Construtivismo jurídico

A Constituição é para ser cumprida, não interpretada, diz Temer

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16 de fevereiro de 2020, 7h18

Spacca
O Direito e o poder sempre andaram na mesma direção. De apenas uma faculdade, a do Largo de São Francisco, criada no centro de São Paulo em 1827, 13 dos presidentes da República do Brasil saíram de lá.

Mas só em agosto de 2016, depois de um hiato de 110 anos, um especificamente nascido no estado de São Paulo e também oriundo das Arcadas, voltava ao comando do Executivo. Não sem antes uma extensa "batalha no Congresso", depois do impeachment da então primeira mulher eleita presidente do Brasil, Dilma Rousseff, de quem o emedebista foi candidato a vice desde a eleição de 2010.

Michel Miguel Elias Temer Lulia estava longe de ser um novato conhecedor do funcionamento da máquina do Estado. Também já era um expoente dos meandros dos três poderes da República, um dos defeitos da antecessora apontados pelos críticos.

Advogado formado na Faculdade de Direito da USP, também foi professor da PUC-SP e, na década de 1970, ingressava na carreira pública como procurador do Estado de São Paulo.

No ocaso da ditadura, nos anos 1980, foi nomeado pelo então governador Franco Montoro [1983-1986] para a Procuradoria-Geral do Estado, quando logo depois assumiu, em 1984, a Secretaria de Segurança Pública.

Eleito deputado federal constituinte como suplente, voltou a comandar a Procuradoria-Geral do Estado durante a gestão de Fleury Filho [1991-1994], também do PMDB. E, poucos dias após o conhecido Massacre do Carandiru [2/10/1992], seria nomeado novamente secretário de Segurança Pública.

Já no governo do presidente Fernando Henrique, Temer chegou a ser presidente da Câmara em duas oportunidades.

Nos anos 2000, como presidente nacional do partido, embarcou de vez na base do governo no segundo mandato de Lula, obtendo a vaga de vice na chapa que elegeria Dilma pela primeira vez em 2010.

Apesar do controle quase que absoluto do Congresso, o período de Temer no comando da República, no entanto, não foi menos turbulento que o da antecessora petista. A caçada do consórcio forjado a partir da 13ª Vara de Curitiba já atingia o coração da República, mais especificamente na Procuradoria-Geral. 

No último dia 5, o ex-presidente, profundo conhecedor de Direito Constitucional, esteve na revista eletrônica Consultor Jurídico para uma entrevista exclusiva.

Não se esquivou de temas espinhosos, como o vazamento da gravação do encontro dele com o empresário Joesley Batista, da JBS, da [in]segurança jurídica do país, da hipertrofia do Ministério Público, do abuso de autoridades e do "construtivismo" judicial. "Como se você devesse interpretar a Constituição de acordo com o que o povo pensa, e não com aquilo que está na Constituição."

O emedebista também lamentou, mas concordou, com a necessidade da aprovação da chamada Lei contra o Abuso de Autoridade. "As pessoas não têm a menor ideia, têm até desprezo, pela ideia de que a única autoridade existente no país é a lei. Nós todos somos autoridades constituídas."

A ConJur publica neste domingo a primeira parte da entrevista. Nos próximos dias, a conversa também estará disponível no canal da TV ConJur no YouTube. E clique aqui para ler a segunda parte da entrevista, publicada nesta segunda (17/2).

ConJur — Presidente, como o senhor vê a saúde do Direito brasileiro hoje?
Michel Temer — Com alguma preocupação, até por uma razão muito singela, e talvez por um vício profissional. Eu milito na área de Direito Constitucional, e para mim a Constituição é tudo. É tudo porque traz exatamente, precisamente, aquilo que as pessoas mais querem. Investidores, pessoas comuns querem segurança jurídica. E para ter segurança jurídica é preciso partir de um conceito muito trivial, que está sendo esquecido. O Direito só existe para regular as relações sociais, ou seja, para que eu, se fizer um contrato, sei quais são meus direitos e meus deveres.

Se constituir família, sei quais são meus direitos e meus deveres. Ora bem, para ter segurança jurídica, para saber quais são seus direitos e deveres, isso está no documento que constituiu o Estado brasileiro, que é a Lei Maior.

De vez em quando vejo que há uma certa, um certo, vamos dizer assim, construtivismo jurídico. Como se você devesse interpretar a Constituição de acordo com o que o povo pensa, e não com aquilo que está na Constituição. Nenhuma objeção ao fato de o povo pensar de uma determinada maneira, mas para tanto é preciso que a voz do povo seja vocalizada pelo poder competente, que é o Legislativo.

Então quando você tem uma tendência popular muito acentuada, leva essa tendência ao Legislativo. O Legislativo modifica o sistema normativo. E a partir daí é que se costuma aplicar. Sob esse ângulo, eu vejo de vez em quando que a saúde é boa, mas pode ser ótima se todos se convencerem do cumprimento rigoroso do texto constitucional.

Viajei muito pelo exterior e verifiquei que a preocupação dos investidores era exatamente isso. "Ah, mas e a segurança jurídica lá? Nós temos preocupações!" 

Claro que eu divulgava segurança jurídica absoluta, mas aqui na conversa que nós estamos tendo digo: é preciso tomar muito cuidado para não sair dos limites da Constituição. Sair dos limites da lei é gerar insegurança jurídica.

ConJur — A nossa fábrica de leis, o parlamento, tem sido muito atacada, muitas vezes injustamente. Agora, a omissão do legislador tem sido apontada como responsável pelo ativismo judicial, pela politização do Judiciário. Com a sua experiência, presidente, o que acha do papel do parlamento hoje, e qual seria o ideal?
Michel Temer —  Você sabe que essa omissão é coberta pelo texto constitucional? Participei da Constituinte, nós criamos dois instrumentos. Além da ação direta de controle da constitucionalidade, criamos uma ação direta de controle da inconstitucionalidade por omissão. Ou seja, se certas entidades acham que determinada norma constitucional não foi regulamentada de modo a dar o direito para A, B ou C, vão ao Supremo Tribunal Federal denunciando omissão.
O Supremo declara a omissão, e comunica ao Legislativo. Primeiro ponto: é tão significativo esse instrumento que se criou um instrumento de natureza individual, o chamado mandado de injunção.

O que é o mandado de injunção? Eu tenho um direito que poderei desfrutar se houver uma regulamentação de um dispositivo constitucional. O Legislativo tarda em regulamentar esse dispositivo. Vou ao Judiciário e digo: "olha aqui, estou com um mandado de injunção. Tenho esse direito, não posso desfrutar dele", pela omissão do Legislativo. Daí o Judiciário pode decretá-la.

Mas digo que o Legislativo tem feito um papel extraordinário nos últimos tempos. Eu mesmo, durante a minha Presidência [da República], por vezes colaborei para isso. Com a Presidência da Câmara. Fui três vezes presidente da Casa.

Na presidência da República, chamei o Congresso para governar comigo. E não chamei por vontade própria. Chamei por determinação constitucional. E quem determina quem governa é a Constituição. E a Constituição diz que quem governa é o Executivo com o Legislativo.

O Judiciário jurisdiciona, ou seja, diz o direito aplicável quando surgir uma controvérsia.

E o Legislativo, no meu período, teve um papel extraordinário. Me ajudou muitíssimo. Consegui muito, em pouco tempo, dois anos e oito meses.

Veja a própria Reforma da Previdência. O debate começou no meu governo. Quem levou adiante muito fortemente foi o Legislativo, o Rodrigo Maia [presidente da Câmara desde o governo Temer], depois o [Davi] Alcolumbre [presidente do Senado], levaram adiante, para valer, e fizeram um benefício ao país. Acho que fazem, como você mesmo diz, uma injustiça ao Legislativo brasileiro.

ConJur — A Constituição de 1988 deu um novo papel ao Judiciário. Há quem diga até que o Supremo governa também. A Constituição também entronizou o Ministério Público com quase um novo poder. O seu gabinete, na Constituinte, foi o centro de operações do órgão do Ministério Público para que ele tivesse o papel que tem hoje. Como é que o senhor analisa o papel do Ministério Público neste momento?

Michel Temer — Olha, recordando essa história da Constituinte, do meu gabinete, eu era da área jurídica, tinha muito contato com o Ministério Público, advogados, juristas, juízes. E por isso mesmo fui designado como membro da Constituinte para uma chamada subcomissão do Poder Judiciário do Ministério Público. E lá trabalhei acentuadamente para que o Ministério Público tivesse as prerrogativas que tem hoje, que acho justíssimas, sem embargo de alguns elementos praticarem alguns exageros. Mas a instituição tem crédito que se deve atribuir por força desse trabalho que nós fizemos na Constituinte, primeiro ponto.

Segundo ponto: prestigiei muito o Judiciário. Estava nessa comissão. Terceiro ponto: elevei a figura do advogado à figura indispensável à administração da Justiça, inviolável por seus atos e manifestações, o que está no artigo 133 da Constituição Federal.

Até naquela oportunidade o Mariz [Antonio Cláudio] era o presidente da OAB em São Paulo e levou essas preocupações. E eu converti isso em norma constitucional. Como de resto também elevei a figura do procurador do Estado ao nível constitucional. De igual maneira, interessante, junto com o deputado Bonifácio Andrada, que era de Minas, nós repartimos as funções da Procuradoria da República, porque no passado, antes de 1988, a Procuradoria não só era autora de ações como dava pareceres sobre as ações.

Nós dissemos: "isso não pode acontecer, vamos dividir essas funções", e foi aí que nasceu a Advocacia-Geral da União, separada da Procuradoria-Geral da República, portanto com funções diversas.

Então, digo eu, naquele período era muito procurado, me interessava nesses temas. E note que quando você diz que o meu gabinete era, digamos, sede desse lobby legislativo, de alguma maneira é verdade, nós trabalhamos muito nessa atividade.

ConJur — Não houve uma hipertrofia do Judiciário, do Ministério Público?
Michel Temer — Veja bem, no caso do Ministério Público eu me recordo que trabalhei muito por uma tese, que acaba dizendo em um dos dispositivos, que o Ministério Público terá independência funcional.

O que significa? Significa que o Ministério Público, funcionalmente, ninguém pode se meter lá, nem o Executivo, nem o Legislativo, nem o Judiciário. Funcionalmente quer dizer funções de natureza administrativa e jurídica.

Ao longo do tempo essa tese da independência funcional funcionou como independência individual. Então cada membro do Ministério Público não se submete ao princípio da hierarquia, digamos assim, não se submete ao procurador-geral da República.

Acho que seria discutível essa matéria,  porque o princípio da hierarquia comanda toda a Constituição.

Você veja, no Executivo você tem hierarquia, presidente, ministros, entidades ligadas aos ministros. De igual maneira no Judiciário, onde você tem os vários graus de jurisdição, de alguma maneira são decisões hierarquicamente uma superior a outra.

ConJur — Se o senhor voltasse no tempo, mexeria nesse dispositivo?
Michel Temer – Eu esclareceria, simplesmente isso. Basta esclarecer, nada mais do que isso, mas mantenho a independência funcional do Ministério Público, pela qual eu trabalhei, e que é fundamental para a preservação do Estado democrático de Direito.

ConJur — Presidente, o senhor ocupou os cargos mais significativos do país, principalmente associados ao mundo do Direito. Recentemente experimentou um novo papel, que é o de investigado, de acusado. O que o senhor pode dizer a respeito dessa experiência?
Michel Temer — Eu acho natural. Você sabe que, interessante, as pessoas se chocam muito. Eu aprendi muito cedo que na vida pública você precisa estar um pouco acima dos acontecimentos, digamos assim. Como há muita disputa na área política, como há disputa até na área funcional, muitas e muitas vezes você pode, de repente, ser vítima de uma investigação.

O que ocorre é que essa investigação, e aqui eu volto ao tema anterior, precisa seguir os trâmites legais, ser rigorosamente legal.

Por exemplo, a investigação na área penal. Veja que a nossa Constituição tem um longo capítulo sobre os direitos individuais. Tem 78 incisos no artigo 5º , e ademais disso, ainda diz lá no parágrafo 1º dos tratados internacionais, dos Direitos Humanos, e outros que possam ser extraíveis da Constituição também fazem parte dos direitos individuais, dentre eles o fenômeno chamado liberdade.

E aí vem liberdade de associação, liberdade de reunião, liberdade de imprensa e liberdade individual. No tocante à liberdade individual, estou falando no âmbito penal. Ela é tão significativa que depois se cria um instrumento especial, que é o Habeas Corpus.

O que é o Habeas Corpus? O Habeas Corpus você pode impetrar, qualquer pessoa pode impetrar. Como dizia [o jurista] Pontes de Miranda, pode ser escrito até numa folha de papel, tamanho o valor da liberdade no nosso sistema, não é?

Então quando há exageros, a investigação perde significado. É a única observação que eu faço. Agora, o fato de ser investigado não há nenhuma preocupação. Quer investigar? Se defenda, que é o que nós fazemos.

ConJur — O senhor citou liberdade de imprensa, e a tradicional está em um período de crise sem precedentes. O senhor tem alguma teoria para isso? Modelo, formato…
Michel Temer — A crise, em face, precisamente, é da evolução tecnológica, da internet. Você  lê uma notícia amanhã que já viu no dia anterior, primeiro ponto.

Segundo ponto, no tocante à liberdade de imprensa propriamente dita. Veja como é importante enaltecer a Constituição, porque as pessoas criticam muito achando que quem defende liberdade de imprensa está defendendo o direito do jornalista e do proprietário de jornal.

Não é isso. A liberdade de imprensa deriva de um outro princípio constitucional, que é o direito à informação. O povo tem que ser informado. Qual o melhor meio de informar o povo? Por meio da imprensa.

A Constituição é construída de uma maneira que a informação seja completa. Veja o chamado direito de resposta. O que é? É para completar a informação.

Alguém publica uma coisa, você diz: "olha, não senhor, eu quero ter direito à resposta". Rigorosamente até, no direito à resposta, a critério do jornal, deveria ser natural.

E é interessante. Tanto eu falei a respeito disso, ao longo dos anos, que vejo de uns tempos para cá parte dos jornais começaram "o outro lado", não é? Ele coloca uma notícia, mas vai ouvir o outro. Antigamente nem isso se fazia. Veja que o direito de resposta é uma coisa natural. Muitas vezes você não consegue, tem que ir ao Judiciário para obter direito de resposta. Então, digo eu, a liberdade de imprensa é enaltecida como eu sempre enalteci porque está ligada ao direito à informação. Um benefício em favor do povo, em favor da própria imprensa.

ConJur — Presidente, mas a gente começou a conversa dizendo que a saúde do Judiciário talvez não vá tão bem, porque alguns excessos vêm sendo cometidos por autoridades estatais, promotores, juízes, advogados e assim por diante. O senhor acrescentaria a própria imprensa nesse ingrediente explosivo que mina o Estado democrático de Direito?

Michel Temer — Primeiro acho que o Supremo, os tribunais superiores, sempre tomam muito cuidado. Por isso que você tem graus de jurisdição. Que você tem o fenômeno, não só de ampla defesa quanto do contraditório. O princípio do duplo grau de jurisdição. Por que o duplo grau de jurisdição? Para que não seja apenas uma jurisdição que diga o que deve ser feito, você tem direito a uma segunda, pelo menos, manifestação. Isso é o primeiro ponto.

Segundo ponto. Eu não acho que a imprensa é necessariamente responsável por isso. Claro, é natural e acontece com certa frequência, muitas vezes a manchete não combina com o conteúdo da matéria. Isso acontecia em relação a mim, acontece em relação a muita gente.

Mas, interessante, como eu sempre me dei razoavelmente bem com a imprensa, quando acontecia da matéria ser dissonante daquilo que o título dizia, eu ligava para o redator-chefe e "meu caro, veja aí". E eles consertavam.

ConJur — Mas houve um momento delicado do governo do senhor, que foi a divulgação da conversa com o Joesley [Batista].
Michel Temer — Mas que, me permita dizer, um juiz da 12ª Vara de Brasília julgou tão impertinente, tão inútil aquela conversa que ele imediatamente me absolveu.

Não foi instruído processo, não se ouviu ninguém, e hoje, mais do que nunca, está demonstrado que se utilizou para tentar derrubar o governo.

Usou de uma frase falsa, que não existe no diálogo. Que dizia a respeito que fulano estava comprando beltrano para manter o silêncio dele. Então eu teria dito: "mantenha isso aí!".

Depois se verificou pelo áudio que dizia ter amizade com fulano, e que ele estava de bem com fulano e eu teria dito "mantenha isso!". Vou dizer o quê? Brigue com ele?

ConJur — O senhor respondeu diplomaticamente. Hoje se sabe que a perseguição que Rodrigo Janot empreendeu tinha em vista o desejo dele continuar no poder na PGR. Cleyber Malta, delegado da Polícia Federal, também agiu ao largo das atribuições dele nessa perseguição. O juiz Marcelo Bretas… Nunca passou pela cabeça do senhor processar essas pessoas? Houve abuso de autoridade?
Michel Temer — Para mim é muito delicado falar de casos em que as pessoas tentaram me envolver. Tenho pena, confesso a você quando vejo a figura do ex-procurador-geral [Rodrigo Janot], os azares da vida dele, em função daquele ato homicida-suicida [quando confessou em livro publicado o desejo de assassinar um ministro do STF e de se matar em seguida], e outros tantos.

O coitado foi vítima também de busca e apreensão. Depois perdeu a carteira da Ordem [OAB]. Eu fico com pena de alguém com um cargo tão relevante em nosso país, ele conversava muito comigo, tivesse chegado a esse ponto. Lamento por ele.

E lamento as demais arbitrariedades. Eu já declarei que fui vítima de algumas arbitrariedades, que, interessante, geraram reação que não foi só da classe jurídica. Foi da classe jornalística, dos colunistas, cartas do leitor. Houve um repúdio àquele gesto tão arbitrário, mas que era fruto, precisamente, das coisas como elas vinham caminhando no país. Precisamos punir, punir, punir, e temos que nos apresentar como aqueles que punem.

Eu acho que isso está mudando e, se Deus quiser, vai mudar nosso sistema.

ConJur — Além do caso Joesley, anteriormente houve o caso de um grampo vazado de conversa entre um presidente em exercício [Dilma Rousseff] com um ex-presidente [Lula]. Foram episódios claros de abuso…
Michel Temer — É um caso que merece ser examinado e está sendo examinado. E de maneira positiva, contra o exagero da autoridade. Há pouco tempo elaborou-se, promulgou-se uma lei chamada de Lei contra o Abuso de Autoridade. Seria preciso uma lei de abuso de autoridade?

Porque as pessoas não têm a menor ideia, têm até desprezo, pela ideia de que a única autoridade existente no país é a lei. Nós todos somos autoridades constituídas.

Eu fui presidente da República, autoridade constituída. Todo e qualquer agente público é autoridade constituída, porque não tem poder. A regra diz "o poder emana do povo, o poder é do povo, não é das autoridades". Ora, bem, então quem é que vocaliza a voz da autoridade? É a lei.

Toda vez que se ultrapassa dos limites da lei há um abuso de autoridade, não é verdade? Então acho que essa lei foi que editada é exemplificativa, não exaustiva. Porque toda vez que se ultrapassa os limites legais você está abusando da autoridade. De que autoridade? Da autoridade da lei.

ConJur — A gente está falando aqui o tempo todo de uma série de abusos, de extrapolação de poder e de uso do Direito como ferramenta de ataque político. Isso tem atrapalhado muito o desenvolvimento do país?

Michel Temer — Acho que não ajuda, porque, olha, eu muito recentemente fui convidado para falar em Oxford, na Inglaterra, e de igual maneira em Salamanca e Madri.

Na capital espanhola falei em quatro instituições, todas para empresários. Em Salamanca, para estudantes de mestrado e doutorado na área jurídica, portanto uma palestra acadêmica.

Mas em Madri, nas entidades, nós temos muitas empresas espanholas aqui, se verificava uma preocupação enorme com isso que está acontecendo no país. As pessoas querem investir no Brasil. No mundo rico, hoje, os juros são negativos. Então tem muita gente querendo investir, e são fundos que têm trilhões de dólares, que querem procurar países para investir e pensam no Brasil.

Mas eles querem segurança jurídica. Se você transmitir essa ideia de que aqui há segurança absoluta, não há esses conflitos permanentes. Aqui  faço um corte, lamentavelmente, de uns tempos para cá, o país se dividiu.

A Constituição, em inúmeras passagens, fala em paz, no preâmbulo. Preâmbulo quer dizer pré-ambulare, antes de caminhar. Já no preâmbulo ela usa duas ou três vezes a palavra paz, e paz nas relações internas e nas relações internacionais. Até quando a Constituição diz, por exemplo, o seguinte, olha aqui, não pode haver preconceito entre raças, credos, sexo etc. O que ela está dizendo? Unam-se todos, porque não pode haver divergência, e diferentemente do que está acontecendo no país ao longo do tempo, não estou falando novidades, prego isso há muito tempo. É que há uma divisão brutal, não é uma divisão programática, não é uma divisão apenas ideológica, é uma divisão quase pessoal, aquilo que, digamos assim, quase gerando um certo mal-estar, animosidade, ódio entre as pessoas.

Vocês já ouviram muitas vezes a história de que no Natal não pode reunir família, porque muitas vezes um irmão briga com outro por causa de política, imagine você. Aliás, seria extremamente útil se todos os ex-presidentes se reunissem e dissessem: "olha aqui, nós, apesar das divergências ideológicas, eleitorais, haveremos de ser programáticos, queremos o bem do país, queremos que o país se desenvolva, vamos unir nossos esforços".

O que eu vejo é uma divergência brutal que prejudica o país. Essa divergência não fica só no nosso país, ela repercute lá fora. E quando repercute lá fora, prejudica o nosso comércio. Nós vivemos de exportações, nós somos, assim, multilateralistas.

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