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A urgência do sistema acusatório no Brasil

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

30 de dezembro de 2020, 6h05

Há séculos existia um processo penal de estilo inquisitorial, marcado pela ausência do devido processo e seus princípios derivados (ampla defesa, contraditório, publicidade, inadmissibilidade das provas ilícitas etc.). A igreja era a protagonista dos castigos daqueles que eram submetidos a punição por meio de um procedimento instaurado com essa finalidade.

Nos dias de hoje, o processo penal deu uma guinada humanitária e aprendemos que para punir devemos garantir direitos. Pelo menos isso é o mínimo que se espera de sistemas jurídicos democráticos que apresentam coordenadas estabelecidas pelo princípio da legalidade.

Tenho por premissa que o próprio processo penal, mesmo aquele que não culmina em um sentença condenatória, já apresenta aspectos de punitividade. É o que eu chamo de processo como marca. Isto é, o processo como selo de culpa gravado na vida de quem sofre o processamento criminal. Mesmo que seja absolvido no final, a imagem do réu sofre determinados desgastes, sejam eles sociais, familiares ou até mesmo institucionais.

O processo penal é um código civilizatório que criamos para punir aqueles que praticaram fatos criminosos. O estilo acusatório de processo é uma forma de garantir os direitos do acusado e também de garantir que a punição ocorra conforme as regras do jogo. A própria democracia exige isso. Não é possível falar em democracia sem um processamento criminal justo, ético e legal.

Não se trata de ser leniente com a criminalidade e os criminosos. Nunca foi isso. Trata-se de respeitar as formas legais e estabelecer filtros para o Estado-juiz punir os que se afastaram na norma penal. Agora devemos punir com critérios. E critérios são exigências. Critérios são formas. Os critérios valem, especialmente se nosso desejo espelha a demanda de materializar a obediência aos comandos da nossa Constituição Federal.

Os países desenvolvidos têm como marca registrada o Rule of Law, ou seja, o Estado de Direito, essa fórmula jurídica que foi criada para possibilitar o exercício do poder e o desenvolvimento da democracia. A lei e o Direito — sobretudo nas democracias modernas — são condições de possibilidade para o florescimento da ordem e da paz social, ferramentas estas indispensáveis para o próprio convívio comunitário.

No processo penal, o acusado não tem os mesmos recursos de que o Estado dispõe. Não existe uma igualdade de condições. Naturalmente, essa posição desvantajosa que paira sobre a figura do réu tem de ser compensada de alguma maneira. Essa maneira é o oferecimento de direitos e garantias fundamentais. É necessário punir, dar uma resposta ao fato delituoso. Entretanto, essa resposta tem de ter fundamentos legais e constitucionais para que a condenação seja passível e possível de legitimidade.

Processo penal é Estado-Leviatã versus cidadão-rousseauniano. A parte mais fraca deve ter garantias para que ela possa estar em uma posição menos desigual com o poder estatal. Mais uma vez, mas é importante destacar: não se trata de ser flexível com os acusados, mas, sim, de efetivar as disposições contidas na lei penal e na lei processual penal, sendo estas ancoradas pela nossa Constituição Republicana.

Os níveis de democracia podem e devem ser medidos pelo respeito ao Estado de Direito, pela autoridade da Constituição e pela submissão dos agentes estatais às formas da lei. A atividade do jurista deve sempre ser norteada por esses parâmetros jurídicos, pois são eles os nossos instrumentos de trabalho.

Portanto, a virada processual penal do estilo inquisitório para o estilo acusatório, além de exigir coragem dos atores processuais, exige também uma mudança radical de cultura e mentalidade. Mas a história dirá um dia se essa viragem processual possibilitou ou não o aprimoramento do nosso sistema processual. O tempo sempre dá as melhores respostas. Vamos aguardar!

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