Liberdade de expressão

Santa Cruz não cometeu crime ao criticar Moro, dizem constitucionalistas em parecer

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4 de fevereiro de 2020, 18h20

A liberdade de expressão protege manifestações críticas, especialmente as praticadas contra atos de autoridades públicas no exercício de suas funções. Nesse caso, a tutela da liberdade de expressão prevalece sobre a proteção do direito à honra do agente estatal.

Cristovão Bernardo/OAB
Para professores, Santa Cruz cumpriu missão da OAB ao criticar Moro
Cristovão Bernardo/OAB

Com esse entendimento, os professores de Direito Constitucional Daniel Sarmento (da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e Ademar Borges (do Instituto Brasiliense de Direito Público) afirmam, em parecer, que o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, não cometeu crime ao criticar o ministro da Justiça, Sergio Moro.

Santa Cruz criticou Moro após o ministro anunciar a intenção de destruir as mensagens obtidas por suspeitos de hackear celulares de autoridades públicas — inclusive dele próprio —, apreendidas no âmbito da operação "spoofing". “[Moro] usa o cargo, aniquila a independência da Polícia Federal e ainda banca o chefe da quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas", disse o advogado à Folha de S.Paulo.

Dias depois, ele ressaltou que “a crítica feita foi jurídica e institucional”, e não visou atingir a honra do ex-juiz.

O Ministério Público Federal denunciou Santa Cruz por calúnia. Por falta de justa causa, contudo, a 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal negou a denúncia.

Mas o MPF interpôs recurso em sentido estrito, que aguarda julgamento do Tribunal de Justiça do DF.

Em parecer encomendado pelo advogado de Santa Cruz, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, Daniel Sarmento e Ademar Borges afirmam que o presidente da OAB não cometeu crime contra a honra do ministro ao criticar seus atos. Isso porque a liberdade de expressão, quando se trata de denunciar medidas de autoridades públicas, se sobrepõe à honra deles.

“Se determinado comportamento corresponde ao exercício legítimo de um direito fundamental, ele não pode ser criminalizado. A lei penal não pode ser interpretada e aplicada de modo incompatível com a Constituição da República. Assim, além da própria norma penal, a Constituição veda essa tentativa de criminalização, razão pela qual deve ser mantida a decisão de rejeição da denúncia apresentada contra o consulente [Santa Cruz]”, avaliam os professores.

Além disso, eles apontam que a crítica a atos de agentes estatais que contrariem a Constituição, a democracia e os direitos fundamentais é uma das atividades institucionais da OAB — como estabelece o artigo 44, I, do estatuto da entidade.

E essa função torna-se ainda mais necessária no governo Jair Bolsonaro. “O governo hostiliza e trata como inimigos os jornalistas, as ONGs, os povos indígenas e quilombolas, as universidades públicas, os artistas, as feministas, os ambientalistas, os integrantes das minorias sexuais. Os valores democráticos e emancipatórios mais caros à Constituição de 1988 estão sob forte e permanente ataque, por vezes com a colaboração de agentes do sistema de justiça”, destacam Sarmento e Borges.

“Em tempos de crise democrática, tal papel [de criticar atos de agentes estatais que contrariem a Constituição, a democracia e os direitos fundamentais] torna-se ainda mais relevante, e deve ser exercido com coragem e independência. É o que ocorreu no caso, na linha das melhores tradições da Ordem dos Advogados do Brasil”, opinam os constitucionalistas.

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Processo 1000594-16.2020.4.01.3400

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