

2. A jurisprudência do STJ, acompanhando o entendimento do extinto TRF consolidado na Súmula 227, tem entendido que o contribuinte não pode ser surpreendido, após o desembaraço aduaneiro, com uma nova classificação, proveniente de correção de erro de direito.

3. Hipótese em que o contribuinte atribuiu às mercadorias classificação fiscal amparada em laudo técnico oficial confeccionado a pedido da auditoria fiscal, por profissional técnico credenciado junto à autoridade alfandegária e aceita por ocasião do desembaraço aduaneiro.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1347324/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 14/08/2013)

[8] Nesse sentido, vejam os acórdãos 3201-006.197, de 16/12/2019; 3201-006.196, de 16/12/2019; 3301-006.989, de 23/10/2019; 3301-006.934, de 26/09/2019; 9303-009.392, de 17/09/2019; 3201-005.513, de 24/07/2019; 3302-006.430, de 29/01/2019; 3302-006.431, de 29/01/2019; 3401-005.133, de 21/06/2018; 3201-003.744, de 21/05/2018; 9303-006.839, de 17/05/2018; 3401-004.446, de 21/03/2018; 3201-003.506, de 20/03/2018; 3401-004.020, de 24/10/2017; 3402-004.683, de 24/10/2017; 3201-003.065; de 26/07/2017; 3401-003.812, de 26/06/2017; 3201-002.826, de 27/04/2017, 3201-002.603, de 28/03/2017; 3401-003.431, de 28/03/2017; 3401-003.252, de 27/09/2016; 3402-003.049, de 28/04/2016; 3401-003.117, de 15/03/2016; 3401-003.137, de 16/03/2016; 3401-003.136, de 16/03/2016, 3402-002.943, de 25/02/2016 e 3801-005.231, de 18/03/2015.

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    é advogado tributarista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia e Consultoria Tributária, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Processo Tributário e Processo Civil. Doutorando em Processo Civil pela USP e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet.

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    é conselheira titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, advogada tributarista licenciada, professora de Direito Tributário e doutoranda e mestre em Direito Tributário pela USP.

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