Opinião

A Reforma da Previdência e o rompimento do vínculo de emprego com estatais

Autor

  • Fernando Maciel

    é procurador federal em Brasília máster em prevenção de acidentes laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha) especialista em Direito de Estado pela UFRGS e professor de pós-graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário. Autor do livro Ações Regressivas Acidentárias (editora LTR).

13 de fevereiro de 2020, 7h02

A Emenda Constitucional 103/2019, mais conhecida como Reforma da Previdência, procedeu inúmeras alterações no cenário jurídico nacional. Uma delas foi o acréscimo do parágrafo 14 ao artigo 37 da Constituição, estabelecendo que “a aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição”.

Eis aqui uma alteração que não restringe os seus efeitos apenas aos servidores públicos estatutários ocupantes de cargos efetivos, pois também alcança os empregados públicos das empresas estatais. Acerca desse particular, têm sido veiculadas na mídia notícias de que o Banco do Brasil e a Petrobras irão considerar rescindidos os contratos de trabalho dos empregados públicos que venham a requerer aposentadoria após a vigência da Reforma da Previdência, ou seja, a partir de 13 de novembro de 2019.

Em relação aos servidores estatutários, o referido parágrafo 14 apenas explicitou o efeito jurídico que a aposentadoria acarreta no vínculo administrativo dos detentores de cargo efetivo, que é a vacância do cargo público, conforme se extrai do artigo 33, VII, da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais). Porém, no que tange aos detentores de emprego público, cujo vínculo jurídico laboral é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, o parágrafo 14 institui a aposentadoria como uma nova causa de rompimento do vínculo trabalhista entre o empregado público e a empresa estatal.

Oportuno consignar que o artigo 453, parágrafo 2º, da CLT, preconiza que a concessão do benefício de aposentadoria acarreta a extinção do vínculo empregatício. Ocorre que, em junho de 2007, ao julgar a ADI 1.721, sob a relatoria do ministro Ayres Britto, o Pleno do STF declarou a inconstitucionalidade desse dispositivo, sob o argumento de que “a mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego”.

Devemos considerar, dessa forma, que o entendimento jurisprudencial que o STF vinha adotando era no sentido de que a concessão de uma aposentadoria espontânea não teria o efeito de extinguir o contrato de trabalho. Entretanto, a partir da Reforma da Previdência, tal entendimento tende a sofrer alteração no que diz respeito aos empregados públicos regidos pela CLT, cuja aposentação passará a acarretar a extinção do vínculo jurídico-trabalhista com a respectiva empresa estatal.

Questão controversa diz respeito aos efeitos que uma aposentadoria involuntária, notadamente nos casos de incapacidade permanente (invalidez), pode acarretar no contrato de trabalho de um empregado público. Isso porque, nos termos do artigo 475 da CLT, “o empregado que for aposentado por invalidez terá suspenso o seu contrato de trabalho durante o prazo fixado pelas leis de previdência social para a efetivação do benefício”. Com efeito, durante o prazo de manutenção do benefício de aposentadoria por invalidez o empregador não poderá exercer o seu direito potestativo de rescindir o contrato de trabalho.

Eis aqui uma regra a ser observada nos casos de empregados de empresas privadas, pois tratando-se de empresas públicas, o parágrafo 14 do artigo 37 da Constituição não fez qualquer distinção se a aposentadoria que acarretará o rompimento do vínculo jurídico com a administração pública será de natureza voluntária ou involuntária.

Outra consequência jurídica de grande impacto será a dispensa da obrigação da empresa estatal de proceder ao recolhimento da multa de 40% do FGTS na conta vinculada dos empregados públicos que se aposentarem voluntariamente, o que nos termos do artigo 18, parágrafo 1º, da Lei 8.036/90, somente é devido nos casos de rompimento do vínculo contratual por iniciativa do empregador.

Oportuno registrar, por fim, que conforme o artigo 6º da EC 103/19, a referida hipótese extintiva do vínculo jurídico com a administração pública não se aplica às aposentadorias concedidas pelo RGPS antes da entrada em vigor dessa alteração constitucional. Eis aqui uma previsão normativa que visa a assegurar o direito adquirido daqueles que já haviam se aposentado antes da vigência do parágrafo 14 do artigo 37 da Constituição.

Porém uma dúvida que pode persistir diz respeito à situação daqueles que, mesmo tendo implementado os requisitos para a aposentação antes da vigência da EC 103/19, preferiram não requerer o benefício previdenciário. Em tais hipóteses, a concessão da aposentadoria após a Reforma da Previdência irá ou não acarretar a extinção do vínculo jurídico com a administração pública?

A resposta a esse questionamento deve partir de uma adequada interpretação do instituto do direito adquirido, previsto no artigo 3º da EC 103/19, que garante a concessão de aposentadoria, a qualquer tempo, àqueles que tenham cumprido os requisitos até a data de entrada em vigor da Reforma da Previdência, mesmo que venham a requerer o benefício em momento posterior.

Com efeito, em observância ao direito adquirido, a regra contida no artigo 6º da EC 103/19 deve ser aplicada não apenas àqueles que já haviam se aposentado antes da vigência dessa alteração constitucional, mas também àqueles que já haviam implementado todos os requisitos para a aposentação até 13 de novembro de 2019, porém deixaram para formalizar esse pedido após a data em que a referida emenda constitucional passou a produzir seus efeitos jurídicos.

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    é procurador federal em Brasília, master em prevenção de acidentes laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha) e autor do livro Ações Regressivas Acidentárias (editora LTR).

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