Opinião

Isenção tributária autônoma e logística reversa: uma dupla que pode dar certo

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27 de dezembro de 2020, 10h23

A produção e o consumo acentuaram-se demasiadamente após a virada do século. E isso por conta do exponencial crescimento populacional, que demanda a intensificação de produção alimentícia, bem como provoca consequências nos setores de construção civil e, por conseguinte, a geração de mais resíduos. Em virtude desse aumento exponencial de consumo, a coleta, o acondicionamento, o tratamento, o transporte e o destino final de resíduos sólidos se tornaram mais complexos, havendo a necessidade da adoção de medidas mais responsivas, até mesmo porque a sustentabilidade ambiental é uma responsabilidade comum.

E para a execução do plano de gestão desses resíduos existem diversos instrumentos legalmente previstos, como por exemplo a responsabilidade compartilhada, a gestão integrada, acordos setoriais, ciclo de vida do produto, não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos, a logística reversa, entre outros. No entanto, trataremos aqui especificamente da logística reversa e de resíduos sólidos do tipo de embalagens [1]

Esses instrumentos foram instituídos através da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabelecida pela Lei nº 12.305/10. Segundo Luis Paulo Sirvinkas, o dispositivo teve por "objetivo principal a substituição dos lixões por aterros sanitários até o ano de 2014" [2], e também o forte incentivo à reciclagem.

A logística reversa, que está prevista no artigo 33 da Lei 12.305/10 e regulamentada pelo artigo 13 do Decreto 7.404/10, é um desses instrumentos, caracterizada por ser uma ferramenta de desenvolvimento econômico e social que prevê um "conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento" [3]. Também há a possibilidade de dar a destinação final ambientalmente adequada.

Em outras palavras, é a responsabilidade ambiental que a empresa possui de restituir tudo aquilo que coloca em circulação no mercado, mediante o retorno da embalagem do produto após o uso pelo consumidor, assim como a obrigação de destinar adequadamente seus resíduos/lixos. É a chamada responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, uma vez que o destino de qualquer resíduo sólido é uma questão de saúde pública.

Os resíduos são de diversos segmentos: embalagens em geral, plásticas, de vidro, lâmpadas fluorescentes, produtos eletrônicos, resíduos de medicamentos e suas embalagens, pilhas e baterias, embalagens de agrotóxicos, pneus, óleos lubrificantes e comestíveis e outros.

Enfim, em diversos momentos a lei dispõe sobre as ferramentas e os instrumentos de desenvolvimento econômico que as empresas, o poder público as cooperativas e os próprios catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis de baixa renda podem se utilizar, e o papel que podem desempenhar nesse processo.

No entanto, a logística reversa parece um plano de execução ainda tímido e pouco fomentado, se comparado às ações de coleta seletiva e aterros verdes.

A iniciativa da empresa Eu Reciclo, é uma das soluções para empresas que devem adotar o sistema de logística reversa, e atualmente já é utilizada por mais de 2000 empresas. A Eureciclo presta um serviço de compensação ambiental que destina corretamente a massa de resíduos equivalente à massa de embalagens colocadas pelas empresas, garantindo que cerca de 22% deste lixo seja compensado, de acordo com a exigência da Lei 12.305/10. E em toda a cadeia de produção há o engajamento de diversos atores neste processo. Os serviços são destinados não somente à empresas, mas também para associações e sindicatos, operadores de reciclagem, organizações sociais, e até mesmo consumidores.

Desde a sua instituição em 2014, já foram compensados mais de 90 mil toneladas de resíduos, mais de 2000 marcas engajadas, com mais de 180 mil consumidores participantes.

Empresas como o Grupo Natura, Boticário e outras já possuem pontos de coleta para o descarte dessas embalagens, no entanto, o número de empreendedores engajados ainda é baixo. São poucas empresas que possuem planos estratégicos complexos prevendo objetivos, definições e procedimento do descarte em massa de seus resíduos. Nisso também se evidencia a importância do compliance.

Em verdade, embora a lei determine que 22% dos resíduos devam ser compensados, já há atualmente empresas que garantem 100% da sua logística reversa, como é o caso do Grupo Arezzo & Co. Outras revertem em 200% os resíduos, isto é, para cada embalagem que a empresa coloca no mercado, outras dois são recicladas.

A obrigação de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações é um dever constitucional de todos (artigo 225 da Constituição Federal), e a logística reserva constitui-se como um interessante instrumento que entra em atuação coordenada com os padrões de consumo atuais.

A adoção do sistema de logística reversa é uma maneira de se posicionar de forma mais sustentável e consciente no mercado. E este deve ser o novo normal. Empresas como o Grupo Renner, Levis e outras já apostam em processos de produção com materiais biodegradáveis, conferindo importância significativa à sustentabilidade.

No entanto, a logística reversa parece fixar apenas uma obrigação à empresa, o que faz com que poucas delas se atenham à observância da legislação, pois nenhum benefício é oferecido em contraprestação, como forma de incentivo. Em virtude disso, ventilamos a sugestão do estabelecimento de uma Política Nacional de isenção tributária, um "benefício legal concedido pelo legislador" [4] que, excluiria o crédito tributário, liberando o contribuinte (pessoa jurídica) de realizar o pagamento do tributo, após a ocorrência do fato gerador. No entanto, essa isenção seria graduada. Em contrapartida, as empresas poderiam optar por determinada gradação de reciclagem, que seria firmada de acordo com o percentual de isenção. Se a empresa recicla 50% do que inclui no mercado, teria isenção proporcional ao que compensou. Ou, se tudo que a empresa produziu reverteu em mais três embalagens recicladas, a empresa poderia obter isenção total.

O refinamento do projeto obviamente seria necessário, sendo que a empresa poderia escolher apenas um imposto ou taxa a qual está vinculada, ou seja, da qual possui a obrigação de realizar o pagamento, geralmente o ICMS. Obviamente, dado que a isenção é de modalidade autônoma, seria concedida por lei através da mesma entidade competente para instituir o tributo.

Essa política seria capaz de desonerar o setor empresarial que é/está historicamente tão saturado por suportar alta carga tributária. Em contrapartida, a proposta fomentaria as questões de reciclagem, coleta seletiva, cooperando com a sustentabilidade, que deve ser encarada como um diferencial e uma vantagem competitiva.

As mudanças precisam ser sentidas tanto a nível global no top down, quanto no local, na vizinhança, no bottom up. E para além da logística reversa, outros procedimentos já estão sendo executados, tornando-se verdadeira tendência de mercado, como por exemplo, de modo amplo as Soluções Baseadas na Natureza (SBn), compostagem, aterros sanitários verdes, Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) no modo wetlands construído, e o incentivo às urban farms a agricultura urbana controlada.

No final, trata-se de estabelecer um conjunto de práticas que possam levar a fixação da cultura do biourbanismo: a necessidade de as cidades se adaptarem a cenários convergentes, desenvolvendo a resiliência através de serviços oferecidos pelos sistemas e processos da natureza. Se ao menos pudermos devolver minimamente à natureza, ou reduzir o impacto daquilo que foi retirado dela, estaremos no caminho certo.

E essa estratégia perpassa a organização e o desenvolvimento do reaproveitamento de resíduos, soluções que otimizem a produção e o consumo, a logística reversa etc. Assim, se está a desenvolver uma verdadeira infraestrutura verde-azul, (integração do desenho entre infraestrutura de cidades e a natureza) que torne as cidades lugares mais sustentáveis, seguros, humanos e justos. Desse modo, estaremos preservando e mantendo a qualidade do meio ambiente, ainda que minimamente.

 


[1] Resíduos dos serviços de saúde, gerados nos processos de ETE’s – Estações de Tratamento de Esgoto, industriais, tecnológicos e espaciais possuem regulamentação distinta.

[2] SIRVINSKAS, Luís Paulo Manual de. Direito Ambiental. – 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.374.

[3] BRASIL. Decreto 7.404/10, de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, e dá outras providências. Brasília, 23 dez 2010. Disponível em: planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7404.htm Acesso em 17 dez 2020.

[4] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: SaraivaJur, 2018, p. 391.

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