Opinião

Breve panorama da tributação da economia digital

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16 de fevereiro de 2020, 6h34

O propósito deste artigo é descrever os avanços globais para a tributação da economia digital e dos novos negócios. Não se pretende apresentar uma solução mágica, até porque seria impossível, mas divulgar as práticas internacionais e estimular o debate.

A economia digital trouxe novos desafios aos Estados e aos contribuintes. Atualmente há diversas modalidades de softwares, internet das coisas, plataformas de economia compartilhada — Uber, AirBnb —, jogos online, e-commerce, market place, cloud computing, streaming, bitcoins, e outros negócios disruptivos, dentre outros negócios que movimentam cifras bilionárias.

Esses novos negócios admitem a aproximação das partes por intermédio de plataformas digitais que facilitam as transações, as quais envolvem mercadorias corpóreas ou incorpóreas, serviços presenciais ou remotos e operações financeiras.

A desnecessidade de circulação física e ausência de bens tangíveis permite que empresas atuem em diversos países sem a presença física de um estabelecimento. Muitas operações são realizadas em ambiente virtual, pela internet, e as receitas de intermediação, publicidade e outras são vultuosas.

Por exemplo, de acordo com informações financeiras de 2017[1], 88% das receitas do Google decorrem de publicidade, assim como 93% das receitas do Facebook e até 18% das receitas da Amazon (classificadas como mídia na tabela abaixo):

Table 2. Financials of Gafam in 2017
Sources: Author's own creation based on MarketWatch, Financial Times, Bloomberg Molla (2018) and Form 10-K

  Google Apple Facebook Amazon Microsoft
Stock market value (MS) 685,730 810,000 443,700 483,000 559,000
Sales (MS) 90,272 216,000 28,000 136,000 85,320
Origin of sales

Advertising: 88%

Others: 21%

iPhone: 61%

Services: 9%

Others: 7%

iPad: 7%

Mac: 10%

Advertising: 93%

Others: 7%

Products: 72%

Media: 18%

Cloud: 9%

Other: 1%

Windows: 9%

Office: 28%

Server/Azure: 22%

Xbox: 11%

Advertising: 7%

Others: 23%

Revenue from outside the USA 57% 70% 54% 38% 54%
Employees 72,000 116,000 18,770 341,000 114,000
Investment in R&D (MS) 16,680 11,680 7,880 22,680 12,380
Market value/sales 7.60 3.75 15.80 3.55 6.55
Revenue/employee (MS) 1.25 1.86 1.49 0.39 0.75
Gross income 21% 21% 36% 22% 20%

A Apple aufere 9% de receitas de serviços e 7% de “outros”. A Microsoft também presta serviços de publicidade que representam 7% de suas receitas. Além disso, todas essas empresas auferem rendas fora dos Estados Unidos, sendo o Google 57%, a Apple 70%, o Facebook 54%, a Amazon 38% e a Microsoft, 54%.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tratou da economia digital na Ação 1 do Projeto Addressing Base Erosion and Profit Shifting (Beps), cujas diretrizes são coerência, substancia e transparência na tributação internacional dos lucros das empresas. O relatório apontou os principais problemas da tributação da economia digital, dentre eles: (i) o fluxo dos bens intangíveis, a mobilidade dos usuários e a volatilidade dos negócios; (ii) a relevância das informações oferecidas pelos usuários, usualmente de modo gratuito e voluntário, que tem resulta em um banco de dados de alto valor agregado; (iii) a estratégia das empresas de evitar presença tributável nos mercados de atuação. Para tratar essas questões, a OCDE recomenda, em resumo: combate à simulação e planejamentos abusivos; reformulação do conceito de estabelecimento permanente e revisão das regras de preços de transferência, com o objetivo de permitir a tributação da renda no país de destino[2].

A diretiva do Conselho da Comunidade Europeia para Serviços Digitais é mais completa e estabeleceu critérios objetivos para a tributação da economia digital. Admitiu a tributação das rendas de estabelecimentos permanentes virtuais, ou seja, aqueles que têm presença digital significativa[3]em determinado Estado, caracterizados por: (i) receita de produtos e serviços digitais seja superior a sete milhões de euros ou; (ii) plataformas que tenham mais de cem mil usuários ou; (iii) número de negócios online exceda três mil contratos. A atribuição de rendas tributáveis nesse Estado levará em consideração os lucros pelos dados de usuários (publicidade online), dos serviços de conexão de usuários (marketplace ou economia compartilhada) e outros serviços digitais (subscrição de streaming).

Com fundamento nessa diretiva, em julho de 2019 a França introduziu a denominada GAFA Tax, que pretende alcançar rendas das grandes empresas de tecnologia Google, Apple, Facebook e Amazon (Lei 2019-759, de 24 de julho de 2019). O Reino Unido também pretende instituir tributo semelhante.

Em janeiro de 2020, a OCDE avançou em um modelo para tributação da econômica digital, com a aprovação do Inclusive Framework[4], que examinará a questão em duas vertentes: a primeira com foco na alocação da competência tributária dos Estados e a segunda para tratar das demais questões relacionadas ao Beps.

O Inclusive Framework propõe a expansão da competência tributária do Estado da residência do consumidor/usuário (chamado Estado do mercado), atribuindo-lhe três categorias de rendimentos:

Categoria A: um percentual das receitas auferidas no Estado do Mercado, independentemente da presença física, especialmente em relação a serviços digitais. Esse percentual deve refletir os lucros associados a uma participação ativa de um negócio na economia do Estado do Mercado, mediante atividades diretas ou indiretamente exercidas naquele país.

Categoria B: Uma remuneração fixa baseada no princípio arm’s length, definida de acordo com a distribuição de funções que são exercidas no Estado do Mercado.

Categoria C: Refere-se a lucros adicionais por negócios que excedam as funções compensadas pela categoria anterior. Os critérios para determinação ainda estão em discussão e não foram claramente definidos.

Estão no escopo do Inclusive Framework: ferramentas de busca online, redes sociais, plataformas de intermediação online (marketplaces), streaming digital, jogos online, cloud computing e publicidade online, bem como operações diretas ao consumidor (computadores pessoais, roupas, cosméticos, artigos de luxo, automóveis, franchising, licenças de uso de hotéis e restaurantes). Cogita-se que as diretrizes sejam aplicadas para grupos cuja receita bruta seja superior a 750 milhões de euros, nos moldes da Ação 13 do Beps.

Ainda há muito trabalho a ser feito tanto pela OCDE, quanto individualmente pelos países. No Brasil, seria necessária a definição clara do conceito de estabelecimento permanente, que considerasse inclusive os negócios realizados por meios digitais. Assim, o Fisco poderia alcançar rendas de e-commerces como Aliexpress e outros que não possuem instalações físicas, nem agentes no Brasil[5].

Além da eficiência fiscal a previsão de critérios claros para o conceito de estabelecimento permanente trará segurança jurídica aos contribuintes. Essa definição foi essencial, por exemplo, no julgamento do RESP 1.272.897, da Iberdrola Energia, no qual se discutiu a aplicação do tratado Brasil-Espanha. O Fisco pretendia tributar o lucro de empresa residente na Espanha, pela prestação de serviços aqui no Brasil. A ausência de estabelecimento permanente foi crucial para a definição, como se depreende dos votos do ministro Napoleão Maia Nunes Filho (relator) e da ministra Regina Helena Costa.

A normatização, portanto, traz grandes vantagens: afasta a insegurança de empresas que pretendem atuar no Brasil, permite alcançar rendas da economia digital que atualmente não são tributadas e propicia a adequada aplicação dos tratados para evitar a dupla tributação da renda.

[1] BUSTOS, J C Miguel e IZQUIERDO-CASTILLO, I.(2019): Who will control the media? The impact of GAFAM on the media industries in the digital economy. Revista Latina de Comunicación Social, 74, pp. 803 to 821. http://www.revistalatinacs.org/074paper/1358/41en.html

[2] Disponível em <http://www.oecd.org/ctp/addressing-the-tax-challenges-of-the-digital-economy-action-1-2015-final-report-9789264241046-en.htm

[3] Disponível em https://ec.europa.eu/taxation_customs/sites/taxation/files/e_proposal_significant_digital_presence_21032018_en.pdf

[4] O Inclusive framework é constituído de um grupo de 137 países do qual o Brasil é parte. https://www.oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-beps-composition.pdf

[5] O atual artigo 469 do RIR/2018 (Na hipótese de serem efetuadas vendas no País, por intermédio de agentes ou representantes de pessoas estabelecidas no exterior, o rendimento tributável será arbitrado de acordo com o disposto nos artigo 605 e artigo 612) não é suficiente para tanto.

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