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O financiamento eleitoral público merece respeito

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10 de fevereiro de 2020, 8h00

Sempre que se aproxima ano de eleições é comum se ouvir, aqui e acolá, críticas acerca do modelo de financiamento vigente. Hoje, quem enfrenta cerrada crítica é o financiamento público eleitoral. Muito recentemente a espécie de financiamento que imperava no país estava fortemente ancorado no dinheiro de pessoas jurídicas.

Nele prevaleciam as relações de compadrio entre candidatos e empresas, num ambiente opaco que impulsionava fortemente relações antirrepublicanas. Diante de fatos que vieram a lume nos últimos tempos, evidenciando a relação espúria entre políticos e as então principais empreiteiras do país, o financiamento empresarial foi colocado em xeque pela opinião pública, e, finalmente, derrubado pelo Supremo Tribunal Federal em 2015 (ADI 4.650).

A democracia, entretanto, precisa de financiamento porque tem custos. Com a proibição do financiamento empresarial as campanhas eleitorais passaram a ser financiadas pelo tradicional Fundo Eleitoral — turbinado com mais dinheiro público — e por contribuições de pessoas físicas sujeitas a tetos de gastos estabelecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral.

E, a partir de 2017, acoplou-se ao sistema o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que, em 2018, rondou em torno de 1.7 bilhões de reais, passando neste ano eleitoral, para algo em torno de 2 bilhões de reais. Embora tenhamos um financiamento misto — privado e público — o modelo, na verdade, é predominantemente público dada a irrelevância das contribuições de pessoas físicas ante os aportes das fontes públicas.

Essa mudança radical restou demonstrada por um estudo coordenado pelo professor George Avelino, da FGV, que registrou um dado altamente significativo: se nas eleições de 2014 o percentual de recursos públicos nas campanhas proporcionais federais era de 3%, nas eleições de 2018 esse percentual passou para 77%[1].

Para aqueles que são críticos à entrega de dinheiro para políticos e suas respectivas campanhas, esses dados podem sugerir um despautério; mas, na verdade, o emprego de fundos públicos importou numa melhora significativa da competividade eleitoral. Entre outros efeitos as eleições ficaram mais baratas, conforme aponta o seguinte gráfico[2]:

Reprodução

Outro dado importante extraído da referida pesquisa concerne às candidaturas de gênero. Segundo o estudo, nas eleições de 2018[3]:

“(…) a desigualdade na alocação de recursos diminuiu expressivamente, pois tanto cresce o número das candidatas eleitas e competitivas, como cai a despesa dos candidatos, reduzindo a diferença entre homens e mulheres”.

Eleições que se prestam a atrair candidatos sem acesso privilegiado ao dinheiro privado e que fortaleçam candidaturas de gênero — num país desigual e patriarcal como o Brasil — é benfazejo à democracia. Mas, para que esses dados positivos colhidos nas eleições de 2018 frutifiquem é fundamental que os partidos políticos — que são centrais nesse modelo — façam sua parte. Na verdade, a própria sobrevivência do financiamento público está diretamente relacionada a um desempenho melhor dos partidos.

Democracia intrapartidária, accontability e o compliance de parte dos partidos, são absolutamente fundamentais para que a sociedade possa começar a ver com outros olhos a destinação de recursos públicos em prol do financiamento eleitoral.

O universo público, ao contrário do privado, é da compostura, dos bons modos, da moral, da ascese como ensinava Bourdieu[4] e os partidos políticos brasileiros estão longe de atingir essas metas. Mais do que isso, alguns partidos políticos têm sido lenientes — para dizer o mínimo — com situações de fraude à política afirmativa de gênero, incorrendo numa espécie de apropriação indébita de recursos públicos ao receber verbas para destinação específica nessas candidaturas e não cumprirem com seus termos (Consulta TSE 0600252-18.2018).

Esse quadro intolerável contribui para carrear desconfiança da população nos partidos políticos e na sua legitimidade para acesso a verbas públicas. Malgrado isso, é necessário dizer que, mais do que nunca, eventuais críticas aos partidos políticos têm que ser bem matizadas.

A generalização da crítica bem pode atender a interesses subalternos, que vê no estrangulamento do financiamento público um modo fácil de garantir hegemonia política para determinado grupo. Os partidos políticos e os políticos, bem ou mal, nos trouxeram até aqui — o mais longevo período democrático de nossa história — e ademais disso têm sido fundamentais para barrar propostas autoritárias e antissociais apresentadas pelo atual governo, como aponta a crônica política atual, de modo que certa generosidade com o financiamento público pode ser a chave para preservar a estabilidade política e sua pluralidade, embora o desempenho da classe política, como aliás em toda parte do mundo, nunca será a dos nossos sonhos.

O financiamento público tem defeitos e precisará sempre de ajustes e especialmente de ampla fiscalização pelos órgãos de controle, mas sem ele prevalecerá a plutocracia com seus métodos de captura do poder, velhos ou novos, tanto faz.

[1]AVELINO, George; BIDERMAN, Ciro; PHILLIPS, Jonathan; MESQUITA, Lara; BUENO, Natália Salgado; e col.. “O poder do dinheiro nas campanhas eleitorais (Sumário Executivo)”. 2019. Disponível em: http://www.cepesp.io/uploads/2019/05/Brava_Eleitorial_AF_Web.pdf.

[2]Ibidem.

[3]Ibidem.

[4]BORDIEU, Pierre. “Sobre o Estado”, Companhia das Letras, 2014, p.89

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