Opinião

Sem querer, advogado prejudicou defesa ao colocar em dúvida racismo do Itaú

Autores

  • Djefferson Amadeus

    é advogado mestre em direito e hermenêutica filosófica pela Unesa pós-graduado em filosofia pela PUC-Rio pós-graduado em processo penal pela ABDCONS-RJ membro da FEJUNN e do Movimento Negro Unificado (MNU).

  • Alberto Sampaio Júnior

    é advogado mestrando em Direito pela Unesa e membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

4 de fevereiro de 2020, 6h30

O advogado e a advogada, protagonistas essenciais da dramaturgia forense, às vezes retratados como vilões, às vezes como heróis, seja na literatura de cordel, seja nos melhores roteiros hollywoodianos, e que imaginário popular insiste em atribuir, injustamente, um “que” de esperto, de sujeito escorregadio, de tipo bom de lábia, ainda é alvo de muitas inquietações, geralmente no plano ético, reforçando estereótipos e preconceitos. O prestígio e a respectiva valorização da advocacia guardam estreita relação com as aspirações democráticas de uma determinada sociedade. Não à toa, diz o slogan: sem advogado e advogada, não há justiça. Aliás, pelas mesmas razões, a Constituição preceitua a indispensabilidade do advogado e da advogada à administração da Justiça.

Em meio à constante expansão de discursos autoritários, cuja propagação estabelece campo fértil para a potencialização de políticas segregadora, a exemplo do racismo, a importância do advocacia ganha acentuado relevo. A propósito, não vos se esqueceis daquilo que ensinou Carnelutti: “Advogado significa 'aquele que é chamado a socorrer (Advocatus, vocatus ad, chamado a socorrer)'”.[1] Eis o papel do advocacia, e que nada o impeça ou a amedronte de fazê-lo, vez que, conforme a célebre frase de Sobral Pinto diz, a advocacia não é profissão para covardes.

A motivação desta breve reflexão decorre da manifestação do advogado da empresária Lorenna Vieira a respeito do episódio de racismo que sua cliente sofrera em uma agência do Itaú. Evidentemente, não se pretende esmiuçar o episódio do crime em si. Entretanto, acreditamos que o advogado de Lorenna jamais poderia ter colocado em dúvida o racismo por ela experimentado.

Envergonhados, olhando para baixo, com a mão na testa e balançando a cabeça — assim terminamos nosso diálogo, depois de ouvir a manifestação do advogado(?) de Lorenna, afirmando, reitera-se, que tinha dúvidas acerca da atitude racista do banco Itaú: “Talvez deve ser por causa da cor dela, não sei…”.[2]

Advogadas, advogados, cidadãs e cidadãos que nos leem: quem tem dúvidas a respeito de como um advogado deve se comportar em relação à defesa de sua/seu cliente, ponha os olhos neste fato, e vede, nas palavras do advogado de Lorena, como jamais um advogado deve se portar.

Ora, vejam bem: chamado a socorrer — o advogado, justo ele, senhoras e senhores — colocou em dúvida as afirmações de sua cliente, que dissera ter sido vítima de racismo. De acordo com as palavras da empresária Lorena Vieira: “Fui retirada do Banco Itaú pela Polícia Civil. Humilhada e esculachada. Por minha conta receber um bom dinheiro. E segundo eles, é fraude. (…) Não é por que eu sou preta e humilde que eu sou criminosa”.

E o que disse seu advogado sobre tais fatos? Que não sabia se era por causa da cor dela. Ou seja, tinha dúvidas se se tratava, mesmo, de racismo. Numa palavra: lamentável! O que fez o advogado — e este é o ponto central de nosso texto — não foi só eufemizar o racismo, mas, também, deu “armas” ao banco Itaú, pois colocou em xeque a afirmação de sua cliente.

Se ele — enquanto cidadão — entende que o fato não foi racismo, isto é um direito que a ignorância e o desconhecimento da história permitem-lhe. Agora, na condição de advogado, jamais poderia ele, sobretudo em rede nacional, oferecer argumentos que descredibilizassem a afirmação de sua cliente. Aliás, para que reflita sobre a sua afirmação, indicamos ao colega, com urgência, a leitura de Frantz Fanon, Lélia Gonzalez, Ana Maria Gonçalves, Neusa Santos Souza, Virgínia Bicudo, Djamila Ribeiro, bem como que siga, no Instagram, os perfis de Rodrigo França, Joice Berth, Carla Akotirene, entre outros e outras.

A dúvida levantada pelo advogado, sobre o racismo, é de um amadorismo não só histórico, dado o desconhecimento do racismo que do-mina(!) Brasil, mas também de um amadorismo jurídico, porque desconsiderou que o contraditório, em casos midiáticos, não se inicia nos autos, mas na própria mídia.

E a prova do amadorismo histórico-jurídico fica demonstrada quando se lê os comentários daqueles que colocam em dúvida a existência do racismo no presente caso: “-Não houve racismo, tanto que até o advogado está com dúvida se foi racismo”; “o advogado parece não ter concordado com a versão da cliente dele de que houve racismo; “viram o que disse o advogado da Lorenna? Será que houve racismo mesmo?"; “gente, o advogado que disse isso é o advogado do banco Itaú, né?”.

Um advogado pode dizer não à uma causa, mas quando ele diz não, jamais deve dizê-lo por questões morais.

Com isso, estamos colocando — queremos colocar — o seguinte: uma mulher ou um homem que se recusem a advogar para um acusado de estupro ou para um acusado de violência doméstica jamais devem recusar a defesa por acharem que ele não deve ser defendido, mas sim pelo fato que a causa os impacta tanto que, inconscientemente, não podem oferecer-lhe a melhor defesa possível, daí deixá-la para que outra mulher ou homem que tenham condições, sem se impactar, possam defendê-los.

[1] CARNELUTTI, Francesco. Las Miserias Del Proceso Penal. Traducción de Santiago Sentis Melendo. Ediciones Juridicas Europa-America: Buenos Aires, 1959, p. 40.

[2] Fonte: https://www.instagram.com/p/B8ABBt1JCgK/?igshid=cgp2q7czotng

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