Opinião

Acordo de não persecução penal é aplicável a processos em curso

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7 de fevereiro de 2020, 6h29

A recente edição da Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, alterou substancialmente o Código de Processo Penal ao introduzir o artigo 28-A para permitir a realização de acordo de não persecução penal.

Trata-se de medida despenalizadora, pois no plano do Direito positivo, permite afastar a incidência da sanção penal, esta submetida à reserva de jurisdição.

O Ministério Público pode deixar de apresentar ação penal contra o investigado, em certos crimes (sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos), mediante acordo de cumprimento de determinadas medidas.

O ajuste a ser firmado entre o Ministério Público, o investigado e seu advogado, comporta, isolada ou cumulativamente, as seguintes condições: reparação do dano, salvo impossibilidade; renúncia a determinados bens relacionados com o delito; prestação de serviços à comunidade; e/ou prestação pecuniária.

A lei nova gera situação de inquestionável benefício em favor do investigado, pois impede, quando presentes os requisitos legais, tanto a instauração da persecutio criminis in judicio quanto a decretação da extinção da punibilidade, uma vez cumpridas as medidas acordadas.

O acordo consubstancia expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, configurando-se em instrumento destinado a viabilizar, juridicamente, mecanismo de despenalização, com a inequívoca finalidade de aprimorar nosso modelo consensual de Justiça Criminal.

Paradigmas deverão ser superados e uma nova cultura jurídica há de ser criada. A iniciativa de advogados criminalistas terá um peso especial para essas mudanças que se anunciam.

Nesta nova quadra do Direito Criminal brasileiro, privilegia-se, sem dúvida, a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal.

Esse novo standard de justiça vem a reforçar o suporte despenalizador inaugurado com a transação penal e a suspensão condicional do processo, criados pela Lei 9.099/95.

Diferem a transação penal e o acordo de não persecução penal não só pelo quantitativo da pena privativa de liberdade, esta pena mínima de quatro anos, aquela pena máxima de dois anos (além das contravenções penais). O acordo pressupõe a confissão do acusado.

Impende ressaltar que o descumprimento do acordo não valida a confissão como prova porque não há processo ainda, aplicável a regra do artigo 155 do CPP. Ademais, a situação assemelha-se à delação premiada desfeita, em que as provas autoincriminatórias não podem ser utilizadas em desfavor do colaborador.

Iniludível, pois, a natureza híbrida da norma que introduziu o acordo, trazendo em seu bojo carga de conteúdo material e processual.

O âmbito de incidência das normas legais desse jaez, que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, deve ter aplicação alargada nos moldes previstos no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”

Nesta senda, entendemos incidir também aos processos criminais em curso, apanhados pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal. Cabe ao Estado, agora, abrir ao réu a oportunidade de ter sua punibilidade extinta mediante a proposição de acordo pelo Ministério Público e consequente cumprimento das condições convencionadas.

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