O início, o fim e o meio

"Prerrogativa para honorários não deve ser utilizada para fechar os olhos"

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8 de fevereiro de 2020, 8h14

Em dezembro do ano passado, o escritório Vezzi Lapolla Mesquita Advogados se tornou a única banca de advogados a receber o selo Empresa Pró-Ética, parceria da Controladoria-Geral da União com o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

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O escritório tem como uma de suas especializações estruturar e implementar programas de compliance.

Nesse caso, não se queria que na casa de ferreiro o espeto fosse de pau. Então a banca foi atrás de desenvolver um programa de conformidade com leis e regulamentos externos e internos. 

Em entrevista à ConJur, o sócio Marcelo Lapolla fala sobre um dos grandes tabus da advocacia: a inviolabilidade dos honorários. A classe defende que não cabe aos advogados saber a origem do dinheiro. E que mexer com isso é ferir o direito de defesa. 

Lapolla afirma, porém, que, em seu escritório, a origem do dinheiro e a forma de pagamento precisam ter caminhos legais. 

Leia abaixo a entrevista:

ConJur — A política interna de compliance do escritório limita a forma como os honorários podem ser aceitos?
Marcelo Lapolla — O exemplo que eu tenho dado é por que uma joalheria, quando vende uma joia de R$ 10 mil, ela tem que se preocupar com a origem do dinheiro? Se aquilo ali é uma joia que a gente reconhece o valor e eu, quando te vender um parecer, que é uma folha de papel com tinta, por R$ 1 milhão, não tenho que me preocupar com a origem do dinheiro? Eu, como escritório de advocacia, sou um caminho muito mais fácil de lavagem de dinheiro que uma joalheria. Porque eu atribuo o valor que eu quiser ao meu trabalho. Não é tangível.

Então a gente pensou: temos alguns motivos para buscar um compliance no escritório. Primeiro para ser coerente com o nosso discurso com o cliente. Segundo, para reverter uma imagem ruim que se tem de escritório e, terceiro, porque de fato acreditamos nisso.

ConJur — A advocacia defende o sigilo dos honorários como uma das prerrogativas mais importantes. Não acha que a política interna do escritório pode enfraquecê-la?
Marcelo Lapolla — A gente não pode confundir prerrogativa com privilégio. Como o foro privilegiado do político: é prerrogativa ou é privilégio? Se está na lei, é prerrogativa, mas se não tem um fundamento, no final das contas virou um privilégio legalizado.

Então o que a gente enxerga em relação à advocacia é que sim, eu sou uma fonte de risco. A minha atuação é inerente ao risco.

Digamos que aparece um potencial cliente. O cara quer montar um empresa no Brasil, eu não sei de onde vem, quer me pagar via Ilhas Cayman [paraíso fiscal], eu não sei que atividade ele tinha. Vou me preocupar com isso.

ConJur — Como funciona na prática?
Marcelo Lapolla — A gente toma esse cuidado de quem é o cliente. Especialmente se vira e diz: me dá sua conta bancária que eu vou fazer uma TED. Então esse dinheiro já está no mercado. Se é sujo, já foi lavado, deixou de ser. Então, se o cliente me paga por transferência bancária, eu já estou tranquilo.

Agora, eu tenho regra no nosso código que, a partir de determinado valor, eu não posso receber honorários em dinheiro. Então o cliente chega aqui e diz que está com R$ 30 mil para pagar em espécie. Respondo: "vai ao banco e deposita na minha conta que eu não recebo em dinheiro".

ConJur — E, além da origem do dinheiro, quais outros cuidados que o escritório toma de acordo com o compliance interno?
Marcelo Lapolla — Nosso escritório tem uma política de precificação de honorários, que é para prevenir que, ou fique conflitado ou tenha um incentivo para corromper. Vou te dar dois exemplos: você chega para mim e fala: Marcelo, eu tenho uma ação de R$ 100 milhões. Só que eu não quero te pagar nada de entrada. Mas se você ganhar, fica com 50%.

Imagine que eu vou trabalhar de graça por cinco anos e, quando estiver lá no recurso, na última instância, o voto de minerva do último ministro, o sim ou não dele vai ser a diferença entre eu ganhar R$ 50 milhões ou zero para um trabalho feito. Se eu der R$ 10 milhões para esse ministro, eu ganho R$ 40 milhões.

Então estou em uma situação que tenho um estímulo a corromper, ainda que não seja da nossa natureza. Por isso não quero me expor a essa situação.

Se você disser para mim: eu quero te dar 50% do que eu ganhar. Já digo que não quero, porque isso vai me colocar em uma situação que eu não quero ficar.

Então remunere meu trabalho. Quer me dar um êxito se eu conseguir resultado? Ok. Mas não pode ser a diferença entre eu ser remunerado grandiosamente ou nada. Remunere o meu trabalho e, se ele der resultado, me dê um acréscimo. Mas a gente tem limitadores para não nos colocar em uma situação ruim.

ConJur — Em relação a legislação, o compliance está bem abarcado, falta alguma coisa?
Marcelo Lapolla — A minha avaliação é que a gente tem muita lei que nem precisaria. Até entendo a vantagem de você ter uma avenida reta, mas também enxergo como desvantagem você dizer que aconteceu tal coisa e não ter referência porque tem, sei lá, cinco leis que podem ser contraditórias, ter dificuldade de aplicação

Creio que a gente quer evoluir criando mais leis e, na verdade, tínhamos de evoluir amadurecendo as já existentes.

Então a minha resposta, independente do contexto, seria que a gente não precisa de tanta lei. No contexto, e sendo objetivo, a gente já tem mais do que o suficiente. O que precisa agora é o enforcement [a execução].

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